De lectulo, super quem ascendisti, non descendes,
sed morte morieris — “Não te levantarás da cama em que jazes, mas
certamente morrerás” (4 Reg. 1, 4).
I. Imagina que estás junto de um doente a quem
restam poucas horas de vida. Pobre enfermo! Considera como está oprimido pelas
dores, pelos desfalecimentos, pela angústia do peito, pela falta de ar e pelo
suor frio; a cabeça está enfraquecida a tal ponto que pouco ouve, pouco entende
e quase não pode falar. A sua maior desgraça é que, próximo à morte, em vez de
pensar na alma e na preparação das contas para a eternidade, só pensa nos
médicos e nos remédios, para se livrar da doença e dos sofrimentos que aos
poucos o fazem morrer.
Se ao menos os parentes e amigos o avisassem do
estado perigoso em que se acha! Mas não, entre todos os parentes e amigos não
há um só que tenha coragem de lhe dar a notícia da morte e de avisá-lo que
receba os sacramentos. Todos se escusam de lhe falar nisso, para não o magoarem
(ainda bem se não cometem o excesso de o iludirem com mentiras). — No entanto,
ainda que se lhe não anuncie a aproximação da morte, vendo a família toda
agitada, as consultas dos médicos repetidas, e multiplicados os medicamentos
freqüentes e violentos, o pobre moribundo cai na confusão e diz consigo: Ai de
mim! Quem sabe se já não terá chegado o fim dos meus dias!
Ó meu Deus, como me sinto contente por ser
religioso! Desde já Vos agradeço que na morte me fareis ser assistido pelos
queridos confrades da minha Congregação, que terão por único interesse a minha
salvação e me hão de ajudar todos a bem morrer. — Tu, meu irmão, quando te
sentires doente, não esperes que o médico, os teus parentes te digam que te
confesses; fala tu mesmo nisso, visto que, para não te magoarem, os outros não
te avisarão, senão quando estiveres desenganado ou quase desenganado. Faze
desde já o propósito de chamar em primeiro lugar o teu confessor; antes ao
médico da alma que o do corpo. Lembra-te que se trata da alma, que se trata da
eternidade, e que, perdendo-a então, tê-la-ás perdido para sempre,
irremediavelmente.
II. Dispone domui tuae, quia morieris et non
vives — “Dispõe de tua casa, porque morrerás e não viverás”. Vendo
os parentes que o enfermo vai sempre piorando e já se aproxima da morte,
resolvem-se a dar-lhe ou fazer-lhe dar a notícia. — Senhor fulano, esperamos em
Deus, na Santíssima Virgem, que te livrarão desta doença... Mas deve-se morrer
um dia... A tua doença é grave; será bom que ponhas ordem nos negócios de tua
alma. Se tens algum escrúpulo... Enfim, é tempo de receberes os sacramentos, de
te unires a Deus e de te despedires do mundo.
Ah! Que sentirá o enfermo ao receber tal aviso?
Qual não será a sua pena, especialmente se trabalhou muito para ganhar
riquezas, dignidades, honras e prazeres? Se viveu com o coração apegado às
coisas da terra, se por amor destas ofendeu a Deus e agravou a sua consciência?
— Pois que, dirá consigo, já estou tão mal e próximo à morte?... Devo, pois,
dizer adeus ao mundo? Devo abandonar tudo? Esta casa, os meus campos, o meu
emprego, os meus parentes, amigos, sociedades, jogos e divertimentos?... Sim, é
preciso deixar tudo: já aí está o tabelião para escrever a tua última vontade: Deixo...
Deixo... Contigo não levarás senão a mortalha, que dentro em breve se
deverá consumir contigo próprio no sepulcro.
Ó Jesus, meu Redentor amabilíssimo, não quero
esperar até à aproximação da morte para me desprender do mundo à força, com
tamanho sentimento e tão grande perigo da salvação eterna; por vosso amor quero
desde já desapegar-me dele voluntariamente e desde já quero ajustar convosco as
contas da minha alma. Reconheço o mal que fiz pospondo a vossa amizade aos bens
tão vis e miseráveis pelos quais Vos desprezei. Arrependo-me de todo o coração
de Vos ter feito tão grande injúria. Ah! No resto de minha vida, não deixeis de
me assistir com a vossa luz e a vossa graça, a fim de conhecer e executar o que
devo fazer para Vos agradar. — Quando o demônio de novo me tentar para Vos
ofender, peço-Vos, ó meu Jesus, que me estendais a vossa mão e não me deixeis
cair no pecado e ficar privado do vosso amor. Amo-Vos, ó bondade infinita,
digna de amor infinito, e espero amar-Vos sempre no tempo e na eternidade. — Ó grande
Mãe de Deus, Maria, obtende-me a santa perseverança. (*II 31.)
----------
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos
os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima Segunda Semana depois de
Pentecostes até o fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p. 282- 285.)
Fonte: São Pio V
Nenhum comentário:
Postar um comentário