Discedite
a me, maledicti, in ignem aeternum, qui paratus est diabolô et angelis eius – “Apartai-vos de mim, malditos
para o fogo eterno, que está aparelhado para o diabo e os seus anjos” (Matth.
25, 41).
I. Desgraçada
da alma cuja vida no juízo não for achada conforme à de Jesus Cristo! Tendo um
dos cortesãos de Filipe II dito uma mentira a seu amo, este o repreendeu
dizendo: “É assim que me enganas?” O desgraçado, ao voltar à casa, morreu de
pesar. Que fará pois, que responderá o pecador a Jesus Cristo, seu Juiz?...
Fará como aquele homem do Evangelho que, apresentando-se no banquete nupcial
sem o vestido conveniente, se calou, não sabendo que responder: At ille
obmutuit (1). O próprio pecado lhe fechará a boa e o cobrirá de tal forma
de vergonha, que, no dizer de São Basílio, a confusão será então para o pecador
um tormento mais horrível que o fogo do inferno.
O divino
Juiz pronunciará sem demora a sentença inapelável: Discedite a me,
maledicti, in ignem aeternum – “Aparta-te de mim, maldito, e vai arder para
sempre no fogo eterno.” Oh, que voz aterradora será esta! Santo Anselmo diz
que, “quem não treme a uma voz tão terrível, não dorme, mas está morto”. E
Eusébio acrescenta que “tamanho será o espanto dos pecadores ao ouvirem a sua
condenação, que morreriam de novo, se pudessem morrer outra vez”.
Então já
não há suplicar, já não há recorrer a intercessores. Com efeito, a quem
recorrerão? Pergunta São Basílio. Porventura a Deus, a quem desprezaram? Aos
Santos? Ou a Maria? Não, pois que então as estrelas, que são os Santos, nossos
advogados, cairão do céu; e a lua, quer dizer Maria, perderá a sua luz
(2). Diz Santo Agostinho: Maria fugirá da porta do paraíso. – Ó Deus,
exclama Santo Tomás de Vilanova, com que indiferença ouvimos falar do juízo,
como se não pudesse ser nossa a sentença de condenação, ou como se não
tivéssemos de ser julgados! Oh! Que demência é viver seguro em tamanho perigo!
Se a morte nos colhesse neste instante, que sorte havia de ser a nossa?
II. Meu
irmão, assim te avisa Santo Agostinho, não digas: É possível que Deus me queira
mandar ao inferno? Não fales assim, diz o Santo, porque tantos réprobos não
pensavam que seriam lançados ao inferno; mas afinal veio a hora do castigo: Finis
venit, venit finis; ... nunc complebo furorem meum in te, et iudicabo (3) –
“O fim vem, vem o fim; ... agora satisfarei em ti o meu furor e te julgarei”.
– Como observa São Boaventura, devemos imitar os negociantes prudentes que,
para não abrirem falência, revistam e ajustam muitas vezes as contas. Devemos,
acrescenta Santo Agostinho, ajustar as contas antes do juízo, porque agora
podemos aplacar o juiz, mas não na hora do juízo. Devemos, numa palavra, dizer
com São Bernardo: Meu divino Juiz, quero que me julgueis e me castigueis agora
durante a vida, porque ainda é tempo de misericórdia e me podeis perdoar, mas,
depois da morte, é só tempo de justiça: Volo indicatus praesentari, non
iudicandus.
O meu
Deus, reconheço, que se agora Vos não aplaco, não terei então tempo para Vos
aplacar. Como, porém, Vos aplacarei eu, que tantas vezes desprezei a vossa
amizade, por miseráveis prazeres? Paguei com ingratidão o vosso amor infinito.
Como pode uma criatura satisfazer dignamente pelas ofensas feitas a seu
Criador? Meu Senhor, graças Vos dou que a vossa misericórdia me forneceu o meio
de Vos aplacar e satisfazer. Ofereço-Vos o sangue e a morte de Jesus, vosso
Filho, e desde já vejo tranquilizada e superabundantemente satisfeita a vossa
justiça. É preciso, porém, ajuntar a isso o meu arrependimento. Ah! Sim, meu
Deus, de todo o coração me arrependo de todas as injúrias que Vos fiz.
Julgai-me
agora, ó meu Redentor. Detesto, mais que todos os males, os desgostos que Vos
dei. Amo-Vos sobre todas as coisas, de todo o meu coração, e proponho amar-Vos
sempre e antes morrer que ofender-Vos. Prometestes perdoar a quem se arrepende;
pois bem julgai-me agora e perdoai-me os meus pecados. Aceito a pena que
mereço; mas restabelecei-me na vossa graça, e conservai-me nela até à morte.
Assim espero. – Ó Maria, minha Mãe, agradeço-Vos tantas misericórdias que me
impetrastes; dignai-vos continuar a proteger-me até o fim. (*II 111.)
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1. Matth. 22, 12.
2. Matth. 24, 29.
3. Ez. 7, 6et 8.
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do
Ano: Tomo II: Desde o Domingo da Páscoa até a Undécima Semana depois de
Pentecostes inclusive. Friburgo: Herder & Cia,
1921, p. 201-203.)
Fonte: São Pio V
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