quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Meditações para se rezar bem o Rosário - São Luiz Maria Grignion de Montfort






O seguinte documento nos auxilia na meditação do Santo Rosário, a fim de que possamos rezá-lo com verdadeira devoção.

São meditações para cada oração do Santo Rosário.





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28 de Fevereiro - São Romão







 São Romão, que viveu no século 5, foi o primeiro eremita que existiu na França. Natural de Borgonha, entrou bem cedo no célebre e mais antigo mosteiro da França, Ainay.

  
Tendo aprendido os princípios da vida religiosa, retirou-se para a solidão, num lugar chamado Condat, entre a Suíça e Borgonha, onde mais tarde se lhe associou o irmão, Lupicino. Algum tempo viveram juntos, entregues às práticas religiosas, quando começaram a experimentar impertinentes perseguições do demônio, que procurou assustá-los de mil modos. Bastante incomodados com as artimanhas do inimigo, retiraram-se daquele lugar, em demanda de um outro. Surpreendidos pela noite, hospedaram-se na choupana de uma pobre mulher. Esta, sabendo do motivo da fuga, disse-lhes: “Fizestes mal em ter abandonado a vossa casa. Se tivésseis lutado com mais coragem e pedido sossego a Deus, teríeis vencido as insídias do demônio”.  Envergonhados com esta advertência, voltaram ao lugar de onde tinham saído e de fato nunca mais o demônio os incomodou.

A fama dos dois santos homens chamou muita gente ao lugar onde estes moravam, uns para pedir conselho, oração e consolo, outros, a estes em maior número, para, sob sua direção, levar uma vida em Deus. Santo Hilário tinha conferido a Romão as ordens do sacerdócio. Junto com seu irmão Lupicino fundou três conventos: o de Condat, hoje Santa Claude, o de Laucone e de la Baume. Ao redor deste último se agrupou a cidadezinha de St. Romain-de-Roche. Estes conventos gozavam de grande reputação na França, devido ao bom espírito, à vida santa que lá se levava. São Romão era para todos o modelo de perfeição.

  Em certa ocasião fez uma romaria ao túmulo de São Maurício e levou em sua companhia o monge Paládio. À noite os surpreendeu e tiveram de abrigar-se numa gruta, que servia de albergue a dois leprosos. Grande foi o espanto destes, ao avistarem os dois religiosos na pobre habitação. Romão, para convencê-los de que nada precisavam temer, abraçou-os e beijou-os com muito afeto. Quando, no dia seguinte, os romeiros se despediram dos pobres lázaros, Romão fez o sinal da cruz sobre eles e no mesmo momento a lepra os deixou.

Este grande milagre aumentou ainda mais o grande conceito do Santo, em que o tinha todo o povo. Romão, porém muito se aborreceu com as honras de que o fizeram alvo e retirou-se para o convento de St. Claude, onde morreu no odor de santidade.


São Romão, rogai por nós.


quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

27 de Fevereiro - São Gabriel das Dores, Confessor





São Gabriel de Nossa Senhora das Dores, a quem Leão XIII chamava o São Luiz Gonzaga de nossos dias, nasceu em Assis a 1 de março de 1838, filho de Sante Possenti di Terni e Inês Frisciotti. No mesmo dia que viu a luz do mundo, recebeu a graça do batismo, na mesma pia, em que foi batizado o grande patriarca S. Francisco, na Igreja de S. Rufino. O pai do Santo, já com vinte e dois anos era governador da cidade de Urbânia, cargo que sucessivamente veio a ocupar em S. Ginésio, Corinaldo, Cingoli e Assis. Como um dos magistrados dos Estados Pontifícios, gozava de grande estima do Papa Pio IX e Leão XIII honrava-o com sua sincera amizade. A mãe era de nobre família de Civitanova d’Ancona. Estes dois cônjuges apresentavam modelos de esposos cristãos, vivendo no santo temor de Deus, unidos no vínculo de respeito e amor fidelíssimo, que só a morte era capaz de solver. 

Deus abençoou esta santa união com treze filhos, dos quais Gabriel era o undécimo. Este, no batismo recebeu nome de Francisco, em homenagem a seu avô e ao Seráfico de Assis. Dando testemunho da educação que recebiam na família, no Processo da beatificação do Servo de Deus, os seus irmãos declararam: “Nós fomos educados com o máximo cuidado, no que diz respeito à piedade e à instrução. Nossa mãe era piedosíssima e nos educou segundo as máximas da nossa santa Religião”. Nos braços, sobre os joelhos de uma mãe profundamente religiosa o pequeno Francisco aprendeu os rudimentos da vida cristã e pronunciar os santos nomes de Jesus e Maria.

A grande felicidade que na infância reinava, experimentou um grande abalo, quando inesperadamente o anjo da morte veio visitar aquele lar e arrebatar-lhe a mãe. D. Inês sentindo a última hora se aproximar, na compreensão do seu dever de mãe cristã reuniu todos os filhos à cabeceira do leito mortal, estreitou-os, um por um, ao seu coração, selou a sua fronte com o último beijo, deu-lhes a bênção, distinguindo com mais carinho os de tenra idade, entre estes, Francisco; munida de todos os sacramentos, confortada pela graça de Deus, na idade de 38 anos deixou este mundo, para, na eternidade, perto de Deus, receber o prêmio de suas raras virtudes. Do pai, o próprio filho Francisco ao seu diretor espiritual deu o seguinte testemunho: Meu pai, declarou, tinha por costume levantar-se bem cedo. Dedicava uma hora à oração e meditação; se neste tempo alguém desejava falar-lhe, havia de esperar pelo fim das práticas religiosas. Terminadas estas, ia à igreja assistir a santa Missa e costumava levar consigo dos filhos os que não fossem impedidos. Finda a santa Missa metia-se ao trabalho. À noite reunia seus filhos e dava-lhes sábios conselhos e úteis exortações. Falava-lhes dos deveres para com Deus, do respeito devido à autoridade paternal e do perigo das más companhias. “Os maus companheiros, dizia ele, são os assassinos da juventude, os satélites de Lúcifer, traidores escondidos e por isso para os temer e deles ter cuidado”. 

 Os biógrafos de Francisco fazem ressaltar em primeiro lugar a extraordinária bondade de coração do menino, principalmente para com os pobres. Muitas vezes ficou ele sem a merenda, por tê-la dado aos pobres. Entre seus irmãos era ele o anjo da paz, sempre pronto para desculpar e para defendê-los, quando acusados injustamente. Não suportava a injúria, fosse ela atirada a si ou a um dos seus. Com a maior facilidade se desfazia de objetos de certo valor, com que tinha sido homenageado. Assim presenteou a um de seus irmãos de uma bela corrente de prata, que tinha recebido de um parente. Estes belos traços no caráter de Francisco não afastam certas sombras que nele subsistiam também. Os que o conheciam meigo, bondoso, compassivo, sabiam-no também ser nervoso, impaciente, irascível. Por felicidade sua o senhor Sante, seu pai não era daqueles que desculpam os caprichos de seus filhos, pretextando serem crianças, sem pensar que mais tarde terão de pagar bem caro esta condescendência e fraqueza. O verdadeiro amor cristão fê-lo combater sem tréguas todos os defeitos. 

 Francisco era obediente e tinha grande respeito ao pai, o que aliás não impedia que diante de uma severa repreensão desse largas ao seu gênio impulsivo, com palavras e gestos demonstrando o seu descontentamento, sua raiva. Mas tudo isto era fogo fátuo. Logo voltava às boas; sua boa índole não permitia, que estas revoltas interiores durassem muito tempo. Era encantador ver, momentos depois, o menino desfeito em pranto, procurar o pai e por seus modos ingênuos e infantis, assegurar-se do perdão e do amor do Sr. Sante. Este, fingindo não dar crédito a estas demonstrações, retrucava bruscamente: “Nada de carícias; quero ver fatos”. Então o menino se atirava ao colo do pai, beijava-o e sentia-se feliz, em ter voltado à paz, com o perdão paterno. Nesta escola de sábia pedagogia Francisco cedo aprendeu combater e vencer seus defeitos. Por algum tempo Francisco ficou entregue aos cuidados de um mestre; depois freqüentou o colégio dos Irmãos das Escolas Cristãs, onde fez rápidos progressos, figurando sempre entre os melhores alunos. Na idade de sete anos fez a sua primeira confissão. Um ano depois, em junho de 1846 recebeu o sacramento da confirmação. Tudo isto prova que o menino já se achava bem instruído nas verdades da nossa fé, graças ao sólido ensino que lhe dispensavam os beneméritos Irmãos Sallistas.

Nesse mesmo tempo caiu também a data da sua primeira comunhão, para qual se preparou com todo o esmero. Testemunha de vista desse grandioso ato diz: “O fervor com que o vi chegar-se da sagrada mesa, o espírito de fé, que se estampava no seu semblante, o vigor dos seus afetos foram tais, que se chegava a crer ser ele levado por um Serafim”. Esses sentimentos de fé e de piedade, aquelas chamas de amor ao SS. Sacramento não mais se separaram do coração de Francisco nos anos de sua mocidade, nem no meio de uma vida dissipada de certo modo mundana. Não menos certo é que a freqüente recepção da santa comunhão preservou-o de graves desvios no meio das tentações do mundo. Terminados os estudos elementares, o pai pensou em procurar para Francisco uma educação mais elevada, de acordo com a sua posição social e confiou seu filho aos Padres Jesuítas que na cidade de Spoleto dirigiram um colégio. Neste educandário passou Francisco os anos todos de sua mocidade no mundo e chegou a cursar os quatro semestres de estudos filosóficos. Estudante inteligente e cumpridor exato de seu dever que era, deixou boa memória naquele colégio e formavam-se as mais belas esperanças a seu respeito. Ano não passava, que não tirasse um prêmio; no fim dos seus estudos foi distinguido com uma medalha de ouro. Mestres e colegas igualmente o estimavam. Tudo nele encantava: os seus modos delicados e gentis, a modéstia no falar, o sorriso benévolo que lhe afloravam aos lábios, o garbo com que se sabia ver em circunstâncias mais solenes, os sentimentos nobres que dominam em todo o seu proceder. Aos seus mestres devotava sempre a máxima estima e profunda gratidão. 
Das práticas de piedade era rígido observador e com regularidade freqüentava os santos sacramentos. Não há dúvida, que, dada a ocasião, o seu gênio impetuoso e quente o levava a transportes de veemência e de cólera. Mais estes excessos eram sempre seguidos de lágrimas de arrependimento e de penitência. Desde a sua infância mostrou devoção particular a Nossa Senhora das Dores, uma imagem da qual se conservava em sua família; e cabia-lhe a ele adorná-la de flores e manter acesa uma lâmpada diante da estátua. Afirma um dos seus irmãos, Eurique Possenti, que viu Francisco, no último ano que passou em casa, usar de cilício de couro com pontinhas de ferro. Outro testemunho, da família Parenzi, declara: “Sua conduta religiosa e moral tem sido irrepreensível; dada a grande vigilância de meus pais, não teria sido admitido em nossa família, se não fosse realmente virtuoso”. Para completar a imagem do jovem estudante e assim melhor poder compreender a mudança que nele mais tarde se efetuou, tenha aqui lugar a descrição da solene distribuição de prêmios, da última em que Francisco tomou parte no colégio dos Jesuítas em Spoleto, em setembro de 1856. Os melhores alunos tinham sido escolhidos para abrilhantar a cerimônia com discursos e declamações poéticas. Entre eles Francisco ocupava o primeiro lugar. Ninguém se lhe igualava em elegância exterior, no garbo de representar, na graça de declamar, na graciosidade da gesticulação, no timbre encantador da voz. Podendo representar no palco, parecia estar no seu elemento e fazia-o com toda a naturalidade e perfeição. Em sua aparência não deixava nada a desejar: tudo obedecia às exigências da última moda: o cabelo esmeradamente penteado, o traje elegante e ricamente adornado, as luvas brancas, gravata de seda, sapatos luzidios e artisticamente acabados, a tudo isso Francisco ligava máxima importância. Em certa ocasião recitou com tanto ardor e tamanho foi o entusiasmo que excitou no auditório, que o delegado apostólico Mons. Guadalupe, que presente se achava, ao pai de Francisco que ao seu lado se achava disse: “se vosso filho aqui presente estivesse, abraçava-o em vosso lugar”.

As raras qualidades morais, que o adornavam, a figura simpática e atraente na flor da mocidade, a extrema vivacidade que nele se observava, não deixaram de emprestar-lhe um leve sombreado de vaidade, que de algum modo chegou a dominá-lo. Esta vaidade se lhe patenteava na exigência que fazia no modo de se trajar, sempre na última moda, de perfumar o cabelo e este sempre tratado com cuidado, de se aborrecer com uma nódoa por mais insignificante que fosse, no fato, no amor que tinha a divertimentos alegres e aos esportes mundanos. O inimigo das almas tirou proveito dessas fraquezas. Se não conseguiu roubar-lhe a inocência, não foi porque não lhe poupasse contínuos assaltos, bem sucedidos. A paixão pelo teatro, a verdadeira mania por bailes, o amor à leitura de romances eram tantos escolhos, tantos perigos, que é de admirar que o jovem Francisco não caísse presa das ciladas diabólicas. Tão pronunciada era sua paixão às danças, que lhe importou a alcunha de “bailarino”. Assim um dos seus mestres, Pe. Pinceli, Jesuíta, quando soube da inesperada fuga de Possenti do mundo para o convento, disse: “O bailarino fez isto? Quem esperava uma tal coisa! Deixar tudo e fazer-se religioso no noviciado dos Padres Passionistas!”

 Francisco bem conhecia o perigo em que nadava, e não faltava quem o chamasse à atenção, o lembrasse da necessidade da oração, da vigilância, da mortificação, da devoção a Jesus e Maria, de não perder de vista a eternidade, etc. Em uma carta que lhe escreveu o Pe. Fedeschini, S. J. há todos estes avisos; o conselho de fugir das más companhias, de dar desprezo à vaidade no vestir e falar, de largar o respeito humano, de fazer meditação diária e receber os sacramentos. Com todas as leviandades e suas perigosas tendências para o mundo, Francisco não deixava de ser um bom e piedoso jovem, a quem homens sábios e virtuosos não pudessem escrever com confiança, benevolência e estima e cujas palavras não fossem aceitas com respeito e gratidão. “Muitas vezes” – diz quem bem o conhecia – “Possenti sentiu o chamado de Deus, de deixar a vida no mundo e trocá-la com o estado religioso”. Seu diretor, Pe. Norberto, Passionista, declara: “A vocação, se bem que descuidada e sufocada, estava nele havia muito tempo e ele a sentiu desde os mais tenros anos. Muitas vezes o servo de Deus disse-me isto, lastimando a sua ingratidão e indiferença”. O mesmo sacerdote relata: “A sua vocação se manifestou do seguinte modo: Não sei em que ano foi, sentiu-se ele acometido de um mal, que o fez pensar na morte. Teve então a inspiração de prometer a Deus entrar numa Ordem religiosa, caso recuperasse a saúde. A promessa foi aceita, pois melhorou prontamente e em pouco tempo se achou restabelecido. A promessa ficou como se não fosse feita. O jovem tornou a dar o seu afeto ao mundo e se entregou à dissipação como antes. Não tardou que Deus lhe mandasse outra enfermidade, uma inflamação interna e externa da garganta, tão grave, que parecia a morte iminente já na primeira noite, tornando-se-lhe dificílima à respiração. Novamente o enfermo recorreu a Deus e invocando Santo André Bobola, aplicou ao lugar dolorido uma estampa do mesmo Santo, e renovou a promessa de abraçar o estado religioso. As melhoras se acentuaram quase instantaneamente e teve o enfermo uma noite tranquila e não mais voltaram as angústias da dispneia. Deste extraordinário favor o jovem se lembrou sempre com muita gratidão. Manteve também por algum tempo o propósito de fazer-se religioso, mas diferindo-lhe a execução, o amor ao mundo voltou e no mundo continuou a viver. Das paixões de Francisco, uma das mais fortes foi a da caça. A esta paixão ele pagava tributos bem pesados e seu diretor espiritual não hesitou em atribuir a este esporte a cruel moléstia, que o ceifou na flor da idade. Certa vez, em pular uma cerca, chegou a cair e com tanta infelicidade, que quebrou-lhe um osso do nariz. O fuzil disparou e o projétil passou-lhe retinho pela testa, pouco faltando que lhe rebentasse o crânio. Francisco reconhecendo logo a providência deste aviso, renovou a sua promessa. Ficou com as cicatrizes, mas deixou-se ficar no mundo.

A graça divina também não se deu por vencida. Rejeitada três vezes, tentou um quarto golpe, mais doloroso ainda. De todos de sua família Francisco dedicava terníssima amizade a sua irmã Maria Luzia, nove anos mais velha que ele, e esta amizade era correspondida com todo afeto. Em 1855 irrompeu em Spoleto a cólera e Maria Luiza foi a primeira vítima da terrível epidemia. Foi no dia Corpus Christi, e a notícia alcançou Francisco, quando, na procissão, levava a cruz. A morte da irmã feriu profundamente o coração do jovem e mergulhou sua alma em trevas nunca antes experimentadas. Perdeu o gosto de tudo e se entregou a uma tristeza inconsolável. Parecia, que com este golpe a graça divina tivesse removido o último obstáculo de a promessa se cumprir. Assim ainda não foi. Todo acabrunhado, Francisco manifestou ao pai sua resolução de entrar para o convento chegando a dizer que para ele tudo se tinha acabado nesta vida. Possenti, receando perder seu filho a quem muito amava, não recebeu bem a comunicação e pediu-lhe nunca mais tocasse neste assunto. Aconselhou-o a se distrair, a afastar os pensamentos tristes a procurar a sociedade, freqüentar o teatro; chegou a insinuar-lhe a idéia de procurar a amizade de uma donzela distinta, de família igualmente conceituada, na esperança de nos entendimentos inocentes ela conseguir de fazê-lo esquecer-se dos seus intentos religiosos. Na igreja metropolitana de Spoleto gozava de uma veneração singular uma imagem de Nossa Senhora; a esta imagem chamava simplesmente “a Icone”. Na oitava do dia 15 de agosto esta imagem era levada em solene procissão por dentro da igreja e não havia quem não se ajoelhasse à sua passagem. 

Em 1856 Francisco Possenti achava-se no meio dos fiéis e todo tomado de amor por Maria Santíssima, os seus olhos se fixavam na venerada imagem como que esperando por uma bênção especial. Pois, quando a “Icone” vinha aproximando-se do jovem, parecia ela lhe atirar um olhar todo especial e lhe dizer: “Francisco, o mundo não é para ti; a vida no convento te espera”. Esta palavra, qual uma seta de fogo cravou-lhe no coração; assim saiu da igreja desfeito em lágrimas. Estava resolvido a realizar desta vez o plano de alguns anos. Tratou, porém, de não dar por enquanto nenhuma demonstração do seu intento. Embora certo de sua vocação, mas desconfiando da sua fraqueza, e para não ser vítima de uma ilusão procurou seu mestre no liceu e diretor espiritual Pe. Bompiani, Jesuíta e a ele se abriu inteiramente, fazendo do conselho do mesmo depender sua resolução definitiva. O exame foi feito com toda sinceridade e tendo tomado em consideração todos os fatores influentes no passado da vida do jovem, o Pe. Bompiani não duvidou de se tratar de uma vocação verdadeira e animou o jovem a seguí-la. Consultas que fez com mais dois sacerdotes de sua inteira confiança, tiveram o mesmo resultado. Francisco se resolveu então a pedir sua admissão na Congregação dos Passionistas. Comunicar ao pai a resolução tomada, não foi fácil. Mas desta vez o Sr. Sante, homem consciencioso, vendo a aflição e a firmeza de seu filho, não mais se opôs; tomado, porém, de espanto quando soube que a Congregação por Francisco escolhida, a dos Passionistas, era de todas a mais austera. Se bem que não se opusesse à vontade do filho, tratou de procrastinar a execução do seu plano e impor condições. 

Francisco, porém, ficou firme. Tomou ainda e pela última vez, parte na solenidade da distribuição dos prêmios, no colégio dos Jesuítas, fez como sempre um papel brilhante no palco, despediu-se dos seus professores, dos seus amigos e em companhia de seu irmão Luiz, da Ordem Dominicana, por ordem de seu pai, fez uma visita a seu tio Cesare, cônego da Basílica de Loreto e a um parente de seu pai, Frei João Batista da Civitanova, guardião de um convento dos capuchinhos, levando para ambos carta de Sante Possenti em que este pedia examinassem a vocação do jovem. Tanto o cônego como o capuchinho carregaram bastante as cores da vida austera na Congregação dos Passionistas, que absolutamente não lhe conviria, a ele, moço de dezoito anos, acostumado a seguir às suas vontades, sem restrição de comodidades. A visita à Santa Casa em Loreto Francisco aproveitou largamente para recomendar-se a N. Sra. Não mais arredou do caminho encetado. De Loreto foi para convento Morrovale, dos Passionistas onde já em 21 de setembro de 1856 recebeu o hábito com o nome de Gabriel dell’Adolorata. Admitido no noviciado, escreveu ao pai e aos irmãos, comunicando-lhes o fato. Ao pai pede perdão, aos irmãos recomenda amor filial e boa conduta. A carta, embora de simplicidade encantadora, é um documento admirável de sentimento filial e católico. Aos companheiros seus de estudo dirigiu cartas também. Despede-se, pede perdão de maus exemplos que julgava ter dado; aconselha-os a fugir das más companhias, do teatro, das más leituras e das conversas inúteis. 

Convencidíssimo da sua vocação religiosa, longe do mundo, da sociedade e da família, não mais teve outro ideal que subir as culminâncias da perfeição. Inconfundível era sua personalidade no meio dos seus companheiros do noviciado. Sem perder as notas características do seu caráter, a jovialidade, a alegria de espírito, a amenidade de trato, era ele inexcedível não só na exatidão do cumprimento dos exercícios regulares, como também na prática das virtudes cristãs e monásticas. E se perscrutarmos as causas profundas desta mudança radical na vida de Gabriel, duas conseguiremos encontrar, aliás suficientes e esclarecedoras: o ardente amor a Jesus Crucificado, à Santa Eucaristia, sua devoção singular a Mãe de Deus, em particular à Nossa Senhora das Dores e sua inalterada mortificação, por meio da qual deu morte aos seus desordenados apetites, um por um. Tendo corrido o ano de provação, Gabriel foi admitido à profissão e mandado para várias casas da Congregação, com o fim de completar os seus estudos de teologia. Durante os anos de preparação para o sacerdócio, superiores e companheiros viram no santo jovem o modelo mais perfeito de todas as virtudes, e cumpridor exatíssimo dos seus deveres. 

Quando chegou à idade de vinte e três anos, anunciaram-se os primeiros sintomas da moléstia, que no prazo de um ano havia de levá-lo ao túmulo: a tuberculose pulmonar. O longo tempo da sua enfermagem Gabriel o aproveitou para ainda mais se aprofundar na sua devoção predileta à Sagrada Paixão e Morte de Jesus Cristo e à Maria Santíssima, mãe das dores. 

Em fevereiro de 1862 ainda pôde andar e receber a santa comunhão na igreja, junto com seus companheiros. Inesperadamente o mal se agravou; foi preciso avisá-lo para receber os últimos sacramentos. A notícia assustou-o por um momento só; mas imediatamente recuperou a habitual calma, que logo se transformou numa alegria antes nunca experimentada. O modo de receber o santo viático comoveu e edificou a todos que assistiram. Não mais largava a imagem do crucificado, que cobria de beijos, e ao seu alcance tinha a estátua de N. Sra. das Dores, que freqüentemente apertava ao seu peito, proferindo afetuosas jaculatórias, como estas: “Minha mãe, faze depressa!” – “Jesus, Maria, José, expire eu em paz em vossa companhia!” – “Maria, mãe da graça, mãe da misericórdia, do inimigo nos protegei, e na hora da morte nos recebei”. – Poucos momentos antes do desenlace, o agonizante, que parecia dormir, de repente, todo a sorrir, virou o rosto para esquerda, fixando olhar para um determinado ponto. Como que tomado de uma grande comoção diante de uma visão impressionante, deu um profundo suspiro de afeto e nesta atitude, sempre sorridente, com as mãos apertando as imagens do crucifixo e da Mater dolorosa, passou desta vida para a outra.

Assim morreu o santo jovem na idade de vinte e quatro anos, na manhã de 27 de fevereiro de 1862. Foi sepultado na igreja da Congregação, em Isola Del Gran Sasso. Trinta anos depois fêz-se o reconhecimento do seu corpo. Nesta ocasião com o simples contacto de suas relíquias verificou-se a cura prodigiosa de uma jovem que a tuberculose pulmonar tinha reduzido ao último estado. Reproduziram-se aos milhares os prodígios que foram constatados à invocação do Santo. Em 1908 o Papa Pio X inscreveu o nome de Gabriel da Virgem Dolorosa no catálogo dos Beatos e em 1920 Bento XV decretou-lhe as solenes honras da canonização.

Pio XI estendeu a sua festa a toda a Igreja, em 1932. 


São Gabriel das Dores, rogai por nós.



Novena a Santo Tomás de Aquino - Iniciada no dia 27 de Fevereiro





Caríssimos leitores,

Hoje, dia 27 de fevereiro, convidamos todos para iniciarem juntamente com o grupo Santo Tomás de Aquino, a novena em devoção ao nosso padroeiro Santo Tomás de Aquino. A novena se concluirá do dia 7 de março, dia desde grandioso santo.

Desde já pedimos a todos para colocarem suas intenções por nosso grupo e lhes asseguramos das nossas.


                                                                             ***

Quando não existe novena especificamente criada para o Santo, o costume Tradicional da Igreja costuma utilizar-se como novena do Santo 3 orações da Missa em honra do Bem-aventurado, por nove dias seguidos. - Que é o caso desta.


A Novena Tradicional de Santo Tomás consiste, então, em rezar as seguintes orações (retiradas do Missal Tradicional, da Missa do Santo) por 9 dias seguidos:


Colecta

Ó Deus, que ilustrais a vossa Igreja com a admirável erudição de S. Tomás, vosso Confessor, e a tornais fecunda pela santidade de suas obras, concedei-nos a graça, Vos rogamos, de compreender o que ele ensinou, e, seguindo seu exemplo, cumprir o que ele praticou. 

Secreta

Não nos falte, Senhor, a piedosa intercessão de S. Tomás, vosso Confessor e Doutor; ela Vos torne agradáveis os nossos dons e nos alcance sempre a vossa indulgência.

Postcommunio

Senhor, seja intercessor nosso S. Tomás, vosso Confessor e egrégio Doutor, a fim de que vossos santos Sacrifícios nos valham para a salvação.


***


Rezar as três orações diariamente durante os 9 dias da novena. 
Termine a última com:


"Por Jesus Cristo vosso Filho, que convosco vive e reina na unidade do Espírito Santo,  Deus, por todos os séculos dos séculos. Amém"

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

A Subida do Clavário 2º parte - XIII. O SEGUNDO PILATOS: OS EXPEDIENTES.



A Subida do Calvário
AS TORTURAS DO CORAÇÃO

XIII. O SEGUNDO PILATOS: OS EXPEDIENTES.


A palavra de Pilatos, caindo no silêncio contido daqueles sacerdotes impacientes de sangue e de morte, foi seguida de um clamor imenso que surpreendeu e conturbou o procurador.

A vista de Jesus que chegava nas pegadas do Romano aumentou os brados e as exclamações: estes partiam da multidão; da multidão, já espessa e marulhosa, que ocupava o fundo da praça, sombria orla de onde se desprendiam murmúrios e surdos rumores denunciadores de profundezas de ódio insuspeitadas.

Pilatos poderia crer-se voltado aos maus dias de Cesaréia. Pensava só ter que ver com uma camarilha: os sacerdotes; e achava-se em face da multidão.

Até ele subia com concerto de furores e de acusações, e, inclinado sobre todas aquelas bocas ululantes, a custo podia o procurador precisar a forma e os matizes daqueles selvagens depoimentos. Cansado de lutar, voltou-se para Jesus e perguntou-Lhe, já um tanto ansioso:

- Estás ouvindo?

E, como Jesus Se calasse:

- Não ouves então de quantos crimes eles te acusam?

E Jesus nada respondeu. É provável que, destrinçando no meio dos gritos os principais agravos, Pilatos os fosse reproduzindo a Jesus; porque mais tarde ele dirá ao povo: - Bem vistes que eu o interroguei na vossa presença.

Jesus obstinava-Se em calar-Se, e isto muito admirava o juiz; pressentia este algo de anormal, de grande, quiçá de sobre-humano, naquele homem singular. Surge então o segundo Pilatos, que a todo custo quer livrar-se daquela pesada questão, mais ainda do que livrar Jesus. Porque aquela questão subitamente se ampliou e, mercê do concurso da multidão, quase assume as proporções de um tumulto popular. É forçoso sair dela: Pilatos procura a porta de saída.

Lançar aquele homem, que ele diz inocente, em pasto ao povo em furor, ele ainda tem algum escrúpulo disso. Vira e revira o problema; de repente uma palavra sobe até ele: falaram da Galiléia. Será que Jesus é galileu? E, como lhe respondem afirmativamente, logo Pilatos aproveita a ocasião e declina competência. Sendo galileu, é de Herodes que o acusado depende. Ora, Herodes estava justamente em Jerusalém, e pouco se entendia com os Romanos. Ao mesmo passo que se descartava do embaraço, Pilatos demonstrava certa deferência a Herodes: tudo seria, pois, pelo melhor. Assim, não tendo surtido efeito a improcedência, este expediente agora será mais feliz: Herodes que decida!

No fundo, Pilatos cedia ainda. Era, além do mais, uma primeira covardia; porque, afinal, se ele sentia o dever de ordenar a improcedência, com que direito encaminhava Jesus a Herodes?

Ou Jesus era culpado ou não era. Ora, Pilatos acabava de dizer que Ele não era culpado. Logo, não tinha senão que manter a sua primeira decisão. Mas não ousa, procura safar-se da dificuldade; é bem o superior fazendo resvalar habilidosamente à responsabilidade sobre outro.

Entrementes ele torna a entrar, mais uma vez safou-se; a multidão também se vai, corre com os sacerdotes e com os anciãos para o paço de Herodes: a praça fica limpa, tudo vai realmente pelo melhor.

Reis, governai afoitamente”, diz Bossuet. Nada é mais prejudicial a um povo, a uma família, a um agrupamento qualquer, do que governá-los por expedientes. Não se contenta a ninguém, nem a si nem aos outros: essa destreza tresanda a prestidigitação.  A probidade repele os processos oblíquos, e a franqueza é sempre um pouco de altivez, porque é aceitar as conseqüências da própria palavra e dos próprios atos. Isto pressupõe força e honra; ora, não é a altivez feita destas duas coisas? Elas faltavam totalmente a Pilatos.

Não tardou que novos clamores viessem tirá-lo da sua covarde quietude. Herodes recambiava-lhe Jesus; divertira-se à custa dEle, mas nada julgara.

Cruelmente volvido às suas perplexidades, Pilatos quis, ainda assim, tirar proveito de Herodes. Este era Judeu, ele se lhe valeria do nome; além de que a sua diligência não devia ter desagradado ao povo... Quem sabe? Tudo ia talvez poder terminar razoavelmente. Desta vez, ele manda vir à sua presença os príncipes dos sacerdotes, os sinhedritas, e, para lisonjear a todos, à própria ralé, faz-se acessível, simula condescender, entrar-lhes nas vistas: é quase bonancheirice.

- Trouxeste-me este homem, diz-lhes ele, e apresentastes-mo como um agitador pernicioso do povo. Interroguei-o na vossa presença, e vós mesmos pudestes ver que, de tantos capítulos de acusação, nenhum sério pude reter contra ele, Ademais, não me circunscrevi ao meu próprio juízo: encaminhei esse Jesus a Herodes, e vós com ele, a fim de que pudésseis repetir todas as vossas acusações. Herodes ouviu tudo, e ele mesmo nada achou nada que merecesse a morte. Todavia, se alguma coisa houver que tenha melindrado as vossas leis, vou mandar castigá-lo, estará dito tudo, e mandá-lo-ei embora.

Pilatos cedia, e era uma nova covardia. Por que esse castigo? Se se tratava da flagelação, não tinham os Judeus necessidade da sua permissão para esse suplício, que lhes não transcrevia o direito. Mas eles só lhe haviam trazido Jesus para a morte: claríssimamente fora isto declarado, e desde o começo. – Não podemos matar ninguém, haviam dito desassombradamente os sacerdotes, e então vimos pedir-vos que o façais por nós. – A flagelação era, portanto, um rigor inútil, incapaz de engodar os sacerdotes e de saciar o povo.

Fizeram-no sentir ao Procurador. Como o seu faro cruel, a turba dos sacerdotes e a plebe amotinada viram bem depressa o afrouxamento de Pilatos. O impulso estava dado, restava somente carregar brutalmente sobre aquele pobre coração vacilante e sobre aquele espírito em apuros, para acabar de fazê-los soçobrar.

Por sua parte, Pilatos parecia, entretanto enrijar-se no pensamento de livrar Jesus; parece mesmo que a sua compaixão despertada e não sei que temor reverencioso o induziam a esse partido. Em todo caso, ele já avançara demais para recuar. Publicamente e por duas vezes declarara que não achava nenhuma causa de morte naquele homem: não queria, contudo, engolir todas as vontades daqueles Judeus opiniáticos e invejosos, porque no fundo lhes farejou a baixa inveja.

Metade por amor-próprio, metade por comiseração natural, vai, pois compreender ainda o salvamento da vítima.

Na sua política cavilosa, acredita ter achado a melhor saída. Distingue maravilhosamente, naquela massa encrespada que lhe bate os degraus do tribunal, as cabeças e os cúmplices, os sacerdotes e a multidão. Que golpe mestre se conseguisse dividir aquelas duas categorias, a fazer salvar Jesus, contra os sacerdotes, pela multidão! O expediente pareceu-lhe uma idéia genial.

Era costume conceder ao povo o perdão de um condenado à morte por ocasião das festas da Páscoa. Ora, havia, que aguardava o suplício, um celerado famoso, por nome de Barrabás, o terror do povo, homicida e sedicioso por todos temido...

Certamente que, pondo ao lado dele Jesus, aquele Jesus que só bem fizera e que, diziam, havia estranhadamente curado cegos, leprosos, e até ressuscitado mortos, Jesus benfeitor público ao lado de Barrabás malfeitor consumado, e o povo encarregado de escolher, o povo só, pois é o sufrágio deste que se vai pedir, o voto não podia ser duvidoso.

Pilatos parece então abandonar o seu projeto de flagelação; senta-se no seu tribunal, e, com todas as mostras do poder que se faz indulgente, lança àquela turba fremente o seu hábil e inesperado dilema.

- Ou Jesus ou Barrabás? Escolhei.

E espera. Sem se dar conta, Pilatos cedia: era uma terceira e sinistra covardia. Cada vez mais se afastava do seu primeiro movimento, de bom, que dissera: Não há nada que repreender neste homem. Pôr Jesus ao lado de Barrabás era, pelo contrário, dizer: Ele é culpado. Era dizer mais: Ele já está condenado à morte, pois só se libertavam os condenados ao último suplício. Sem dúvida ele queria despertar no povo uma preferência por Jesus; mas afinal o põe no mesmo pé de igualdade porquanto toda eleição a fazer pressupõe uma certa igualdade nos indivíduos a eleger.

E Pilatos aguarda, fia do seu expediente; assim, quando, naquele momento, sua mulher lhe manda pedir que não se envolva em nada no caso daquele justo, ele a tranqüiliza: Jesus será salvo, é questão de tempo.

Sim, e justamente os sacerdotes empregam esse tempo; os sacerdotes, que vêem a tática do Procurador, espalham-se imediatamente pela multidão. Como um fermento secreto, qual veneno sutil, circulam, trabalham, fazem ferver os espíritos já escaldados; e, quando Pilatos se levanta e se inclina sobre o povo para ter a resposta, ouve só um grito: Non hunc! Este não! Jesus devia, pois, estar presente, pois parece que esse termo O designa e O indigita. Este não, dá-nos Barrabás. Non hunc, sed Barabbam.

(A Subida do Calvário, pelo Padre Luís Perroy)

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

A Subida do Calvário 2º parte - XII. O PRIMEIRO PILATOS: NADA DE QUESTÕES.


A Subida do Calvário
AS TORTURAS DO CORAÇÃO

XII. O PRIMEIRO PILATOS: NADA DE QUESTÕES.
 
 

A personagem de Judas é repugnante, o papel de Caifás revoltante; o de Pedro é doloroso. Pilatos é triste. Nada mais complexo do que a cena do Pretório. A bem dizer, é o único episódio que apresenta um drama em resumo no grande drama do conjunto. Em qualquer outro caso, o assédio está feito: Judas sabe o que quer; Anás e Caifás ainda mais; quando Jesus comparece perante eles, já está condenado: todo o aparato que se ostenta é uma sinistra encenação. “A sentença já estava decretada, buscavam-se só pretextos”. (E. Renan, Vida de Jesus, XXI.) Pedro, este é surpreendido; em todo caso, esboça pouca resistência para defender seu Mestre.

À primeira palavra da porteira, começa a trair. Pilatos é o único, nesse conflito de paixões e interesses caldeados, que sinceramente procura salvar Jesus. Porquanto não há dúvida alguma sobre este ponto: ele queria arrancá-lo ao suplício que vêm requerer dele: Quaerebat Pilatus dimittere eum (Jo 12,2).

E é o que torna tristemente dramática a personagem de Pilatos. Ele não sabe querer; flutua, não quisera condenar o inocente, e manda-o ao suplício proclamando que Ele nada fez de mal. O medo, a fraqueza, o respeito humano podem, pois, num dado momento, sufocar os melhores sentimentos do homem. É isto que é triste. A fraqueza no ódio e no crime é ainda preferível: chega ao mesmo resultado, mas sabe e quer esse resultado.

Jesus perante Pilatos é o eterno conflito do dever perante o interesse próprio: nada é mais pungente na cena íntima do coração do homem.

Pilatos é o melhor representante desse interesse a braços com a consciência. Passa por todos os sentimentos que experimentamos quando há luta entre o dever e a paixão.

De começo, Pilatos enfada-se com aquele embaraço. É o primeiro instinto de todo homem de posição que aceitasse gostosamente as honras, desde que lhe não dessem nenhum cuidado. – Nada de questões. – A virtude administrativa de certos homens não vai, amiúde, além dessa destreza em evitar, em contornar as dificuldades, ou em fazê-las jeitosamente resvalar sobre outro. É o primeiro Pilatos.

Anunciam-lhe, desde a manhã, que lhe vão trazer Jesus. Ele não está sem ter ouvido falar de Jesus, todos falavam dEle. Sabia ainda muito bem – a polícia romana não contraviera a nenhuma lei essencial: então que queriam dele Pilatos?

Por outro lado, Pilatos sabia-se impopular entre os Judeus; não gostava, assim, de entrar em contato com eles.

A sua impopularidade datava de longe (Fouard, Vida de Jesus Cristo, t. 1, I. II, c. 1. – Josefo, Antiguidades judaicas, 1. XIII, c. IV). Desde a assunção do cargo, quisera ele, como todos os que estréiam arvorar-se em senhor absoluto: assim, prentedera instalar em Jerusalém uma guarnição com os seus estandartes. Favorecidas pela noite, as tropas haviam entrado. Grande alvoroto do dia seguinte: a cidade subleva-se, corre-se até Cesaréia, onde se achava o procurador, a pedir-lhe a retirada daquela soldadesca ofensiva. Recusa de Pilatos, teima dos Judeus, clamores excessivos durante cinco dias. Maçado, manda Pilatos carregar contra os recalcitrantes; deitam-se todos imediatamente no chão, declarando que lhes hão de passar por cima, mas eles não cederão uma polegada dos seus direitos. E Pilatos cede. Foi assim que ele estreara.

Desgostoso consigo mesmo e com os outros, daí a algum tempo ele ensaiava de novo a sua autoridade. Desta vez são escudos de ouro portadores do nome das divindades pagãs que ele suspende, em Jerusalém, aos muros do seu palácio vizinho do templo. Novas borrascas: o povo entra em fermentação, quer fazer tirar aquelas insígnias profanas. Há resistência; todo aquele barulho acaba por atravessar os mares, e logo, a uma ordem de Tibério, Pilatos é forçado a ceder ainda. Decididamente, faltava-lhe jeito, pois corria risco de não ser prestigiado junto aos altos poderes.

Como sucede aos espíritos fracos e, todavia bem intencionados, tenta ele então agradar.

Jerusalém carecia de água: quer-lha ele trazer por meio de um gigantesco aqueduto. Iam os trabalhos começar, quando um boato se propala entre o povo: - Vão empregar naquela construção os rendimentos do templo! Novamente os Judeus se amotinam, e lançam-se sobre os operários. Faz-se mister parar o trabalho, e Pilatos tem de ceder ainda.

Tudo isto faz-nos compreender a mentalidade e o caráter desse homem. Um primeiro movimento no sentido da autoridade ou da bondade; depois, ante o obstáculo, há primeiramente contumácia de parte a parte; a dificuldade cresce, a contumácia acarreta a violência, mas de repente a imagem de Tibério surge no horizonte qual espectro ameaçador. Se Tibério ainda tem de intervir, adeus do Procurador inábil que de longe dá esse cuidado de amo.

E Pilatos cederá.

Por isto mesmo, ele já tomou este partido. Desde aquelas três questões mal-afortunadas, como ele não quer mais conflitos com aquele povo fanático da sua lei e do seu Deus, retira-se pelo ano todo para Cesaréia, naquela bela planície de Saron, onde florescem as laranjeiras e onde se estendem as longas searas douradas. A residência era agradável; ela a tornava régia.

Quando muito, aparecia em Jerusalém pelas festas da Páscoa; mas conservava-se fechado na Antônia, onde era o seu Pretório, e cercava-se então de todo o aparato do poderio militar, como para mostrar estar pronto para a repressão. De fato, porém, a sua autoridade era suportada como a sua presença: não era aceita.

Ora, por uma secreta fatalidade, era justamente durante uma daquelas curtas permanências, na véspera daquela grande festa da Páscoa, que o embaraço tão cuidadosamente evitado e o conflito temido se lhe apresentavam sob a forma e a presença de Jesus. Compreende-se o mau humor do Procurador quando o vieram incomodar naquela manhã da véspera das Páscoas judias.

Esse mau humor cresce ainda de ponto quando lhe dizem que os Judeus não querem entrar: vedava-o a lei deles, pois se inquinariam com a presença de um pagão – fosse ele Procurador, - e não poderiam, portanto cumprir naquela mesma noite o seu rito pascal. (Fouard, Vida de Jesus Cristo, t. 1, p. 369). Esta exigência era, pelo menos, impertinente; forçosamente, deve ter duplicado o azedume de Pilatos. Mas ele cede ainda, cede sempre. De que servia a resistência? Ele se lembra daquele povo a se deitar por terra, lembra-se, sobretudo dos escudos retirados por ordem de Tibério... em suma, sai, adianta-se, e, quase em cólera:

- De que é que acusais este homem?

Os Judeus sentiram o azedume secreto; respondem insolentemente:

- Se não fosse um malfeitor, não o teríamos trazido.

- Custodiai-o então vós mesmos, retruca Pilatos: tendes uma lei... – e havia nesta palavra um amargor que lhe relembrava um passado inteiro, - tendes uma lei, julgai-o segundo a lei, julgai-o segundo a vossa lei. Isto equivalia a dizer: Deixai-me sossegado; nada de questões, sobejas já as tive convosco. Eis aí todo o primeiro Pilatos.

Ele existe ainda; temo-lo encontrado em nós e nos outros. Nós não queremos ser incomodados nem mesmo por Deus. Se Ele se torna um empeço para os nossos negócios, para a nossa carreira e para o nosso acesso, buscamos a evasiva e implicamos talvez no mal, conosco mesmo, aqueles que nos cercam ou que de nós dependem. É difícil amar a Deus acima de alguma coisa, mormente se essa alguma coisa tem ligação com o nosso coração ou com a honra mundana.

Sem embargo, cumpre a todo transe receber tal e qual aquele prisioneiro estorvante. Jesus lá está, no meio dos soldados, sentindo a humilhação. Pilatos manda-O entrar. Teve tempo de apanhar no ar três capítulos de acusação que Lhe bradam os sacerdotes. É um agitador, - recusa pagar o tributo a César, - diz-se Rei dos Judeus.

O Romano despreza as duas primeiras acusações. Bem sabe que não são fundadas. A província está calma, e todos os impostos lhe advêm. Retém então o terceiro agravo, e, bruscamente, meio zombeteiro, meio irritado pergunta:

- É verdade que és o Rei dos Judeus?

Havia tal contraste no objeto da pergunta, entre a realeza e o ente miserando que estava em pé diante do Romano onipotente, que facilmente se compreende a amarga ironia que devia apartar num sorriso de dó os lábios do Procurador.

Jesus quer saber se lhe fazem seriamente a pergunta, e interroga:

- Dizeis isto vós mesmo, ou vo-lo disseram outros de Mim?

- Então eu sou Judeu, eu, - (o mau humor reapodera-se de Pilatos) – para saber o que é verdadeiro ou falso sobre este ponto? Vejamos: entregaram-te nas minhas mãos, os teus patrícios; que foi que fizestes?

Jesus desdenha responder a esta pergunta, mas retoma o fio da primeira interrogação que Pilatos parece desprezar, e fala da Sua realeza, afirma-a; Ele também tem soldados, mas o Seu reino não é deste mundo. Acusava assim o Seu título, a realidade dos Seus direitos, e a realidade também de um outro mundo, onde estavam a Sua corte, o Seu exército, o Seu poder.

- Então és mesmo Rei? insiste Pilatos.

- Sim, responde Jesus. E justamente vim desse outro mundo à terra para fazer conhecer a verdade sobre todas as coisas, sobre as da Minha realeza como sobre as do Meu Reino.

- A verdade! Prossegue Pilatos, cético e cismador; que coisa é a verdade?...

E sai.

O interrogatório lhe basta: ele tem diante de si um utopista, um alucinado, um místico, tudo, menos um criminoso.

- Mas, diz ele aos sacerdotes que esperam amotinados à porta, mas não há matéria alguma para condenação neste homem.

Ele punha nesta simples frase um tom de sinceridade, e também uma secreta satisfação. Não se lhe dava, com efeito, depois das exigências dos Judeus que vinham incomodá-lo e lhe impunham aquelas marchas e contramarchas, não se lhe dava de lhes mostrar a inanidade das suas acusações.

No pensamento de Pilatos, o incidente está, pois, absolutamente encerrado: não há sequer matéria para processo, como iria ele então condenar? É uma improcedência pura e simples.

E Pilatos manda trazer Jesus para soltá-lO e recolher-se em seguida ele próprio, contente de se haver desvencilhado tão comodamente de uma aborrecida questão.
                                           
(A Subida do Calvário, pelo Pe. Luís Perroy.)