sexta-feira, 21 de junho de 2013

Conselhos sobre vocação (para meninos de 12 a 18 anos) - Parte 3




CONSELHOS SOBRE A VOCAÇÃO
CAPITULO I - ORIGEM DA VOCAÇÃO

Padre J. Guibert
(Superior do Seminário do Instituto Católico de Paris)
edição de 1937



Nobreza do estado religioso

9. — Nunca poderemos conceber coisa mais excelente do que o estado religioso. Porque a vocação encerra os mais belos títulos de nobreza, quer pelos sacrifícios que impõe, quer pelas virtudes que faz praticar, quer pela missão sublime que nos confia.

Os sacrifícios


10. — A nobreza de uma alma se mede pela elevação de sua coragem. As famílias nobres mereceram seus brasões pela magnanimidade de seus antepassados; aos que não recuam diante do perigo e arrostam a morte para salvar a pátria, a sociedade concede o primeiro lugar. Expôr-se à morte num campo de batalha é o ato de um grande coração; mas morrer durante toda a vida para a mais bela das causas, derramar o sangue gota a gota, até o último suspiro, no silêncio e na escuridão de uma empresa sem brilho, é o ato de um coração maior ainda, porque supõe uma coragem mais profunda e uma vontade mais constante.

Ora, é para esta espécie de heroísmo que a vocação destina os que ela chama. Os religiosos e os sacerdotes são outros tantos heróis, cada vez que vivem segundo sua profissão. Com efeito, vão de encontro às inclinações mais gratas à natureza: vítimas voluntárias, renunciam aos prazeres, às honras, às riquezas e imolam-se dia por dia no altar do próprio coração. Mais ainda, dedicam-se a um trabalho austero: prisioneiros do dever, entregam a Deus e às almas todas as horas de seu tempo e todas as energias de sua atividade.

As virtudes

11. — Não é somente pelos sacrifícios impostos que a vocação religiosa enobrece, é também pelas virtudes que faz praticar.

Será preciso mostrar-vos toda a grandeza de uma alma que se dedica às virtude? Não sabeis que o valor de um homem depende do interior e não do exterior?

Os que brilham diante do público e, no fundo, ocultam almas baixas e maculadas, ostentam apenas uma luz falsa aos olhos dos homens. As vestimentas preciosas e os brilhantes resplandecentes adornam apenas o corpo; a reputação mais lisonjeira tem só o efeito de realçar um nome diante dos homens. Mas tudo isto não alcança o fundo da alma; debaixo destas aparências, diante das vistas de Deus e de suas próprias vistas, a alma permanece o que ela é: abjeta se andar no vício; cintilante de peregrina beleza, se as virtudes a iluminarem.

Com efeito, que coisa será mais bela do que a alma em quem Deus reside como num santuário? No seio de um coração em estado de graça, a luz divina resplandece como os raios do sol através do cristal mais puro. Nos lugares onde Deus habita, o céu em peso baixa: todas as virtudes formam o cortejo da graça santificante. No meio delas domina a caridade, e da caridade dimanam os sentimentos de misericórdia e de dedicação que pasmam o mundo e são a honra da Igreja.

12. — Mas qual vida há de favorecer melhor tal desabrochar das virtudes cristãs? Não será a vida religiosa, retirada do mundo, ao abrigo das seduções? Oh! sem dúvida, mesmo no meio dos perigos do século, pode-se viver sem pecado grave e conservar Deus presente no coração. Como é difícil, porém, manter-se em estado de graça! como é difícil, portanto, que uma alma conserve intacto este rico tesouro de virtudes! Pelo contrário, tudo se reúne para preservar a alma do religioso: o retiro em que vive, os socorros sobrenaturais que lhe são prodigalizados, o encanto da vida de família, a seriedade das ocupações diárias...

É sobretudo a propósito de uma alma assim preservada pelo privilégio da vocação religiosa, que S. Tereza podia exclamar: «Se Deus nos descobrisse a beleza de uma alma enriquecida pela graça e fecundada pelas virtudes, havíamos de morrer de admiração e de alegria.»

A missão

13. —Nobilíssima é também a missão a que se destina a vocação religiosa. Porque, seja qual for o gênero de vida ao qual se consagra a alma dedicada a Deus, sempre sua carreira é mais importante que as carreiras do mundo.

Por mais variadas que sejam as vocações da Igreja, todas se resumem em quatro grupos principais: a oração, as obras de caridade, o ensino, o apostolado sacerdotal.

14. — A oração e a penitência caracterizam a vida dos Cartuxos, dos Trapistas, dos Beneditinos, das Clarissas, dos Carmelitanos, etc... Retirados em seus claustros, extranhos aos negócios mundanos, levam uma vida angélica que o mundo desconhece. — «Para que, dizem os mundanos, estes religiosos inúteis, egoístas, que não pensam senão em si próprios e nada fazem em proveito da sociedade?» contudo, estes religiosos são mais úteis à sociedade do que os que se agitam e enchem o mundo da fama de seu nome. Com efeito, nos santuários onde se reúnem, formam focos de vida, cujo ardor se espalha por toda a parte; constituem centros de virtudes cujas influências irradiam ao longe; representam a humanidade no louvor e na adoração que se deve a Deus; são como que pára-raios vivos que arredam da terra os trovões da vingança divina: porque, por meio de suas penitências, alcançam do céu o perdão por numerosís­simos pecadores. Os homens precisam tanto da graça e da misericórdia, que, aos olhos da fé, a vida do claustro é talvez aquela que produz os efeitos mais profundos. Se Deus vos chamasse para ela, não tenhais receio de perder vossa existência. Assegura-se que S. Teresa, por suas orações, não converteu menos infiéis do que S. Francisco Xavier, o grande apóstolo das índias.

15. — Muito melhor é compreendida pelo povo a missão dos que se consagram às obras de caridade: sua utilidade é acessível aos sentidos e fere as vistas. Em todas as línguas exaltaram-se com razão as maravilhas desta dedicação que alivia as misérias humanas. Tira-se o chapéu com respeito diante da irmã de caridade; admira-se a humilde irmãzinha dos pobres; o irmão de São João de Deus, companheiro e criado dos mais deserdados da natureza, aparece como um prodígio da graça. Nestes devotamentos, não é o sentimento da dedicação que mais nos comove; porque a piedade para com o pobre e o doente se encontra em qualquer coração bem formado. É antes o desapego heróico de tudo, inspirado pela piedade, que excita nossa admiração; porque se o mundo encontra criados que oferecem seu tempo e suas penas em troca de pão ou de ouro, é Deus só que suscita os heróis desinteressados que dão a pró­pria vida para que o enfermo e o indigente tenham al­guém para lhes suavizar as dores.

16. — Existe outra forma de dedicação que o mundo aprecia menos, que até persegue de seu ódio, e trata de destruir hoje: quero falar da missão de educador.

O professor tem um papel social de imenso alcance; como possui as jovens gerações, o professor possui também o futuro; foi sempre verdade incontestável que o porvir pertence aos que formam a mocidade. E como é preciso que o porvir pertença a Deus, quanto não importa que Deus suscite mestres generosos que formem perfeitamente a mocidade? Esta obra dos professores católicos é tão necessária que Deus gostaria mais de fazer novas criaturas antes do que deixá-la perecer. — De uma importância capital nos tempos presentes, sempre austera e muitas vezes ingrata, esta missão do professor católico é também uma fonte de puras alegrias e de fecundas bênçãos. Que coisa poderá ser mais suave do que a paternidade que um bom mestre exerce sobre seus numerosos discípulos? Que coisa será mais meritória diante de Deus e diante dos homens, do que consumir a existência no duro serviço de uma escola? Felizes as almas que Deus chama a esta forma de apostolado: «Porque, diz a Escritura Sagrada, os que ensinam a verdade e a santidade hão de brilhar como astros durante toda a eternidade.»

17. — Fica ainda a missão do padre, ministro da palavra de Deus e depositário do tesouro dos Sacramentos. Unido a Deus como deve ser unido, representante de Jesus Cristo entre os homens, o padre alcança uma altura tal que dá a vertigem à pobre razão humana. Quanto mais elevado é o padre por seu poder de ordem, tanto mais perfeita deve ser a santidade de sua vida. Quer evangelize os povos infiéis, quer desenvolva a vida cristã entre os povos convertidos, seu papel aparece sempre na mesma sublimidade. «Se eu encontrasse ao mesmo tempo, no meu caminho, um padre e um anjo, dizia um grande santo, eu cumprimentava primeiro o padre e depois o anjo.»

18. — Estais vendo, jovem amigo, a vida religiosa apresenta numerosos caminhos. Tomai aquele que quiserdes; certamente, há de conduzir-vos para regiões elevadíssimas.

É deste modo que pensaram tantos grandes homens do mundo, os quais, em todos os tempos, pisaram aos pés as mais belas coroas da terra para terem a felicidade de servir a Jesus Cristo. De todas as posições sociais, dos próprios degraus dos tronos, saem almas que ambicionam uma nobreza mais elevada que a da terra. Se os príncipes e os grandes do mundo não julgaram que fosse indigno de sua alta posição, consagrar sua vida às obras de zelo, como não haveriam, os filhos do povo, de gostar de servir com eles nas fileiras da milícia religiosa?

Da grandeza da vocação religiosa se deduz outra consequência: é que não é permitido a ninguém introduzir-se, sem um apelo de Deus, numa missão tão sublime. «Quando estiverdes convidados a um banquete, diz o Salvador Jesus, não tomeis o primeiro lugar, de medo que tenhais a vergonha de serdes obrigados a descer em um lugar inferior, na extremidade da mesa. Tomai antes o último lugar; então aquele que vos convidou, virá para colocar-vos num lugar melhor; e assim tereis muita honra diante de todos os convidados.»

O mesmo se dá no banquete desta vida. Ninguém se deve arrogar o primeiro lugar: esperai que o Mestre vos chame para introduzir-vos entre os príncipes de seu povo.

Entretanto não se "deve afirmar que a total ausência de atrativo seja prova de que a vocação não possa existir; mais adiante (números 58 e 59) veremos quais são os sinais indubitáveis de vocação (pag. 48 e seguintes).


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