sábado, 11 de outubro de 2014

A partir do nascimento - Parte II (última)





(continuação da Parte I)
(Parte I  Aqui )

Parte II

Capítulo IV

A partir do nascimento


Depende de vós, mães, que aos seis meses o vosso que- ridinho saiba ler: o livro em que êle aprenderá a discernir o que é preciso e o que não deve ser feito, é o vosso rosto com as diversas expressões que registrar. Sabeis o que dêle quereis, e cada vez que a sua maneira de ser corresponde à vossa vontade — vosso olhar e vosso sorriso lhe dizem: “Está bem!” Quando êsse bom sorriso e êsse olhar de amor desaparecem, substituídos por uma expressão séria, a criança perceberá que há “algo mal feito”. Na vossa própria, lin­guagem, se bem que não compreenda ainda as palavras, há um sentido que ela aprende. Um tom de zanga e um tom de carícia não são a mesma coisa para ela; as inflexões de vossa voz reforçam singularmente o alcance do vosso sorriso ou da vossa sisudez.

Não trateis nunca a criança como um brinquedo ou uma boneca. Ao fim de alguns meses, ela participa de tal modo dos brinquedos oom os quais a distraímos, que somos tenta­dos a fazê-la brincar para que nós mesmos nos divirtamos. Nesse momento, o adulto se arrisca a ultrapassar a medida. Não esqueçamos que o sistema nervoso da criança é frágil e pode bem depressa fatigar-se. Por outro lado, usam-se os recursos dos jogos de fisionomia que são a primeira lingua­gem pela qual a criança compreende o adulto.

É um contra-senso constranger uma criança a repetir 20 vêzes bom-dia à mesma pessoa, sob o pretexto de instrui-la ou para divertir as galerias. As crianças gostam de se con­duzir como as pessoas grandes, mas detestam o papel de cães amestrados. Se não detestassem, seria mais perigoso ainda porque significaria que elas possuem alma de cabotino.

Evitai falar ao vosso filho em linguagem de “bebê” ou em linguagem de “neguinho”, por mais enternecedor que isso pareça. É um mau serviço que lhe prestamos imitar o seu modo de exprimir-se. O benefício que lhe damos para o futuro é ensinar-lhe o pronunciar de maneira correta a língua materna e corrigir-lhe as frases defeituosas.

Colecionai as palavras graciosas de vossos filhos, mas não as citeis jamais diante dêles. Ê o que existe de pior para retirar da criança a frescura, de sua espontaneidade e levá-la a considerar-se fenômeno interessante.

O papel do pai, nos primeiros anos de existência dos filhos, é, e certamente deve ser, mais apagado. Sem dúvida, êle pode mani­festar aos filhos a sua nascente ternura: o homem é, em geral, pouco afeito a manifestar longamente tais sentimentos.

Que por vêzes se ocupe dêle para que se habituem ao seu contato e para que se habitue ao dêle, é bom. Mas, que não procure usurpar prematuramente o papel da mãe, criando para si uma popularidade fácil. Não é, com efeito, o pai o elemento nôvo que as crianças vêem menos do que a mãe, e que pode, por isso mesmo, possuir atração particular? Que saiba, pois, apagar-se a cada instante, em face dos filhos, deixando que a mãe assuma a parte principal.

É, certamente, desejável que a forte autoridade que lhe é, even­tualmente, conferida pela fôrça física, o vigor de sua voz, possam às vêzes apoiar a autoridade da mãe quando esta por fadiga se vê mo­mentaneamente incapaz de ir sozinha até o fim de sua tarefa educativa. Mas que isto aconteça o menos possível, sobretudo diante dos que se encontram na primeira infância. A desproporção de fôrças cria o mêdo nas crianças. O mêdo é o inconsciente que se revela e é também a inibição das melhores faculdades. Não se educa (no sentido pleno) com o mêdo. Parece-nos infinitamente preferível que a autoridade paterna sc exerça indiretamente sob a forma de uma plena aprovação das decisões maternas, pois as crianças são mestras consumadas na arte de encontrar uma brecha na autoridade, de criar discordâncias, senão contradições. Isto não deve ocorrer. Se o homem não concordar com sua mulher em tal ou qual caso, em face dos filhos, que o diga a ela a sós, explicando-lhe as razões. Isto pode ser muito útil: o homem que vê mais as coisas externas, que cm geral também vê mais longe e mais amplamente, pode dar conselho útil à espôsa sob o ponto-de-vista da educação; um conselho, dizemos, e não a amarga crítica que de­sencoraja, ou a estéril zombaria.

Que o pai evite as manifestações tonitroantes em que muitos encontram aparente satisfação ao seu papel educativo; êle não deve ser máquina e fabricar grandes observações, punições exemplares, tôda essa aparelhagem dramática e nefasta à educação. Sua firme tran­qüilidade e a clareza de uma reprimenda valerão por vêzes muito mais do que uma atitude barulhenta de pai zangado. Que nunca faça mêdo aos filhos. A violência dos gestos, a altitude extrema da voz, os olhares faiscantes são quase sempre manifestações de um enervamento passa­geiro e sem importância; sem importância para êle, adulto, mas que produz nos petizes repercussões inesperadas e desastrosas. 

Compete a vós, mães, interessar vossos maridos na vida do pequenino. Longe de guardar com zêlo para vós mesmas vossas descobertas e vossas intuições, revelai-as aos vossos esposos, fazei com que êles se debrucem sôbre o despertar das faculdades dos filhos e todos os sinais de seu desenvol­vimento. Vossa confiança mútua se beneficiará com o vosso esforço.

Nada fará melhor aumentar a confiança de um marido em relação à sua mulher do que sentir-se por ela ajudado a penetrar na intimidade secreta do serzinho todo feito de enigmas, ao qual, juntos, deram a vida.




(COURTOIS, Pe. G., A Arte de Educar as Crianças de Hoje
5ª edição, Agir, 1964)

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