SPES
Diante do
aprofundamento da revolução que estamos vivendo hoje, diante do apoio que este
aprofundamento recebe não só de um Lula, mas também de um Fernando Henrique
Cardoso e de liberais, cremos proveitoso republicar um texto escrito em 2002,
pouco antes da primeira vitória eleitoral de Lula. O que estamos padecendo hoje
se explica, sempre, estamos certos, pelo dito neste já antigo escrito.
A DITADURA DO ÓDIO*
“É assim que a alma peca, quando
se aparta e busca fora de Vós o que não pode encontrar puro e transparente senão
regressando a Vós uma e outra vez. Imitam-Vos perversamente todos os que se
afastam de Vós e contra Vós se levantam. Ainda assim, imitando-Vos deste modo,
mostram que sois o Criador de toda a natureza, e que, por conseguinte, não há
lugar para onde nos possamos afastar totalmente de Vós.
Que amei portanto naquele roubo,
em que imitei o meu Senhor, ainda que criminosa e perversamente? Tive ao menos
o gosto de lutar pela fraude contra a Vossa lei, já que não o podia pela força,
a fim de fingir, sendo cativo, uma falsa liberdade, praticando impunemente, por
tenebrosa semelhança de onipotência, o que me não era lícito? Eis-me ‘aquele
escravo que, fugindo de seu senhor, seguiu uma sombra!’ Ó podridão, ó monstro
da vida e abismo da morte! Como pode agradar-me o ilícito sem outro motivo
senão o de me ser proibido?”
SANTO AGOSTINHO,
Confissões, II, 14
“As idéias do mundo moderno são
as idéias cristãs tornadas loucas.”
G. K. CHESTERTON
HÁ CERCA DE dois anos venho
batendo numa mesma tecla: O Partido dos Trabalhadores ganhará as próximas
eleições presidenciais. Por que o digo desde então com tanta certeza? Porque
via pelas ruas do Rio de Janeiro, onde residi quase toda a vida, o ódio estampado
no rosto e saído da boca da maioria do povo. Cada cenho cerrado, cada esgar de
fúria contra Fernando Henrique Cardoso me traduzia, transparente, a vitória por
antecipação de uma revolução lentamente, mui lentamente gestada: a tortura da
lei natural (já nem digo, obviamente, da Lei da Caridade) a partir da ocupação,
metódica e minuciosa, de todo o aparato de formação ideológica da modernidade.
Que canal de televisão
brasileiro, que filme brasileiro, que romance brasileiro, que revista
brasileira, que jornal brasileiro não contribuiu, em maior ou menor grau, para
enraizar o inconformismo, a mentira, a dissolução dos costumes, a degradação
cultural — em suma, a revolução? A prova? Ponhamo-lo num plural abundante e
substantivo.
1) No mesmo país em que, como em
todo o mundo moderno, o critério principal (e absolutamente desespiritualizado)
de avaliação de um governo é o econômico, acusa-se, entre babas de furor, o
governo Fernando Henrique Cardoso de ter arruinado a nação e ter feito crescer
inauditamente a miséria. Mas como pode ser tal se, em meio à queda financeira
da Argentina, do México, do Japão, dos Tigres Asiáticos, etc., o Brasil se
manteve com relativa mas grande estabilidade? Como pode ser tal se, em vez dos
parcos dois ovos que a própria classe média não raro se via constrangida a
comprar nos momentos de maior inflação dos governos anteriores, é patente que
hoje boa parte dos favelados das grandes cidades pode fazer refeições
suficientes, e tem o seu celular, o seu televisor, a sua geladeira e até o seu
Fusquinha, todas essas coisas que nos dias de hoje vêm substituir as contas
inestimáveis do Rosário e da Caridade? E como pode ser tal se o mesmo governo
estigmatizado acaba de ser reconhecido pela ONU como o que mais fez pelo
“social” — esse germe da revolução — dentre os de todo o globo?
2) E o mais “curioso”: esse
mesmo governo contra o qual se espuma de raiva entre um chope e outro foi
incapaz, sob tantos ataques, de se defender pelo próprio ângulo por onde
poderia sair vitorioso aos olhos do eleitorado. Enigma? Que nada! Mera
repetição do já visto ao longo de toda a história das revoluções: o governo
Fernando Henrique Cardoso é a ante-sala do governo Lula, assim como o governo
Kerenski foi a ante-sala do governo bolchevique de Lênin e seus assassinos,
etc. A luta entre Fernando Henrique e Lula, ou entre o PSDB e o PT e aliados, é
em verdade um como debate interno da esquerda, diferindo os primeiros
por uma espécie de “esquizofrenia”: gerindo embora a economia nacional pelos
parâmetros do liberalismo econômico, Fernando Henrique e seu partido nunca
deixaram para trás o seu próprio passado — o passado de formadores intelectuais
da chamada nova esquerda dos 70 — e, como um monstrengo de duas cabeças
medonhas, “investiam” no social enquanto convidavam para o Banco Central um
ex-assessor de George Soros, uma das personagens capitais da chamada
globalização. E que quer dizer aquele tão gabado “social”? A analfabetização de
todo o povo mediante o “ensino” público, gratuito e obrigatório, em verdade
mero arremedo de educação e autêntico ministério da perversidade sexual,
ideológica e política; o estímulo à revolução no campo e nas cidades por uma
reforma agrária e uma reforma urbana feitas sob medida para os MSTs de todas as
brutalidades e infâmias; o conduzir ao robustecimento do Estado apóstata pelo
impulso às ONGs, essas células — desde já endinheiradas — de um poder soviético
de novo tipo, etc.
3) Dir-se-á, porém, que entre os
atuais apoiadores de Lula se contam notórios conservadores, como José Sarney,
Delfim Neto, Maluf, etc., o que desmentiria o ser a vitória do petista simples
conseqüência de uma série de governos de esquerda mais ou menos radicais. Mas
tal não prova senão o que já se deveria saber desde sempre: que tais
conservadores são, de fato, liberais, e como tais herdeiros de outra (e antiga)
ante-sala da eleição de Lula — a revolução liberal-burguesa iniciada com as
degolas na Bastilha e com o enclausuramento das pequenas propriedades
camponesas na Inglaterra. Prove-o, exigir-se-me-á. Respondo, mui
tranqüilamente, com os McDonald’s da China comunista (Alain Perreyfite, um dos
papas do liberalismo econômico, chega a elogiar a China por se ter destacado
numas últimas Olimpíadas!... esquecendo-se porém de citar o pódio a que ela se
alça na modalidade “morte aos fetos e bebês”), ou com o milk-shake que
escorreu pelas bolorentas barbas de Fidel Castro sob as câmeras de todo o
planeta. Mas, insistir-se-á, que dizer dos liberais no sentido da democracia
parlamentar ou — como se costuma chamar com a soberba de quem come da Árvore do
Bem e do Mal — do Estado de Direito? Também muitos deles não estão a apoiar
Lula neste segundo turno? Mas, retruco eu, que será essa democracia senão um
dos produtos daquelas revoluções antigas e sobretudo anticatólicas, ou, mais
precisamente, da revolta do mesmo e mal-agradecido Terceiro Estado que se
beneficiara pelo Rei São Luís nos idos da Civilização cristã? Que será essa
democracia senão a negação do poder que se reconhece outorgado por Deus?Vox
populi... Blasfêmia! Esta voz do povo é a voz do anti-Deus, é a voz do fundo
dos infernos, é a voz do hálito de enxofre. A mesma voz que começou a fazer-se
ouvir, em verdade, desde muito antes da revolução francesa: desde o
amordaçamento do tomismo, desde O Nome da Rosa, desde as tavernas
medievais e seus arrotos, passando, obviamente, pelo enfermiço da nudez em
Botticelli, pela barriga cheia de rei de um Erasmo de Rotterdam, pelos vômitos
com que Lutero e Calvino expeliram Cristo das suas vísceras.
4) Mais: o autor do projeto de
casamento de homossexuais é o “conservador” Ricardo Fiúza do mesmo PPB de
Maluf!... E, ao fim e ao cabo, não vimos, em todos os jornais e canais de
televisão, Fernando Henrique Cardoso empunhar a bandeira do movimentogay? e não
é o próprio Serra quem dá grande impulso à legalização do aborto? e não foi o
emedebista Nelson Carneiro quem fez aprovar o divórcio? Muito mais: 14% dos
pais cariocas já aceitam que os filhos fumem maconha em casa!... muitos deles,
por certo, fumando-a com eles tal qual se comparte um chimarrão ou um tereré...
Está tudo preparado para o reinado de Marta Suplicy e sua sexologia e seu
adultério orgulhosamente público; está tudo preparado para que se considere o
feto um tumor — benigno, naturalmente — que se pode extrair[1] em prol de um corpo “malhado” e
lascivo; está tudo preparado para a adoção de crianças por homossexuais; está
tudo preparado para a convulsão narcocomunista das FARC e dos comandos
vermelhos, sob os auspícios de um Gabeira em tanguinha de crochê e de juristas
em alma despida de razão. Mas por que a pedra-de-escândalo, retrucar-me-ão com
o dedo em riste, se todos esses perversos e perversos se alinham com a larga
maioria dos bispos e sacerdotes, e com o próprio papa, no julgar que o inferno
está pelo menos vazio, se é que existe?!...
5) Há como esquecer que certo
dia dos 60 disse Roberto Marinho: “Nos meus comunistas ninguém toca”, enquanto
chocava os ovinhos de onde sairiam serpentes como as novelas de Dias Gomes e
“poemas sujos” como o de Ferreira Gullar? E há como esquecer que, enquanto
venciam a guerrilha urbana e rural, os governos militares permitiam — sim,
permitiam, pois que de fato em nenhuma outra parte do mundo se viu censura
militar mais branda e complacente — o cinema apopléctico e raivoso de Glauber
Rocha, as bandas e marchas militantes dos Buarques e Vandrés, a crescente
cumplicidade e enlaçamento entre o Maio de 68 francês e a Passeata dos Cem Mil
— entre o “é proibido proibir” e o “proíbam-se as proibições de Deus e da lei
natural”? E há como esquecer que, sob as próprias botas dos militares, se
esmagaram não só os Genoínos e Lamarcas de todos os Araguaias, mas também, pela
infausta reforma do ensino promovida pelo então Ministro Jarbas Passarinho, as
Humanidades, as mesmas Humanidades que tinham sido o alicerce da educação
não só no Império Romano como em toda a Civilização cristã?[2]E tal em nome de quê? Do mesmo positivismo
que, como o Hades da inteligência, acabou por inscrever o bizarro Comte na
nossa maçônica bandeira. Resultado? A favelização da arte, a substituição de
Bach pelas baquetas do rock, o emporcalhamento hediondo dos edifícios e
monumentos, a mescla lamacenta de sexo, sangue e satanismo que invade,
hipnoticamente, todos os bares, quase todos os lares, quase todos os corações.
Mas, então, se assim é, se em
verdade o Brasil (como aliás o mundo inteiro) já é todo como um fim dos tempos,
que grande diferença há entre vencer Lula ou vencer Serra? Há outra saída? Há,
sim: a Nova Aliança, a Lei da Caridade, o autêntico Cristianismo. A vida de
oração. O Rosário e a Missa de sempre. A Estrada Real da Santa Cruz. Crerei eu
em Reconquista? Creio ao menos na salvação individual para a Beatitude eterna.
Mas, insistir-se-á: Que fazer neste segundo turno eleitoral? Voto nulo ou
branco? A vitória de Lula é inexorável, e não defendo hoje senão que no mesmo
próximo domingo votemos na salvação da nossa própria alma, pedindo-Lhe a Ele,
ainda e sempre, “perdão para os que não crêem, não adoram, não esperam e não O
amam”.
Não posso contudo deixar de
deplorar, com lágrimas amargas, o que nos aguarda com o governo Lula: a pior
das ditaduras — a ditadura do ódio elevado à última potência. Do ódio
implacável à criaturinha de Deus que brota já espiritual no ventre da mulher;
do ódio dissoluto ao matrimônio cristão, ao amálgama de carne e osso dos dois
sexos, à fidelidade entre os cônjuges como a que se dá entre o Esposo celeste e
Sua Igreja; do ódio sem freio à inteligência, à vontade e à verdadeira
liberdade, e à Fé, à Esperança e à Caridade, dadas por Deus unicamente para que
sirvamos a Sua mesma Santíssima Trindade; do ódio pegajoso ao ser, ao uno, ao
verdadeiro, e ao bem, e pois ao belo. Ao pulchru, e ao pulcro. Quê?
Estarei eu no “mero” Céu das idéias cristãs? Seja. Que tal então isto: “Viva
Lula, Chávez y Fidel”, cartaz visto na manifestação promovida em Caracas pelo
presidente venezuelano Hugo Chávez, comunista, contra a oposição, que marchara
dias antes contra o seu governo? E “quem sabe” um dia não veremos, em meio ao
sangue escorrido pelas ruas do Brasil, um estandarte em homenagem à China dos
bebês mortos em cada sarjeta? Afinal, já não tivemos um Bill Clinton a passar
ao comunismo amarelo informações sigilosas do mesmo Estado que, após criar Bins
Ladens contra o que havia ainda de católico na Europa, perde o controle sobre
eles e se vê soterrado das suas próprias torres-de-babel?
24 de outubro de 2002.
Fonte: Spes
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