Breve
Biografia de S. Tomás de Aquino
S.
Tomás de Aquino era nobre e primo do imperador. O conde de Somacla, tenente
general do avô de Frederico II, o imperador Frederico I Barbarroxa (1125-1190, imperador
desde 1155), casou com a irmã do seu imperador, Francisca da Suábia. O seu
filho, o conde Landolfo de Aquino casou com D. Teodora de Theate, do ramo Rossi
da família dos Caraccioli, descendente dos normandos conquistadores da Sicília.
Estes dois eram os pais de Tomás.
Não se
sabe bem quando nem onde o futuro santo nasceu, mas os especialistas
inclinam-se para o fim de 1224 ou 1225, no castelo de Roccasecca a norte de
Nápoles, a principal casa da família. Na sua mais tenra infância verificaram-se
alguns prodígios, que alguns consideram lendários, mas que constam nas suas
biografias mais antigas. O seu nascimento e história teriam mesmo sido
profetizado à sua mãe grávida, em sonhos, por um eremita santo da região
chamado Bonus.
Quatro
rapazes (havendo também cinco irmãs) foi destinado pela família, como então era
costume, à vida monástica. Assim, aos cinco anos o jovem Tomás foi levado ao
mosteiro de Montecassino, o mais famoso de Itália, aquele que S. Bento, o pai da
ordem beneditina, tinha fundado em 529 e onde fora sepultado. Tomás foi aí
admitido em 1230, quando era abade o seu tio Landolfo Sinibaldi. Naturalmente,
esperava-se que o jovem
nobre viesse a substituir um dia o seu ilustre parente, e assim aquele
importante beneficio eclesiástico continuaria na família. Ser abade de um
mosteiro daquela importância naquele tempo equivalia à condição de grande
fidalgo, pelo que o filho mais
novo não deslustraria a linhagem.
Entretanto,
o jovem estava cada vez mais afastado desses sonhos mundanos. Meditava muito e
ficou notado por, inesperadamente, perguntar aos seus superiores: “Que é Deus?”.
Deus
era crescentemente o centro dominante da sua vida. Como confessaria num dos
seus livros mais importantes, a Suma contra
Gentiles, adotou então como o lema da sua vida a divisa de S. Hilário de
Poitiers (300-368): «Devo a principal ocupação
da minha vida a Deus, para que todas as minhas palavras e todos os pensamentos
falem d’Ele» (cf. S. Hilário De Trinitate i. 37).
Apesar
do seu habitual silêncio, Tomás manifestava grande inteligência, de tal forma
que o abade recomendou ao pai que o enviasse para a universidade. Além disso, a
insegurança que se vivia no mosteiro sugeria a mesma viagem. O “sacro imperador”
andava em guerra contra as forças partidárias do papa, uma coisa que, como
disse, era
normal
na altura e mostra bem a complexidade e ambiguidade da sociedade medieval. A
família de Aquino era partidária do pontífice, embora alguns dos filhos
servissem o primo imperador antes da refrega. Infelizmente, quer o castelo de
Roccasecca, quer o mosteiro, estavam perto das fronteiras em disputa. Isso haveria,
aliás de causar mais tarde a destruição e saque de ambos e a execução de um dos
irmãos de S. Tomás, Renaud, às mãos do imperador. De momento, a turbulência
recomendava que o jovem oblato (noviço de monge) fosse retirado ao seu mosteiro.
Deste
modo em 1239, com 14 ou 15 anos, Tomás foi para a universidade de Nápoles,
fundada pelo primo imperador 15 anos antes. Aí começou os seus estudos. Também
se conta dele, na universidade, o mesmo milagre de S. Isabel de Portugal: uma vez, quando
dava esmola aos presos, foi apanhado pelo pai que lhe perguntou o que levava
ali. Mas ao abrir o saco tinha lá flores em vez de dinheiro.
Muito
mais importante que os estudos, foi aí que o jovem conheceu o movimento
revolucionário dos mendicantes e decidiu juntar-se-lhe. O imperador expulsara
todos os frades das suas terras, mas permitira a dois permanecerem, para
servirem a igreja da sua capital. Foi através de um deles, frei João de S. Giuliano,
que o descendente da nobre casa de Aquino conheceu o grande ideal da nova ordem
do Dominicanos.
Em Abril
de 1244 tomou hábito, das mãos do outro dominicano frei Tomás de Lentini. O
fidalgo noviço partiu imediatamente para Paris, junto com o Mestre geral da
Ordem, frei João de Wildeshausen, chamado “o Teutónico”, o terceiro sucessor de
S. Domingos no cargo (de 1241 a 1252). Havia boas razões para essa viagem
intempestiva. O escândalo da família perante a decisão do filho foi grande e compreensível.
Uma coisa era ser monge e talvez abade beneditino; outra muito diferente era
ser pedinte. A indignação da mãe foi tal que, além de apelar ao papa e ao
imperador, mandou dois dos irmãos raptar o jovem, quando o noviço dominicano
viajava a pé com vários dos confrades. Este é o célebre rapto, que tem vários
episódios curiosos. Tomás foi mantido preso no castelo familiar durante mais de
um ano. Fizeram-lhe as propostas mais mirabolantes para o convencerem a
desistir, como a de manter o hábito dominicano sendo
abade beneditino de Montecassino e até arcebispo. A mãe e os irmãos (o pai já
devia ter morrido) não só não o conseguiram demover dos seus intentos mas, pelo
contrário, ele é que levou a sua irmã Marotta a entrar para religiosa. Por
isso, e como a sua Ordem já apelara ao papa Inocêncio IV (papa de 1243 a 1254)
para recuperar o noviço, Tomás acabou por ser liberto no Outono de 1245 e
entregue aos confrades. Pôde então finalmente dirigir-se a Paris para estudar.
Paris
era nesta altura a melhor e mais viva universidade do mundo. Lá ensinava o
grande frade Alberto, também dominicano. Alberto Magno, que provinha da família
dos condes de Bollstädt, era um professor tão famoso que tinha de dar aulas praça
parisiense ainda hoje se chama “praça Maubert”, uma corrupção de “Magni Alberti”.
Foi a esse centro do saber que chegou o silencioso jovem italiano, que por ser
muito grande era conhecido entre os colegas como “boi mudo”. Depois de algumas
peripécias engraçadas , acabou por ser notado pelo Mestre, que o passou a
encarregar de trabalhos cada vez mais exigentes.
O gênio
do jovem estudante era tal que, quando em 1248 Mestre Alberto foi encarregado
de ir fundar estudos universitários em Colônia, embrião da futura universidade
que nasceria em 1388, levou consigo o seu estudante italiano. Em Colônia este continuou
os seus trabalhos, ajudando já o seu professor a ensinar a Bíblia e as
Sentenças de Pedro Lombardo. A vida de Tomás era muito simples, ocupada apenas
pelas tarefas de frade e de universitário. Quando ao seu aspecto, sabemos que
era muito
gordo e muito grande, louro e um pouco careca. Mais importante do que
isso, ele era sempre alegre e simpático. Os colegas “achavam que o Espírito
Santo estava verdadeiramente com ele, porque ele tinha sempre com cara alegre,
doce e afável” e “inspirava alegria em todos os que o viam”.
Um
momento decisivo da sua vida deu-se em 1250, quando aos 25 anos foi ordenado
sacerdote. Aquilo que ele haveria de escrever sobre a sublimidade da Eucaristia
foi desde então vivido na primeira pessoa, quando começou a celebrá-la todos os
dias.
As
histórias falam todas da profunda contemplação e fervor com que celebrava, com
muitas lágrimas, longos momentos de abstração e até, levitação no ar. Dizia-se
que ele chorava frequentemente durante a celebração da missa como se estivesse
no Calvário. Temos muitas orações que ele compôs precisamente para rezar no
momento da elevação do Santíssimo Sacramento. Como Adoro te e devote.
Em
1252 regressou a Paris como “bacharel sententiário”, preparando o seu
doutoramento, que seriam os monumentais “Comentários às Sentenças de Pedro
Lombardo”. Deve dizer-se que nessa altura a vida intelectual em Paris estava
muito turbulenta.
Dois problemas principais agitavam a cidade universitária. O primeiro era o
ensino das obras de Aristóteles, ainda vistas com desconfianças pelos
professores mais retrógrados.
O segundo era o embate entre mendicantes e os outros mestres, sacerdotes
seculares, na divisão do limitado número de cátedras.
Os
franciscanos e dominicanos tinham chegado há poucas décadas mas eram cada vez
mais procurados pelos alunos, enquanto os velhos professores não os queriam
promover. A má vontade, aliás, tinha
razões antigas, pois em 1229 os professores de Paris, no sentido forçar a
melhoria das suas condições, tinham feito greve e partido para outras cidades.
Mas os mendicantes, habituados à pobreza, não concordaram e continuaram as suas
aulas. A greve, apesar de pretender ser de seis anos, só durou até 1231 e a
fúria dos colegas foi grande contra os “fura-greves”.
Tomás, apesar
da sua mansidão, foi cair mesmo no meio destes terríveis embates. Primeiro,
como discípulo de Mestre Alberto, estava decididamente do lado da liberdade de
ensino da Filosofia de Aristóteles. Em Fevereiro de 1256 o chanceler da universidade
Aymeric de Veire deu ao jovem a sua licentia
docendi, a permissão para ensinar, ordenando-lhe que se preparasse para
proferir a sua lição inaugural, que o consagraria como mestre.
Isto exigia uma dispensa especial, porque o jovem ainda não atingira os 35 anos
que os estatutos exigiam. Tal motivara já importantes movimentações, pois o gênio
do jovem dominicano era um trunfo importante na luta acadêmica entre mendicantes
e seculares. De fato, quando do regresso de Tomás a Paris, Alberto pedira a
intervenção do cardeal Hugo de Saint-Cher (1200-1263), antigo e reputado
professor dominicano e legado do papa para a Alemanha, para conseguir que o doutoramento
de Tomás fosse acelerado. Agora era o próprio papa Alexandre IV (papa de 1254 a
1261), recentemente eleito, que intervinha na questão, aplaudindo numa carta
pontifical a decisão do
chanceler de doutorar Tomás. Tudo isto mostra como os debates universitários
eram duros e influentes.
As lutas complicavam-se
enormemente pelo fato de os alunos tomarem partido violento, o que tornava os
debates acadêmicos em verdadeiras batalhas campais. Foi precisamente nesse
Inverno de 1255-56 que as coisas atingiram o auge, com vários mendicantes
agredidos por estudantes nas ruas de Paris. A violência quase impediu o jovem
dominicano de dar a sua lição inaugural. Inclusivamente, foi necessário que o
rei Luís IX, S. Luís de França (1215-1270, rei desde 1226), ordenasse a um
grupo de arqueiros que guardassem as instalações para que as provas fossem
prestadas, enquanto muitos manifestantes proibiam a audiência externa de
assistir. Paradoxal situação para o pachorrento erudito!
Apesar da sua
lição inaugural na Primavera de 1256 e de continuar como habitualmente as suas
aulas, a oposição acadêmica manteve-se e só mais de um ano depois, a 15 de Agosto de
1257, é que Tomás de Aquino, juntamente com o colega franciscano S. Boaventura
(1221-1274), foram relutantemente admitidos no colégio dos mestres de Paris.
Apesar da
turbulência, o sucesso do novo mestre não se fez esperar. As suas aulas estavam
cheias de alunos, ansiosos por aprender com a novidade do seu ensino e a
clareza da sua exposição. A partir de então a sua vida seria um longo e intenso
trabalho de estudo, meditação, ensino e escrita, até ao esgotamento final.
Esteve em Paris a ensinar até 1259, data em que partiu para Itália. Aqui os
historiadores perdem-lhe o rasto por uns meses, mas sabem que em 1261 foi
convidado para ensinar no convento dominicano de Orvieto, onde na época se encontrava
o papa e a corte pontifícia. Depois, em 1265, foi encarregado de fundar em Roma
uma escola dominicana de Teologia, o que o ocupou até 1268, data em que
regressou a Paris.
A segunda
regência em Paris durou até 1272, quando foi encarregado de novo de fundar de
fundar uma escola de Teologia da sua Ordem. Desta vez, o capítulo da província dominicana de
Roma dava-lhe total liberdade de escolha, e ele selecionou a Nápoles, onde
começara os estudos.
Além de
ensinar, escrevia. O número de livros produzidos por Mestre Tomás é prodigioso.
A lista habitual conta com 90 obras,
desde os grossos trabalhos com vários volumes aos pequenos opúsculos. Este
montante leva a muitas comparações surpreendentes.
No período mais produtivo, os anos de 1271-72, ele escreveu por dia uma média
equivalente a 12,5 páginas das nossas (A4) a um espaço (350 palavras por
página). O trabalho era feito com a ajuda de secretários, dos quais o principal
era o seu «sócio» e
confessor, frei Reginaldo ou Reinaldo de Piperno (1230-1290). Ele era uma das
poucas pessoas que conseguia ler a letra do Mestre, que era considerada
ilegível, como dizem vários testemunhos do tempo, e como podemos testemunhar
hoje nos manuscritos dele que sobreviveram. S. Tomás tinha a capacidade notável
de ditar simultaneamente obras diferentes a três ou até quatro secretários.
Passando todo
o dia a rezar, ensinar, a escrever e a ditar, tinha de ter tempo para pensar,
meditar e conceber as suas obras. Roubava esse tempo ao sono. Temos muitas
histórias que dizem que ficava de luz acesa até altas horas da noite, refletindo
nas questões e pedindo a Deus, com muitas lágrimas, iluminação para resolver
algum problema mais difícil. Sabemos também que a resposta por vezes vinha em
visões, como quando Reginaldo o surpreendeu conversando com S. Pedro e S.
Paulo, que lhe explicavam o sentido das profecias de Isaías.
Mas não fiquem
com a ideia de que S. Tomás era uma pessoa abstrusa, aérea ou solitária. Quando
era preciso, ele era capaz de ser pragmático, diligente e organizado. Temos
mesmo informações de tarefas administrativas e diplomáticas complicadas,
referentes à sua família, que ele desempenhou com eficácia e competência. S.
Tomás não era, pois, o professor teórico, etéreo e misógino que tantos querem
fazer dele, mas um homem amável, atento e afável, que tomava conta dos seus
como qualquer outra pessoa. Mas isso só aumentava ainda mais a carga de
trabalho sobre os seus ombros. O rei de França, S. Luís, o Mestre Geral da sua Ordem,
o prior do seu convento e muita outra gente queria o seu conselho sobre
questões práticas.
Este esforço
contínuo e intenso tinha de ter os seus efeitos. Foi o que aconteceu num dia de
Outubro de 1273. “Quando celebrava missa na capela de S. Nicolau, Tomás sofreu
uma transformação espantosa. Depois dessa missa não escreveu mais nem nunca
mais ditou o que quer que fosse e até deixou o seu material de escrita. Estava
nessa altura na terceira parte da Suma, no tratado da Penitência. A Reginaldo
estupefato, que não compreendia porque razão ele abandonava a sua obra, o
Mestre
respondeu simplesmente “Não posso mais”.
Voltando à questão um pouco mais tarde, Reginaldo recebe a mesma resposta “Não posso mais. Em comparação com o que vi,
tudo o que escrevi me parece palha”.
Claramente,
além de uma visão sobrenatural, havia também um profundo esgotamento cerebral,
fruto de anos seguidos de trabalho intenso e contínuo. Se antes era cheio de
energia, agora caiu na cama e foi descansar para o castelo de S. Severino, a
sul de Nápoles, pertença de sua irmã Theodora, condessa de Marsico. No fim do
ano o Mestre regressou a Nápoles, onde recebeu ordem do papa Gregório X para se
deslocar ao decisivo segundo concílio de Lião, que trataria das relações com as
igrejas orientais. Frei Tomás, apesar do seu estado, obedeceu prontamente e
pôs-se a caminho.
Pouco depois
da partida, perto de Teano, sofreu um acidente. Distraído como sempre e
absorvido em meditação, não viu um tronco no meio da estrada, caiu e bateu
fortemente com a cabeça. Apesar de atordoado, assegurou que estava bem e continuou.
Poucos dias depois chegaram ao castelo de Maenza, aí que caiu doente. Ainda
recuperou e voltou ao caminho, mas teve de parar logo a seguir na abadia de
mosteiro cisterciense de S. Maria de Fossanova, na Campania, onde morreu a 7 de
Março de 1274, quarta-feira da terceira semana da Quaresma. O seu confessor
disse depois que a confissão geral que fez, pouco antes da morte, era a de uma
criança de cinco anos.
A fama do
professor fez convergir para essa abadia muita gente. Logo após a morte começam
a correr histórias de muitos milagres que o seu corpo realizava. Começou também
uma forte luta pela posse do seu corpo. Os monges queriam guardá-lo; os dominicanos
pretendiam recuperá-lo e até a universidade de Paris o reclamou. Como era o
tempo da devoção das relíquias, o cadáver foi algo maltratado na busca de
recordações. A luta não foi pacífica e à volta dos restos mortais do sereno
frade juntaram-se exércitos. Foi precisa a intervenção da autoridade papal para
que as relíquias fossem levadas em 1369 para Toulouse, no sul de França, centro
da ordem dominicana, onde foram colocadas a 28 de Janeiro na Igreja dos
Jacobinos onde, após algumas peripécias, podem ainda hoje ser veneradas.
Começou então
também o culto de Tomás como santo. Além do local da morte e da sua Ordem,
também em Paris e noutras universidades, como Oxford, a sua memória era
venerada. O seu processo de canonização começou em 1317, e a 18 de Julho de 1323
foi canonizado por João XXII.
A 15 de Abril
de 1567 foi declarado Doutor da Igreja
por S. Pio V (1504-1572, papa desde 1566). S. Tomás foi o quinto santo de toda
a História a receber este título, o primeiro após os quatro grandes “doutores
do Ocidente”, S Ambrósio (340-397), S. Jerónimo
(348-420), S. Agostinho (354-430) e S. Gregório Magno (540-604).
Glorioso Santo Tomás de Aquino, rogai por
nós.
( Livro Episódios da Vida de Santo Tomás de Aquino)
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