Fr. Manuel Sancho,
Exercícios Espirituais para
Crianças
1955
PARTE PRIMEIRA
A conversão da vida do pecado à
vida da graça
(Vida Purgativa. — 1.ª semana)
5. — Um dos efeitos do pecado
mortal é matar a alma, e por isso é que se diz mortal, porque a mata, a
assassina com vileza, com morte mais funesta do que a do corpo. E que coisa é
matar a alma? A vida da alma é a graça; tirá-la é matá-la.
Um cadáver é horrível de se
olhar. Uma criança que vive tem cores rosadas, fala, ri, move-se, ama, os olhos
lhe brilham... Mas, se morre, seu corpo torna-se hirto, frio, espantoso,
cadáver enfim, que é preciso enterrar depressa, porque vem a feder e a
corromper-se sem demora. Que diferença do corpo vivo! Pois maior é a diferença
entre a alma viva pela graça e a alma morta pelo pecado mortal. Se víssemos uma
alma em graça, alegrar-nos-íamos extraordinariamente, porque ela é bela como um
anjo do céu; mas, se a víssemos em pecado mortal, contemplaríamos nela um
demônio do inferno. Olhai que terrível mal é o pecado mortal, que mata a alma.
Todos os que estão em pecado têm a alma morta: eles estão vivos, porém a sua
alma está morta.
Quantos que andam pelas ruas e
que são cadáveres ambulantes!
Quantas almas mortas, meu Deus!
Porém muitos se acostumam a ter
a alma morta pela culpa, e riem, e gozam, e triunfam; mas, quando sós, não
sossegam, sentem o aguilhão da consciência. Sabeis por quê? Porque compreendem
que têm a Deus por inimigo, e, se morressem naquele instante, condenar-se-iam.
Eis aqui outro efeito do pecado
mortal: torna a alma inimiga de Deus. Assim como um menino que está em graça é
amigo de Deus, assim também o que está em pecado é seu inimigo.
Joãozinho comungou bem: fez a
sua ação de graças; volta para casa sorridente. Estuda, cumpre seus deveres.
Quando tem tentações, repele-as. Reza, torna a comungar. Sorri sempre... À
noite, ao deitar-se, sente-se feliz: não o remorde a consciência. Dorme
tranquilíssimo. É um anjo: tem a Deus por amigo. Oh! que grande amigo! Com Ele,
a quem Joãozinho temerá? Nem aos homens, nem aos demônios, nem ao inferno.
Agora vede Pancrácio. Cometeu um
pecado feio e disse uma blasfêmia. Está em pecado mortal. Brinca; parece que
ri, mas à noite, ao deitar-se e ao se sentir só, sente um aguilhão que o punge
e se lhe crava na consciência: tem medo. Com razão tem medo, porque Deus é seu
inimigo. Os demônios o têm sujeito: são seus amigos. Se ele morresse,
cair-lhes-ia nas garras, e eles o afundariam para sempre no inferno. Oh! é
terrível o pecado, que torna o pecador inimigo de Deus!
Não, não se pode viver tranquilo
estando em pecado mortal. Depois de haver morto seu irmão Abel, Caim andava
errante pelo mundo, fugindo de Deus (Gn 4, 16). Era inimigo de Deus e temia-O.
Mas em vão fugia, porque Deus está em toda parte, e Caim lhe ouvia
interiormente a voz que lhe dizia: “Caim, que fizeste de teu irmão Abel? Serás
maldito sobre a terra”. Assim a voz de Deus persegue o pecador, dizendo-lhe:
“Que fizeste de tua alma? Assassinaste-a!” E essa voz persegue-o inexorável por
toda parte. Não, não pode dormir tranquilo um menino em pecado mortal. — Caim,
Caim, por que ofendeste a Deus? — ouve ele a toda hora. — És inimigo de Deus.
Mas pelo pecado mortal não se
perde só a amizade de Deus, perde-se também a filiação divina. O homem em graça
é filho de Deus; filho de Deus, não natural, pois propriamente filho de Deus é
Jesus Cristo. Mas o homem, a criança, pela graça é filho adotivo de Deus e
herdeiro do céu. Pois bem, a criança que peca, ao perder a graça cai em
desgraça de Deus, e já não é filho adotivo d’Ele nem herdeiro do céu. E como
pode ser filho adotivo de Deus, irmão de Jesus Cristo e coerdeiro com este, se
é Seu inimigo?
6. — Visto que é tão grave mal o
pecado, que será pecado? Já o diz o catecismo: Pecado é todo pensamento,
palavra ou ação contra a lei de Deus. Reparai bem. Qualquer coisa que façais
contra os mandamentos será pecado, e do mesmo modo palavras, e igualmente
pensamentos. E exclamais cheios de desconsolo: Então todos esses pensamentos e
barbaridades que nos ocorrem serão pecados? Serão pecados as idéias que às
vezes tenho de roubar o que não é meu, de dar cascudos e até beliscões num companheiro,
de fazer coisas feias, de levantar falsos testemunhos. . . e, mesmo que isso me
venha à idéia mas eu não o faça, será pecado só o pensar nisso?
Distingamos, meus filhos,
distingamos. Se fosse pecado tudo quanto nos passa pelo pensamento, não haveria
ninguém que pudesse salvar-se, nem mesmo os mais santos; porque todos nós temos
más imaginações e maus desejos, e às vezes as paixões põem na imaginação
verdadeiras monstruosidades. O pecado não está em sentir essas coisas, mas em
consentir nelas; não está em padecer maus pensamentos, mas em querê-los. Então,
que será esse consentimento? Com um exemplo entendê-lo-eis.
Joãozinho é um bom menino.
Estuda suas lições; obedece aos mestres e aos pais; vai à missa nos dias de
festa e ouve-a com devoção; reza o terço em casa sem dormir, devagarinho; é um
menino modelo. Um dia ele passa por junto de uma horta. Olha através do cercado
e vê dentro muitas árvores frutíferas com os frutos maduros: peras riquíssimas,
uvas moscatel, pêssegos, melões... E como ele gosta de pêssegos! Joãozinho fica
com água na boca. Além disto, há ali um viveiro com canários, pardais,
melros... e podem pegar-se os pássaros com a mão, e as frutas pendem baixinho,
ao alcance da boca. O diabo diz ao ouvido do pequeno, embora o pequeno não o
veja: “Entra, Joãozinho, entra na horta: a porta está aberta, os donos estão
longe... Enches os bolsos de fruta, empanturras-te de moscatéis, apanhas um
canário e um melro e... pernas para que vos quero?”. Sem notá-lo, Joãozinho
está absorto nestes pensamentos, quando, de repente, se dá conta de estar
pensando uma coisa má: “Ai, não! — diz ele então — não quero. Isto é pecado, e
não quero ofender a Deus”, e sai correndo para não cair na tentação. Estais
vendo? O bom do Joãozinho teve pensamentos e mesmo desejos de roubar, mas não
consentiu neles. Joãozinho não somente não pecou, mas fez uma obra boa, como é
a de repelir a tentação; porque as tentações não são más senão quando nelas se
consente, porquanto, se não se lhes consente, elas servem de estímulo para a
virtude, e Deus serve-Se delas para provar os bons e cumulá-los de
merecimentos, conforme aquelas palavras da Escritura: Qui facit cum
tentatione proventum (1 Cor 10, 13).
Além do consentimento, para que
uma ação ou pensamento maus sejam pecados necessita-se saber que isso é pecado;
porque, se se ignora isso com ignorância não culpável, não é pecado. Por
exemplo: ensinam uma criança a dizer coisas feias; mas a pobre criatura ignora
o significado que têm esses palavrões. Dizendo-as, ela não peca, porque não
sabe que aquelas palavras sejam pecados.
Carolina é uma menina de
instintos vingativos, além de ciumenta e travessa. Por ser assim, a mestra
castiga-a e humilha-a diante de suas companheiras. Um dia ela vê que Anita, uma
de suas companheiras, menina boa e aplicada, ganha um prêmio da mestra.
Carolina não diz nada, mas se rói por dentro; tem ciúmes ao ver a outra
estimada, e dentro do seu negro coraçãozinho acalenta pensamentos de vingança.
Quando tiver ocasião, pegará a boneca de Anita e quebrá-la-á, e fará a Anita
todo o mal que puder. Nisto, sente uma voz interior, a voz da consciência, que
lhe diz: “Isto que estás pensando é mau: afasta-o”. Mas Carolina não faz caso
dessa voz, que é um eco da voz de Deus, e com toda má vontade continua nos seus
desatinados pensamentos de vingança. Carolina peca, porque, sabendo que o que
está maquinando é mau, continua pensando nisso voluntariamente.
Fonte: A Grande Guerra
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