Reflexões sobre a morte de Jesus Cristo e a nossa
Santo Afonso Maria de
Ligório
A morte de Jesus é nossa vida.
Escreve S. João que nosso Redentor, antes de
expirar, inclinou a cabeça: “E tendo inclinado a cabeça, entregou seu espírito”
(Jo. 19,30). Inclinou a cabeça para significar que aceitava a morte, com plena
submissão, das mãos de seu Pai, a quem prestava humilde obediência.
“Humilhou-se a si mesmo, fazendo-se obediente até à morte, e morte de cruz”
(Fl. 2,8). Jesus, estando na cruz com os pés e as mãos nela cravados, não tinha
liberdade de mover outra parte do corpo além da cabeça. Diz S. Atanásio que a
morte não ousava tirar a vida ao autor da vida e por isso foi preciso que ele
mesmo, inclinando a cabeça (única parte que podia mover), chamasse a morte para
que viesse tirar-lhe a vida (Qu. 6 Antioc.). Referindo-se a isso, diz S.
Ambrósio que S. Mateus, falando da morte de Jesus, escreve: “Jesus, porém,
clamando outra vez com grande voz, entregou o espírito” (Mt. 27,50), para
significar que Jesus não morreu por necessidade ou por violência dos carrascos,
mas porque o quis espontaneamente, para salvar o homem da morte eterna a que
ele estava condenado.
Isso já tinha sido predito pelo profeta Oséias:
“Eu os livrarei das mãos da morte, eu os resgatarei da morte. Ó morte, eu serei
a tua morte; ó inferno, eu serei a tua mordedura” (Os. 13,14). Os santos padres
S. Jerônimo, S. Agostinho, S. Gregório e o próprio S. Paulo, como veremos
brevemente, aplicam este texto literalmente a Jesus Cristo, que com sua morte
nos livrou das mãos da morte, isto é, o inferno, onde se sofre uma morte
eterna. No texto hebraico, como notam os intérpretes, em vez da palavra morte,
está a palavra “sceol”, que significa inferno. Como se explica que Jesus Cristo
foi a morte da morte? “Serei tua morte, ó morte!” Porque nosso Salvador com sua
morte veio destruir a morte a nós devida pelo pecado. Por isso escreve o
Apóstolo: “Tragada foi a morte pela vitória. Onde está, ó morte, a tua vitória?
Onde está, ó morte, o teu aguilhão? O aguilhão da morte é o pecado” (1Cor.
15,54). O Cordeiro divino Jesus, com sua morte, destruiu o pecado, que era a
causa da nossa morte, e esta foi a vitória de Jesus, pois que ele, morrendo,
tirou do mundo o pecado e, conseqüentemente, nos livrou da morte eterna a que
estava sujeito até então todo o gênero humano. A isso corresponde aquele outro
texto do Apóstolo: “Para que pela morte destruísse aquele que tinha o império
da morte, isto é, o demônio” (Hb. 2,14). Jesus destruiu o demônio, isto é,
destruiu o poder do demônio, o qual em razão do pecado tinha o império da
morte, a saber, tinha o poder de dar a morte temporal e eterna a todos os
filhos de Adão, contaminados pelo pecado. E esta foi a vitória da cruz, na qual
morrendo Jesus, que é o autor da vida, com a sua morte recuperou-nos a vida.
Por isso canta a Igreja: “A vida suportou a morte e pela morte produziu a
vida”. Isso tudo foi obra do amor divino, que como sacerdote sacrificou ao
Eterno Pai a vida de seu Filho unigênito pela salvação dos homens. E assim
canta igualmente a Igreja: “O amor, qual sacerdote, imola os membros do corpo
sacrossanto”. S. Francisco de Sales exclamou: “Consideremos este divino
Salvador estendido sobre a cruz, como sobre seu altar de amor, onde vai morrer
por amor de nós. Ah, por que não nos lançamos também em espírito sobre a cruz,
para morrer com ele, que quis morrer por amor de nós?” Sim, meu doce Redentor,
eu abraço a vossa cruz e a ela abraçado quero viver e morrer, beijando sempre
com amor vossos pés chagados e transpassados por mim.
FONTE: São Pio V
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