Capítulo IV
A
partir do nascimento
A
íntima solidariedade que une a mãe ao filho, longe de desaparecer quando este
vem ao mundo, perpetua-se ainda por muito tempo. Por isso é essencial que a
própria mãe se encarregue da educação do filho e só se resigne a confiá-lo a
outrem em casos de força maior.
Nunca
será demasiada a importância que se der às primeiras semanas. Desde o primeiro
dia, uma luta silenciosa de domínio começa entre a mãe e o filho. Se cederdes à
criança, tereis para sempre ao vosso lado um tiranozinho doméstico diante de
quem tudo se deverá curvar, e que a seguir sofrerá cruelmente de um desejo de
dominação insaciável, uma vez que não terá sempre junto de si a mãe dedicada e
dócil.
Sabei
que a educação positiva da criança começa no dia do seu nascimento. Este é um
axioma cuja evidência poucos pais admitem.
Habitualmente,
os pais “estragam” o garotinho, mimam- no e a ele se entregam sem pensar nas
consequências, convictos de que o momento da educação chegará quando o filho
começar a falar, o que o capacitará a compreender o que se lhe faz e diz. Mas,
esse momento pode ser muito tardio para reparar os graves erros anteriormente
cometidos.
Há
sempre, em torno das jovens mães, tias c conselheiras que, diante do menor
sinal de choro da criança, tocam alarma e opinam que ela tem fome, sente
eólicas, não se sabe mais o quê. Não vos deixeis impressionar pelos gritos do
bebê; se não está molhado, deixai-o gritar.
A criança
é um fino “registrador", levado instintivamente a se tornar um tirano. Se
percebe que a casa inteira corre ao mais leve choro ou ao menor grito, aprende que
possui um meio seguro de trazer os pais para junto de si. Bem cedo, estes serão
escravos de seus caprichos e de suas fantasias.
Por
outro lado, o bebê se firmará na ideia de que todo o mundo está a seu
serviço e à sua disposição. Mais tarde, ser-lhe-á penoso desprender-se do seu
egoísmo infantil.
No
começo, é bom que a mãe continue a educar o filho num clima de “nós”; “Vamos
ser bonzinhos hoje... não vamos chorar... vamos buscar a chupetinha...”
Essa educação inicial agirá a exemplo da impregnação pela criança da vida
interior da mãe, à espera de que a primeira tome posse, pouco a pouco, do seu
eu consciente.
A
educação — nunca é demais repetir — é a aprendizagem da liberdade, mas uma
aprendizagem progressiva.
Sede
firmes desde o início. O choro das crianças abala penosamente o coração das
mães e o sistema nervoso dos pais. Será talvez preciso “pisar” o vosso
coração sensível, mas é para o verdadeiro bem do vosso filho. Sê-lo-á também
para o vosso, porque, se cederdes, vos tornareis mais ou menos seu escravo, e
no dia em que, tendo-o compreendido, quiserdes deixar de sê-lo, correreis o
risco de serdes vencido ou de cortardes o mal com certa brutalidade, por
nervosismo, determinando verdadeiro choque afetivo na criança.
Não há
serviço mais precioso a prestar à criança do que fazê-la experimentar uma
realidade que se impõe. Há resistências que não cedem, que não suportam
exceções, do mesmo modo que um muro intransponível não pode deslocar-se de um
dia para outro.
Tende
um horário de mamadas. Segui-o estritamente, sem derrogação. Nisso, muitas mães
são escravas dos filhos, alimentando-os a qualquer hora e sem se preocupar com
as quantidades. Esses petizes não possuem ainda controle da razão ou da
vontade. Neles, são os instintos, e nada mais do que os instintos, que falam
mais alto. Mas, esses instintos criam hábitos de que poderão ser vítimas.
Se o
bebê chora, verificai se algum alfinete não o pica, mas, sobretudo, ficai
nisso, não o acalenteis, não o tomeis nos braços.
Sede,
nesse ponto, tão estrita à noite como durante o dia. Um bebê assim tratado tem
todas as probabilidades de se tornar uma criança fácil de educar.
Além
dos cuidados necessários, ninguém toque no petiz, não o tome nos braços, não o
acalente. Cuidado com as avós e tias! Não serão elas as vítimas das novas
exigências que assim terão criado.
A
criança será posta no berço, quer chore ou não, e ao fim de algum tempo,
consentirá nisso sem chorar, pois aprenderá que as suas cóleras não adiantam
nada.
Sobretudo,
não acrediteis que é preciso embalar uma criança. Só adianta embalar as que a
isso já se acostumaram; quanto às outras, a própria natureza agirá. O mesmo
relativamente ao sono no escuro. Não há necessidade de lamparina ou de porta
aberta.
Conheço
crianças que se apoderam das mães desde a mais tenra idade, e as interpelam
constantemente: “Mamãe, que devo fazer?” ou: “Mamão, conte-me uma história,
estou sem fazer nada!” Essas pobres crianças sofrerão duramente, em seguida,
uma agitação contínua e o vazio do tempo torna-se para elas um problema de
solução impossível. »
É tão
inútil acariciar a criança para acalmá-la como para lhe dar prazer. Não resta
dúvida de que a excitabilidade da pele se veja assim aumentada pelas carícias.
Uma exigência de carícias e de mimos pode subsistir durante a vida inteira.
É pelo
seu maternal e insubstituível sorriso, muito mais do que cedendo aos caprichos
do filho, que a mãe lhe dá sua noção de amor.
Exigir
raciocínios do petiz é uma coisa que deve reduzir-se ao mínimo, pois a criança
não se acha ainda na posse do seu pensamento lógico. Querer que ela raciocine
muito cedo é como se quisessem que ela caminhasse aos seis meses de idade:
corre-se o risco de torná-la enferma por toda a vida.
Regular
os automatismos da criança é um dos maiores serviços que podeis prestar-lhes,
pois significa livrá-la para o futuro de entraves, preocupações, incertezas e
inibições; facilitar-lhe o desenvolvimento moral e físico; ajudá-la a
conquistar a verdadeira liberdade. A ordem e a regularidade são, nessa idade,
quase tão indispensáveis quanto o amor.
Todo o
bebê é, antes de tudo, um psicólogo que julga o pai, a mãe, a “babá”, de acordo
com os seus valores. Apalpa-os, e não descansa enquanto não tiver determinado
os limites de seus poderes ou da liberdade que ele mesmo possui. Para esse fim,
usa de todas as pequenas armas, notadamente as lágrimas ou as cóleras. Se os
outros têm pena, temem convulsões, se depois de ralharem, ameaçarem, ou mesmo
castigarem; se acabarem por ceder, a fim de terem sossego, o garotinho
registrará todas essas deficiências e dai em diante baseará sobre elas a sua
conduta, com admirável conhecimento do coração humano.
Isto é
claro. É preciso que a criança, quando quiser ultrapassar os limites do razoável,
bata com a cabecinha teimosa numa parede impiedosa. Ao terceiro “galo”,
ela mesma escolherá ficar na gaiola. Quando crescer, ser-lhe-á explicado
porque certas coisas podem ser feitas e outras não. Tendo adotado desde
cedo — porque os pais foram bem avisados e fortes — o hábito de apenas fazer o que é permitido, a criança não terá, então, dificuldade alguma
em ser livremente sábia...
(Continua com a segunda parte)
(COURTOIS, Pe. G., A Arte de Educar as Crianças de Hoje,
5ª edição, Agir, 1964)
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