sexta-feira, 7 de março de 2014

7 de Março - Glorioso Santo Tomás de Aquino.



Breve Biografia de S. Tomás de Aquino

S. Tomás de Aquino era nobre e primo do imperador. O conde de Somacla, tenente general do avô de Frederico II, o imperador Frederico I Barbarroxa (1125-1190, imperador desde 1155), casou com a irmã do seu imperador, Francisca da Suábia. O seu filho, o conde Landolfo de Aquino casou com D. Teodora de Theate, do ramo Rossi da família dos Caraccioli, descendente dos normandos conquistadores da Sicília. Estes dois eram os pais de Tomás.
Não se sabe bem quando nem onde o futuro santo nasceu, mas os especialistas inclinam-se para o fim de 1224 ou 1225, no castelo de Roccasecca a norte de Nápoles, a principal casa da família. Na sua mais tenra infância verificaram-se alguns prodígios, que alguns consideram lendários, mas que constam nas suas biografias mais antigas. O seu nascimento e história teriam mesmo sido profetizado à sua mãe grávida, em sonhos, por um eremita santo da região chamado Bonus.
Quatro rapazes (havendo também cinco irmãs) foi destinado pela família, como então era costume, à vida monástica. Assim, aos cinco anos o jovem Tomás foi levado ao mosteiro de Montecassino, o mais famoso de Itália, aquele que S. Bento, o pai da ordem beneditina, tinha fundado em 529 e onde fora sepultado. Tomás foi aí admitido em 1230, quando era abade o seu tio Landolfo Sinibaldi. Naturalmente, esperava-se que o jovem nobre viesse a substituir um dia o seu ilustre parente, e assim aquele importante beneficio eclesiástico continuaria na família. Ser abade de um mosteiro daquela importância naquele tempo equivalia à condição de grande fidalgo, pelo que o filho mais novo não deslustraria a linhagem.
Entretanto, o jovem estava cada vez mais afastado desses sonhos mundanos. Meditava muito e ficou notado por, inesperadamente, perguntar aos seus superiores: “Que é Deus?”.
Deus era crescentemente o centro dominante da sua vida. Como confessaria num dos seus livros mais importantes, a Suma contra Gentiles, adotou então como o lema da sua vida a divisa de S. Hilário de Poitiers (300-368): «Devo a principal ocupação da minha vida a Deus, para que todas as minhas palavras e todos os pensamentos falem d’Ele» (cf. S. Hilário De Trinitate i. 37).
Apesar do seu habitual silêncio, Tomás manifestava grande inteligência, de tal forma que o abade recomendou ao pai que o enviasse para a universidade. Além disso, a insegurança que se vivia no mosteiro sugeria a mesma viagem. O “sacro imperador” andava em guerra contra as forças partidárias do papa, uma coisa que, como disse, era
normal na altura e mostra bem a complexidade e ambiguidade da sociedade medieval. A família de Aquino era partidária do pontífice, embora alguns dos filhos servissem o primo imperador antes da refrega. Infelizmente, quer o castelo de Roccasecca, quer o mosteiro, estavam perto das fronteiras em disputa. Isso haveria, aliás de causar mais tarde a destruição e saque de ambos e a execução de um dos irmãos de S. Tomás, Renaud, às mãos do imperador. De momento, a turbulência recomendava que o jovem oblato (noviço de monge) fosse retirado ao seu mosteiro.
Deste modo em 1239, com 14 ou 15 anos, Tomás foi para a universidade de Nápoles, fundada pelo primo imperador 15 anos antes. Aí começou os seus estudos. Também se conta dele, na universidade, o mesmo milagre de S. Isabel de Portugal: uma vez, quando dava esmola aos presos, foi apanhado pelo pai que lhe perguntou o que levava ali. Mas ao abrir o saco tinha lá flores em vez de dinheiro.
Muito mais importante que os estudos, foi aí que o jovem conheceu o movimento revolucionário dos mendicantes e decidiu juntar-se-lhe. O imperador expulsara todos os frades das suas terras, mas permitira a dois permanecerem, para servirem a igreja da sua capital. Foi através de um deles, frei João de S. Giuliano, que o descendente da nobre casa de Aquino conheceu o grande ideal da nova ordem do Dominicanos.
Em Abril de 1244 tomou hábito, das mãos do outro dominicano frei Tomás de Lentini. O fidalgo noviço partiu imediatamente para Paris, junto com o Mestre geral da Ordem, frei João de Wildeshausen, chamado “o Teutónico”, o terceiro sucessor de S. Domingos no cargo (de 1241 a 1252). Havia boas razões para essa viagem intempestiva. O escândalo da família perante a decisão do filho foi grande e compreensível. Uma coisa era ser monge e talvez abade beneditino; outra muito diferente era ser pedinte. A indignação da mãe foi tal que, além de apelar ao papa e ao imperador, mandou dois dos irmãos raptar o jovem, quando o noviço dominicano viajava a pé com vários dos confrades. Este é o célebre rapto, que tem vários episódios curiosos. Tomás foi mantido preso no castelo familiar durante mais de um ano. Fizeram-lhe as propostas mais mirabolantes para o convencerem a desistir, como a de manter o hábito dominicano sendo abade beneditino de Montecassino e até arcebispo. A mãe e os irmãos (o pai já devia ter morrido) não só não o conseguiram demover dos seus intentos mas, pelo contrário, ele é que levou a sua irmã Marotta a entrar para religiosa. Por isso, e como a sua Ordem já apelara ao papa Inocêncio IV (papa de 1243 a 1254) para recuperar o noviço, Tomás acabou por ser liberto no Outono de 1245 e entregue aos confrades. Pôde então finalmente dirigir-se a Paris para estudar.
Paris era nesta altura a melhor e mais viva universidade do mundo. Lá ensinava o grande frade Alberto, também dominicano. Alberto Magno, que provinha da família dos condes de Bollstädt, era um professor tão famoso que tinha de dar aulas praça parisiense ainda hoje se chama “praça Maubert”, uma corrupção de “Magni Alberti”. Foi a esse centro do saber que chegou o silencioso jovem italiano, que por ser muito grande era conhecido entre os colegas como “boi mudo”. Depois de algumas peripécias engraçadas , acabou por ser notado pelo Mestre, que o passou a encarregar de trabalhos cada vez mais exigentes.
O gênio do jovem estudante era tal que, quando em 1248 Mestre Alberto foi encarregado de ir fundar estudos universitários em Colônia, embrião da futura universidade que nasceria em 1388, levou consigo o seu estudante italiano. Em Colônia este continuou os seus trabalhos, ajudando já o seu professor a ensinar a Bíblia e as Sentenças de Pedro Lombardo. A vida de Tomás era muito simples, ocupada apenas pelas tarefas de frade e de universitário. Quando ao seu aspecto, sabemos que era muito gordo e muito grande, louro e um pouco careca. Mais importante do que isso, ele era sempre alegre e simpático. Os colegas “achavam que o Espírito Santo estava verdadeiramente com ele, porque ele tinha sempre com cara alegre, doce e afável” e “inspirava alegria em todos os que o viam”.
Um momento decisivo da sua vida deu-se em 1250, quando aos 25 anos foi ordenado sacerdote. Aquilo que ele haveria de escrever sobre a sublimidade da Eucaristia foi desde então vivido na primeira pessoa, quando começou a celebrá-la todos os dias.
As histórias falam todas da profunda contemplação e fervor com que celebrava, com muitas lágrimas, longos momentos de abstração e até, levitação no ar. Dizia-se que ele chorava frequentemente durante a celebração da missa como se estivesse no Calvário. Temos muitas orações que ele compôs precisamente para rezar no momento da elevação do Santíssimo Sacramento. Como Adoro te e devote.

Em 1252 regressou a Paris como “bacharel sententiário”, preparando o seu doutoramento, que seriam os monumentais “Comentários às Sentenças de Pedro Lombardo”. Deve dizer-se que nessa altura a vida intelectual em Paris estava muito turbulenta. Dois problemas principais agitavam a cidade universitária. O primeiro era o ensino das obras de Aristóteles, ainda vistas com desconfianças pelos professores mais retrógrados. O segundo era o embate entre mendicantes e os outros mestres, sacerdotes seculares, na divisão do limitado número de cátedras.
Os franciscanos e dominicanos tinham chegado há poucas décadas mas eram cada vez mais procurados pelos alunos, enquanto os velhos professores não os queriam promover. A má  vontade, aliás, tinha razões antigas, pois em 1229 os professores de Paris, no sentido forçar a melhoria das suas condições, tinham feito greve e partido para outras cidades. Mas os mendicantes, habituados à pobreza, não concordaram e continuaram as suas aulas. A greve, apesar de pretender ser de seis anos, só durou até 1231 e a fúria dos colegas foi grande contra os “fura-greves”.
Tomás, apesar da sua mansidão, foi cair mesmo no meio destes terríveis embates. Primeiro, como discípulo de Mestre Alberto, estava decididamente do lado da liberdade de ensino da Filosofia de Aristóteles. Em Fevereiro de 1256 o chanceler da universidade Aymeric de Veire deu ao jovem a sua licentia docendi, a permissão para ensinar, ordenando-lhe que se preparasse para proferir a sua lição inaugural, que o consagraria como mestre. Isto exigia uma dispensa especial, porque o jovem ainda não atingira os 35 anos que os estatutos exigiam. Tal motivara já importantes movimentações, pois o gênio do jovem dominicano era um trunfo importante na luta acadêmica entre mendicantes e seculares. De fato, quando do regresso de Tomás a Paris, Alberto pedira a intervenção do cardeal Hugo de Saint-Cher (1200-1263), antigo e reputado professor dominicano e legado do papa para a Alemanha, para conseguir que o doutoramento de Tomás fosse acelerado. Agora era o próprio papa Alexandre IV (papa de 1254 a 1261), recentemente eleito, que intervinha na questão, aplaudindo numa carta pontifical a decisão do chanceler de doutorar Tomás. Tudo isto mostra como os debates universitários eram duros e influentes.
As lutas complicavam-se enormemente pelo fato de os alunos tomarem partido violento, o que tornava os debates acadêmicos em verdadeiras batalhas campais. Foi precisamente nesse Inverno de 1255-56 que as coisas atingiram o auge, com vários mendicantes agredidos por estudantes nas ruas de Paris. A violência quase impediu o jovem dominicano de dar a sua lição inaugural. Inclusivamente, foi necessário que o rei Luís IX, S. Luís de França (1215-1270, rei desde 1226), ordenasse a um grupo de arqueiros que guardassem as instalações para que as provas fossem prestadas, enquanto muitos manifestantes proibiam a audiência externa de assistir. Paradoxal situação para o pachorrento erudito!
Apesar da sua lição inaugural na Primavera de 1256 e de continuar como habitualmente as suas aulas, a oposição acadêmica manteve-se e só mais de um ano depois, a 15 de Agosto de 1257, é que Tomás de Aquino, juntamente com o colega franciscano S. Boaventura (1221-1274), foram relutantemente admitidos no colégio dos mestres de Paris.
Apesar da turbulência, o sucesso do novo mestre não se fez esperar. As suas aulas estavam cheias de alunos, ansiosos por aprender com a novidade do seu ensino e a clareza da sua exposição. A partir de então a sua vida seria um longo e intenso trabalho de estudo, meditação, ensino e escrita, até ao esgotamento final. Esteve em Paris a ensinar até 1259, data em que partiu para Itália. Aqui os historiadores perdem-lhe o rasto por uns meses, mas sabem que em 1261 foi convidado para ensinar no convento dominicano de Orvieto, onde na época se encontrava o papa e a corte pontifícia. Depois, em 1265, foi encarregado de fundar em Roma uma escola dominicana de Teologia, o que o ocupou até 1268, data em que regressou a Paris.  
A segunda regência em Paris durou até 1272, quando foi encarregado de novo de fundar de fundar uma escola de Teologia da sua Ordem. Desta vez, o capítulo da província dominicana de Roma dava-lhe total liberdade de escolha, e ele selecionou a Nápoles, onde começara os estudos.
Além de ensinar, escrevia. O número de livros produzidos por Mestre Tomás é prodigioso. A lista habitual conta com 90 obras, desde os grossos trabalhos com vários volumes aos pequenos opúsculos. Este montante leva a muitas comparações surpreendentes. No período mais produtivo, os anos de 1271-72, ele escreveu por dia uma média equivalente a 12,5 páginas das nossas (A4) a um espaço (350 palavras por página). O trabalho era feito com a ajuda de secretários, dos quais o principal era o seu «sócio» e confessor, frei Reginaldo ou Reinaldo de Piperno (1230-1290). Ele era uma das poucas pessoas que conseguia ler a letra do Mestre, que era considerada ilegível, como dizem vários testemunhos do tempo, e como podemos testemunhar hoje nos manuscritos dele que sobreviveram. S. Tomás tinha a capacidade notável de ditar simultaneamente obras diferentes a três ou até quatro secretários.
Passando todo o dia a rezar, ensinar, a escrever e a ditar, tinha de ter tempo para pensar, meditar e conceber as suas obras. Roubava esse tempo ao sono. Temos muitas histórias que dizem que ficava de luz acesa até altas horas da noite, refletindo nas questões e pedindo a Deus, com muitas lágrimas, iluminação para resolver algum problema mais difícil. Sabemos também que a resposta por vezes vinha em visões, como quando Reginaldo o surpreendeu conversando com S. Pedro e S. Paulo, que lhe explicavam o sentido das profecias de Isaías.
Mas não fiquem com a ideia de que S. Tomás era uma pessoa abstrusa, aérea ou solitária. Quando era preciso, ele era capaz de ser pragmático, diligente e organizado. Temos mesmo informações de tarefas administrativas e diplomáticas complicadas, referentes à sua família, que ele desempenhou com eficácia e competência. S. Tomás não era, pois, o professor teórico, etéreo e misógino que tantos querem fazer dele, mas um homem amável, atento e afável, que tomava conta dos seus como qualquer outra pessoa. Mas isso só aumentava ainda mais a carga de trabalho sobre os seus ombros. O rei de França, S. Luís, o Mestre Geral da sua Ordem, o prior do seu convento e muita outra gente queria o seu conselho sobre questões práticas.
Este esforço contínuo e intenso tinha de ter os seus efeitos. Foi o que aconteceu num dia de Outubro de 1273. “Quando celebrava missa na capela de S. Nicolau, Tomás sofreu uma transformação espantosa. Depois dessa missa não escreveu mais nem nunca mais ditou o que quer que fosse e até deixou o seu material de escrita. Estava nessa altura na terceira parte da Suma, no tratado da Penitência. A Reginaldo estupefato, que não compreendia porque razão ele abandonava a sua obra, o
Mestre respondeu simplesmente “Não posso mais”. Voltando à questão um pouco mais tarde, Reginaldo recebe a mesma resposta “Não posso mais. Em comparação com o que vi, tudo o que escrevi me parece palha”.
Claramente, além de uma visão sobrenatural, havia também um profundo esgotamento cerebral, fruto de anos seguidos de trabalho intenso e contínuo. Se antes era cheio de energia, agora caiu na cama e foi descansar para o castelo de S. Severino, a sul de Nápoles, pertença de sua irmã Theodora, condessa de Marsico. No fim do ano o Mestre regressou a Nápoles, onde recebeu ordem do papa Gregório X para se deslocar ao decisivo segundo concílio de Lião, que trataria das relações com as igrejas orientais. Frei Tomás, apesar do seu estado, obedeceu prontamente e pôs-se a caminho.
Pouco depois da partida, perto de Teano, sofreu um acidente. Distraído como sempre e absorvido em meditação, não viu um tronco no meio da estrada, caiu e bateu fortemente com a cabeça. Apesar de atordoado, assegurou que estava bem e continuou. Poucos dias depois chegaram ao castelo de Maenza, aí que caiu doente. Ainda recuperou e voltou ao caminho, mas teve de parar logo a seguir na abadia de mosteiro cisterciense de S. Maria de Fossanova, na Campania, onde morreu a 7 de Março de 1274, quarta-feira da terceira semana da Quaresma. O seu confessor disse depois que a confissão geral que fez, pouco antes da morte, era a de uma criança de cinco anos.
A fama do professor fez convergir para essa abadia muita gente. Logo após a morte começam a correr histórias de muitos milagres que o seu corpo realizava. Começou também uma forte luta pela posse do seu corpo. Os monges queriam guardá-lo; os dominicanos pretendiam recuperá-lo e até a universidade de Paris o reclamou. Como era o tempo da devoção das relíquias, o cadáver foi algo maltratado na busca de recordações. A luta não foi pacífica e à volta dos restos mortais do sereno frade juntaram-se exércitos. Foi precisa a intervenção da autoridade papal para que as relíquias fossem levadas em 1369 para Toulouse, no sul de França, centro da ordem dominicana, onde foram colocadas a 28 de Janeiro na Igreja dos Jacobinos onde, após algumas peripécias, podem ainda hoje ser veneradas.
Começou então também o culto de Tomás como santo. Além do local da morte e da sua Ordem, também em Paris e noutras universidades, como Oxford, a sua memória era venerada. O seu processo de canonização começou em 1317, e a 18 de Julho de 1323 foi canonizado por João XXII.
A 15 de Abril de 1567 foi declarado Doutor da Igreja por S. Pio V (1504-1572, papa desde 1566). S. Tomás foi o quinto santo de toda a História a receber este título, o primeiro após os quatro grandes “doutores do Ocidente”, S Ambrósio (340-397), S. Jerónimo (348-420), S. Agostinho (354-430) e S. Gregório Magno (540-604).

Glorioso Santo Tomás de Aquino, rogai por nós.


( Livro Episódios da Vida de Santo Tomás de Aquino)

Nenhum comentário:

Postar um comentário