CONSELHOS SOBRE A VOCAÇÃO
CAPITULO I - ORIGEM DA VOCAÇÃO
Padre J. Guibert
(Superior do Seminário do
Instituto Católico de Paris)
edição de 1937
Nobreza do estado religioso
9. — Nunca poderemos conceber
coisa mais excelente do que o estado religioso. Porque a vocação encerra os
mais belos títulos de nobreza, quer pelos sacrifícios que impõe, quer pelas
virtudes que faz praticar, quer pela missão sublime que nos confia.
Os sacrifícios
10. — A nobreza de uma alma se
mede pela elevação de sua coragem. As famílias nobres mereceram seus brasões
pela magnanimidade de seus antepassados; aos que não recuam diante do perigo e
arrostam a morte para salvar a pátria, a sociedade concede o primeiro lugar.
Expôr-se à morte num campo de batalha é o ato de um grande coração; mas morrer
durante toda a vida para a mais bela das causas, derramar o sangue gota a gota,
até o último suspiro, no silêncio e na escuridão de uma empresa sem brilho, é o
ato de um coração maior ainda, porque supõe uma coragem mais profunda e uma
vontade mais constante.
Ora, é para esta espécie de
heroísmo que a vocação destina os que ela chama. Os religiosos e os sacerdotes
são outros tantos heróis, cada vez que vivem segundo sua profissão. Com efeito,
vão de encontro às inclinações mais gratas à natureza: vítimas voluntárias,
renunciam aos prazeres, às honras, às riquezas e imolam-se dia por dia no altar
do próprio coração. Mais ainda, dedicam-se a um trabalho austero: prisioneiros
do dever, entregam a Deus e às almas todas as horas de seu tempo e todas as
energias de sua atividade.
As virtudes
11. — Não é somente pelos
sacrifícios impostos que a vocação religiosa enobrece, é também pelas virtudes
que faz praticar.
Será preciso mostrar-vos toda a
grandeza de uma alma que se dedica às virtude? Não sabeis que o valor de um
homem depende do interior e não do exterior?
Os que brilham diante do público
e, no fundo, ocultam almas baixas e maculadas, ostentam apenas uma luz falsa
aos olhos dos homens. As vestimentas preciosas e os brilhantes resplandecentes
adornam apenas o corpo; a reputação mais lisonjeira tem só o efeito de realçar
um nome diante dos homens. Mas tudo isto não alcança o fundo da alma; debaixo
destas aparências, diante das vistas de Deus e de suas próprias vistas, a alma
permanece o que ela é: abjeta se andar no vício; cintilante de peregrina
beleza, se as virtudes a iluminarem.
Com efeito, que coisa será mais
bela do que a alma em quem Deus reside como num santuário? No seio de um
coração em estado de graça, a luz divina resplandece como os raios do sol
através do cristal mais puro. Nos lugares onde Deus habita, o céu em peso
baixa: todas as virtudes formam o cortejo da graça santificante. No meio delas
domina a caridade, e da caridade dimanam os sentimentos de misericórdia e de
dedicação que pasmam o mundo e são a honra da Igreja.
12. — Mas qual vida há de
favorecer melhor tal desabrochar das virtudes cristãs? Não será a vida
religiosa, retirada do mundo, ao abrigo das seduções? Oh! sem dúvida, mesmo no
meio dos perigos do século, pode-se viver sem pecado grave e conservar Deus
presente no coração. Como é difícil, porém, manter-se em estado de graça! como
é difícil, portanto, que uma alma conserve intacto este rico tesouro de
virtudes! Pelo contrário, tudo se reúne para preservar a alma do religioso: o
retiro em que vive, os socorros sobrenaturais que lhe são prodigalizados, o
encanto da vida de família, a seriedade das ocupações diárias...
É sobretudo a propósito de uma
alma assim preservada pelo privilégio da vocação religiosa, que S. Tereza podia
exclamar: «Se Deus nos descobrisse a beleza de uma alma enriquecida pela graça
e fecundada pelas virtudes, havíamos de morrer de admiração e de alegria.»
A missão
13. —Nobilíssima é também a
missão a que se destina a vocação religiosa. Porque, seja qual for o gênero de
vida ao qual se consagra a alma dedicada a Deus, sempre sua carreira é mais
importante que as carreiras do mundo.
Por mais variadas que sejam as
vocações da Igreja, todas se resumem em quatro grupos principais: a oração, as
obras de caridade, o ensino, o apostolado sacerdotal.
14. — A oração e a penitência
caracterizam a vida dos Cartuxos, dos Trapistas, dos Beneditinos, das
Clarissas, dos Carmelitanos, etc... Retirados em seus claustros, extranhos aos
negócios mundanos, levam uma vida angélica que o mundo desconhece. — «Para que,
dizem os mundanos, estes religiosos inúteis, egoístas, que não pensam senão em
si próprios e nada fazem em proveito da sociedade?» contudo, estes religiosos
são mais úteis à sociedade do que os que se agitam e enchem o mundo da fama de
seu nome. Com efeito, nos santuários onde se reúnem, formam focos de vida, cujo
ardor se espalha por toda a parte; constituem centros de virtudes cujas
influências irradiam ao longe; representam a humanidade no louvor e na adoração
que se deve a Deus; são como que pára-raios vivos que arredam da terra os
trovões da vingança divina: porque, por meio de suas penitências, alcançam do
céu o perdão por numerosíssimos pecadores. Os homens precisam tanto da graça e
da misericórdia, que, aos olhos da fé, a vida do claustro é talvez aquela que
produz os efeitos mais profundos. Se Deus vos chamasse para ela, não tenhais receio
de perder vossa existência. Assegura-se que S. Teresa, por suas orações,
não converteu menos infiéis do que S. Francisco Xavier, o grande apóstolo das
índias.
15. — Muito melhor é
compreendida pelo povo a missão dos que se consagram às obras de caridade: sua
utilidade é acessível aos sentidos e fere as vistas. Em todas as línguas
exaltaram-se com razão as maravilhas desta dedicação que alivia as misérias
humanas. Tira-se o chapéu com respeito diante da irmã de caridade; admira-se a
humilde irmãzinha dos pobres; o irmão de São João de Deus, companheiro e criado
dos mais deserdados da natureza, aparece como um prodígio da graça. Nestes
devotamentos, não é o sentimento da dedicação que mais nos comove; porque a
piedade para com o pobre e o doente se encontra em qualquer coração bem
formado. É antes o desapego heróico de tudo, inspirado pela piedade, que excita
nossa admiração; porque se o mundo encontra criados que oferecem seu tempo e
suas penas em troca de pão ou de ouro, é Deus só que suscita os heróis
desinteressados que dão a própria vida para que o enfermo e o indigente tenham
alguém para lhes suavizar as dores.
16. — Existe outra forma de
dedicação que o mundo aprecia menos, que até persegue de seu ódio, e trata de
destruir hoje: quero falar da missão de educador.
O professor tem um papel social
de imenso alcance; como possui as jovens gerações, o professor possui também o
futuro; foi sempre verdade incontestável que o porvir pertence aos que formam a
mocidade. E como é preciso que o porvir pertença a Deus, quanto não importa que
Deus suscite mestres generosos que formem perfeitamente a mocidade? Esta obra
dos professores católicos é tão necessária que Deus gostaria mais de fazer
novas criaturas antes do que deixá-la perecer. — De uma importância capital nos
tempos presentes, sempre austera e muitas vezes ingrata, esta missão do
professor católico é também uma fonte de puras alegrias e de fecundas bênçãos.
Que coisa poderá ser mais suave do que a paternidade que um bom mestre exerce
sobre seus numerosos discípulos? Que coisa será mais meritória diante de Deus e
diante dos homens, do que consumir a existência no duro serviço de uma escola?
Felizes as almas que Deus chama a esta forma de apostolado: «Porque, diz a
Escritura Sagrada, os que ensinam a verdade e a santidade hão de brilhar como
astros durante toda a eternidade.»
17. — Fica ainda a missão do
padre, ministro da palavra de Deus e depositário do tesouro dos Sacramentos.
Unido a Deus como deve ser unido, representante de Jesus Cristo entre os
homens, o padre alcança uma altura tal que dá a vertigem à pobre razão humana.
Quanto mais elevado é o padre por seu poder de ordem, tanto mais perfeita deve
ser a santidade de sua vida. Quer evangelize os povos infiéis, quer desenvolva
a vida cristã entre os povos convertidos, seu papel aparece sempre na mesma
sublimidade. «Se eu encontrasse ao mesmo tempo, no meu caminho, um padre e um
anjo, dizia um grande santo, eu cumprimentava primeiro o padre e depois o
anjo.»
18. — Estais vendo, jovem amigo,
a vida religiosa apresenta numerosos caminhos. Tomai aquele que quiserdes;
certamente, há de conduzir-vos para regiões elevadíssimas.
É deste modo que pensaram tantos
grandes homens do mundo, os quais, em todos os tempos, pisaram aos pés as mais
belas coroas da terra para terem a felicidade de servir a Jesus Cristo. De
todas as posições sociais, dos próprios degraus dos tronos, saem almas que
ambicionam uma nobreza mais elevada que a da terra. Se os príncipes e os
grandes do mundo não julgaram que fosse indigno de sua alta posição, consagrar
sua vida às obras de zelo, como não haveriam, os filhos do povo, de gostar de
servir com eles nas fileiras da milícia religiosa?
Da grandeza da vocação religiosa
se deduz outra consequência: é que não é permitido a ninguém introduzir-se, sem
um apelo de Deus, numa missão tão sublime. «Quando estiverdes convidados a um
banquete, diz o Salvador Jesus, não tomeis o primeiro lugar, de medo que
tenhais a vergonha de serdes obrigados a descer em um lugar inferior, na extremidade
da mesa. Tomai antes o último lugar; então aquele que vos convidou, virá para
colocar-vos num lugar melhor; e assim tereis muita honra diante de todos os
convidados.»
O mesmo se dá no banquete desta
vida. Ninguém se deve arrogar o primeiro lugar: esperai que o Mestre vos chame
para introduzir-vos entre os príncipes de seu povo.
Entretanto não se "deve
afirmar que a total ausência de atrativo seja prova de que a vocação não possa
existir; mais adiante (números 58 e 59) veremos quais são os sinais indubitáveis
de vocação (pag. 48 e seguintes).
Fonte: A Grande Guerra
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