Propterea, expectat Dominus, ut
misereatur vestri
“Por isso o Senhor espera, para ter misericórdia de vós”
(Is. 30, 18).
I.
A paciência de que Deus usa para com os pecadores é tão grande, que uma alma
santa desejava que se construísse uma igreja e se lhe desse por título: Paciência
de Deus. Meu irmão, quando ofendias a Deus, podia fazer-te morrer; mas Deus esperava,
conservava-te a vida e acudia-te em todas as necessidades. Fingia não ver os
teus pecados, a fim de que viesses à resipiscência: Dissimulas peccata hominum
propter poenitentiam (1) — “Dissimulas os pecados dos homens, para que façam
penitência”.
Mas
como é isto, Senhor, exclama o profeta Habacuc: os vossos olhos são puros, não
podeis sofrer a vista de um só pecado, e tantos vedes e Vos calais? (2) Vedes o
impudico, o vingativo, o blasfemador, que dia a dia amontoam os pecados, e não
os punis? Porque usais de tamanha paciência? Propterea expectat Dominus, ut
misereatur vestri. Deus espera pelo pecador, para que se corrija, a fim de
assim lhe poder perdoar e salvá-lo.
Diz
Santo Tomás que todas as criaturas, o fogo, a terra, o ar, a água, por natural
instinto quiseram castigar o pecador e vingar as injúrias feitas ao seu
Criador. Deus, porém, pela sua misericórdia os impede. — Mas, Senhor, Vós
esperais pelos ímpios a ver se se convertem, e não vedes que esses ingratos se
servem da vossa misericórdia para mais Vos ofenderem? “Vós, ó Senhor”, diz
Isaías, “favorecestes este povo, e usastes para com ele de misericórdia;
porventura fostes glorificado?” (3) Para que então tamanha paciência? Porque
Deus não quer a morte do pecador, mas, sim, que se converta e se salve: Nolo
mortem impii, sed ut convertatur et vivat (4). Ó paciência infinita de Deus!
II.
Santo Agostinho chega a dizer que Deus, se não fosse Deus, pareceria injusto
pela demasiada paciência para com os pecadores. Sim, porque esperar assim por
quem abusa desta paciência até tornar-se insolente, parece que é faltar à honra
que Deus a si próprio se deve. “Nós pecamos”, prossegue o Santo, “ficamos fixos
no pecado” — Alguns há que se familiarizam com o pecado, vivem em paz com ele e
dormem no pecado meses e anos. “Nós nos alegramos pelo pecado” — Outro há que
até chegam a gabar-se dos seus crimes. “E Vós permaneceis quieto. Nós
provocamos a vossa indignação, e Vós nos provocais a que peçamos misericórdia.”
Numa palavra, parece que teimosamente lutamos com Deus; nós provocando os seus
castigos, Deus oferecendo-nos o perdão. Mas há de ser sempre assim? A paciência
irritada afinal torna-se furor.
Ah!
Meu Senhor, reconheço que deveria agora estar no inferno: Infernus domus mea
est (5) — “O inferno é a minha morada”. Graças, porém, à vossa misericórdia,
eis-me, não no inferno, mas neste lugar a vossos pés, e ouço que me dais a
suave ordem que quereis ser amado por mim: Diliges Dominum Deum tuum (6) — “Amarás
ao Senhor teu Deus”. Dizeis que me quereis perdoar, se detestar as ofensas que
Vos fiz. Sim, meu Deus, pois que ainda quereis ser amado por mim, miserável
rebelde de vossa majestade, de todo o coração Vos amo. Estou arrependido de Vos
ter ultrajado, e isso mais me aflige que todos os males que pudera ter
merecido. Iluminai-me, ó Bondade infinita, fazei-me conhecer o mal que Vos fiz.
Não,
não quero outra vez resistir à vossos chamamentos. Não quero mais desagradar a
um Deus que tanto me amou e tantas vezes me perdoou com tamanho amor. Nunca Vos
tivesse ofendido, ó meu Jesus! Perdoai-me e fazei que no futuro só Vos ame; que
só viva para quem morreu por mim; que sofra por vosso amor, já que pelo meu
tanto sofrestes. Vós me haveis amado em toda a eternidade: fazei que durante
toda a eternidade arda no vosso amor. Pelos vossos merecimentos espero tudo,
meu Salvador. — Em vós também, ó Maria, confio; com a vossa intercessão haveis
de salvar-me. (*II 72.)
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1. Sap. 11, 24.
2.
Hab. 1, 13.
3.
Is. 26, 15.
4.
Ez. 33, 11.
5.
Iob. 17, 13.
6.
Matth. 22, 37.
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações:
Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento
até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 232 - 234.)
FONTE: São Pio V
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