Parece
que não foi conveniente que Cristo
morresse.
1.
— Pois, o primeiro princípio, num gênero, não pode ser subordinado ao que é
contrário a esse gênero; assim o fogo, princípio do calor, nunca pode ser frio.
Ora, o Filho de Deus é a fonte e o princípio de toda a vida, segundo aquilo da
Escritura: Em ti está a fonte da vida. Logo, parece que não foi conveniente que
Cristo morresse.
2.
Demais. — Maior miséria é a morte que a doença, por que por esta se chega
àquela. Ora, não é conveniente que Cristo sofresse nenhuma doença, como diz
Crisóstomo. Logo, também não o era que morresse.
3.
O Senhor diz: Eu vim para terem vida e para a terem em maior abundância. Ora,
um contrário não conduz a outro. Logo, parece que não era conveniente que
Cristo morresse.
Mas,
em
contrário, o Evangelho: Convém-vos que morra um homem pelo povo e que
não pereça toda a nação.
SOLUÇÃO. — Foi conveniente que Cristo
morresse. — Primeiro, para satisfazer pelo gênero humano, que tinha
sido condenado à morte por causa do pecado, segundo aquilo da Escritura: Em
qualquer dia que comeres dele, morrerás de morte. Ora, o modo conveniente de
satisfazermos por outrem é nos sujeitarmos àpena que ele merecia. Por isso
Cristo quis morrer a fim de morrendo, satisfazer por nós, segundo a Escritura: Cristo
uma vez morreu pelos nossos pecados. — Segundo, para mostrar que
assumiu verdadeiramente a natureza humana. Pois, como diz Eusébio, se Cristo,
depois de ter vivido no meio dos homens, houvesse, para evitar a morte,
desaparecido inopinadamente, ocultando-se-lhes aos olhos, todos os teriam
julgado um fantasma. — Terceiro, a fim de morrendo, livrar-nos do
temor da morte. Donde o dizer o Apóstolo: Ele participou igualmente da carne e
do sangue, para destruir pela sua morte ao que tinha o império da morte, isto é,
ao diabo; e para livrar aqueles que pelo temor da morte estavam em escravidão
toda a vida. — Quarto, a fim de que, morrendo corporalmente, à semelhança
do pecado, isto é, da pena, nos desse exemplo de morrer espiritualmente para o
pecado. Donde o dizer o Apóstolo: Porque, enquanto a ele morrer pelo pecado,
morreu uma só vez; mas, quanto a viver, vive para Deus. Assim também vós
considerai-vos como estando mortos para o pecado, mas vivos para Deus, em Nosso
Senhor Jesus Cristo. — Quinto, a fim de, ressurgindo dos mortos,
mostrasse ao mesmo tempo o seu poder, pelo qual venceu a morte, e nos desse a
esperança de ressurgir dos mortos. Donde o dizer o Apóstolo: Se se prega que
Cristo ressuscitou dentre os mortos, como dizem alguns dentre vós outros que
não há ressurreição de mortos?
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Cristo é a fonte da vida, como Deus, mas não
como homem. Ora, morreu como homem e não como Deus. Donde o dizer Agostinho: Longe
de nós pensar que Cristo, sendo ele próprio a vida, morreu perdendo-a; pois, se
tal tivesse acontecido, a fonte da vida teria secado. Mas, padeceu a morte
enquanto participante da fraqueza humana, que assumira espontaneamente, sem
contudo perder o poder da sua natureza, pelo qual tudo vivifica.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — Cristo não sofreu a morte originada de nenhuma doença, para que
não se pensasse que morreu por enfermidade imposta pela natureza. Mas sim, a
morte que lhe foi infligida exteriormente, ao que espontaneamente se submeteu
para mostrar que era morte voluntária.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — Um contrário não conduz a outro, essencialmente falando; mas tal
pode dar-se por acidente, como quando, por exemplo, o frio aquece
acidentalmente. E deste modo Cristo, pela sua morte, nos conduziu à vida
,destruindo a nossa morte como a sua, assim como quem sofre uma pena por
outrem, torna-o livre dela.
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