sábado, 22 de junho de 2013

A Ditadura do Ódio




SPES

      Diante do aprofundamento da revolução que estamos vivendo hoje, diante do apoio que este aprofundamento recebe não só de um Lula, mas também de um Fernando Henrique Cardoso e de liberais, cremos proveitoso republicar um texto escrito em 2002, pouco antes da primeira vitória eleitoral de Lula. O que estamos padecendo hoje se explica, sempre, estamos certos, pelo dito neste já antigo escrito.


A DITADURA DO ÓDIO*

“É assim que a alma peca, quando se aparta e busca fora de Vós o que não pode encontrar puro e transparente senão regressando a Vós uma e outra vez. Imitam-Vos perversamente todos os que se afastam de Vós e contra Vós se levantam. Ainda assim, imitando-Vos deste modo, mostram que sois o Criador de toda a natureza, e que, por conseguinte, não há lugar para onde nos possamos afastar totalmente de Vós.
Que amei portanto naquele roubo, em que imitei o meu Senhor, ainda que criminosa e perversamente? Tive ao menos o gosto de lutar pela fraude contra a Vossa lei, já que não o podia pela força, a fim de fingir, sendo cativo, uma falsa liberdade, praticando impunemente, por tenebrosa semelhança de onipotência, o que me não era lícito? Eis-me ‘aquele escravo que, fugindo de seu senhor, seguiu uma sombra!’ Ó podridão, ó monstro da vida e abismo da morte! Como pode agradar-me o ilícito sem outro motivo senão o de me ser proibido?”
SANTO AGOSTINHO,
Confissões, II, 14


“As idéias do mundo moderno são as idéias cristãs tornadas loucas.”
G. K. CHESTERTON

           
HÁ CERCA DE dois anos venho batendo numa mesma tecla: O Partido dos Trabalhadores ganhará as próximas eleições presidenciais. Por que o digo desde então com tanta certeza? Porque via pelas ruas do Rio de Janeiro, onde residi quase toda a vida, o ódio estampado no rosto e saído da boca da maioria do povo. Cada cenho cerrado, cada esgar de fúria contra Fernando Henrique Cardoso me traduzia, transparente, a vitória por antecipação de uma revolução lentamente, mui lentamente gestada: a tortura da lei natural (já nem digo, obviamente, da Lei da Caridade) a partir da ocupação, metódica e minuciosa, de todo o aparato de formação ideológica da modernidade.

Que canal de televisão brasileiro, que filme brasileiro, que romance brasileiro, que revista brasileira, que jornal brasileiro não contribuiu, em maior ou menor grau, para enraizar o inconformismo, a mentira, a dissolução dos costumes, a degradação cultural — em suma, a revolução? A prova? Ponhamo-lo num plural abundante e substantivo.

1) No mesmo país em que, como em todo o mundo moderno, o critério principal (e absolutamente desespiritualizado) de avaliação de um governo é o econômico, acusa-se, entre babas de furor, o governo Fernando Henrique Cardoso de ter arruinado a nação e ter feito crescer inauditamente a miséria. Mas como pode ser tal se, em meio à queda financeira da Argentina, do México, do Japão, dos Tigres Asiáticos, etc., o Brasil se manteve com relativa mas grande estabilidade? Como pode ser tal se, em vez dos parcos dois ovos que a própria classe média não raro se via constrangida a comprar nos momentos de maior inflação dos governos anteriores, é patente que hoje boa parte dos favelados das grandes cidades pode fazer refeições suficientes, e tem o seu celular, o seu televisor, a sua geladeira e até o seu Fusquinha, todas essas coisas que nos dias de hoje vêm substituir as contas inestimáveis do Rosário e da Caridade? E como pode ser tal se o mesmo governo estigmatizado acaba de ser reconhecido pela ONU como o que mais fez pelo “social” — esse germe da revolução — dentre os de todo o globo?

2) E o mais “curioso”: esse mesmo governo contra o qual se espuma de raiva entre um chope e outro foi incapaz, sob tantos ataques, de se defender pelo próprio ângulo por onde poderia sair vitorioso aos olhos do eleitorado. Enigma? Que nada! Mera repetição do já visto ao longo de toda a história das revoluções: o governo Fernando Henrique Cardoso é a ante-sala do governo Lula, assim como o governo Kerenski foi a ante-sala do governo bolchevique de Lênin e seus assassinos, etc. A luta entre Fernando Henrique e Lula, ou entre o PSDB e o PT e aliados, é em verdade um como debate interno da esquerda, diferindo os primeiros por uma espécie de “esquizofrenia”: gerindo embora a economia nacional pelos parâmetros do liberalismo econômico, Fernando Henrique e seu partido nunca deixaram para trás o seu próprio passado — o passado de formadores intelectuais da chamada nova esquerda dos 70 — e, como um monstrengo de duas cabeças medonhas, “investiam” no social enquanto convidavam para o Banco Central um ex-assessor de George Soros, uma das personagens capitais da chamada globalização. E que quer dizer aquele tão gabado “social”? A analfabetização de todo o povo mediante o “ensino” público, gratuito e obrigatório, em verdade mero arremedo de educação e autêntico ministério da perversidade sexual, ideológica e política; o estímulo à revolução no campo e nas cidades por uma reforma agrária e uma reforma urbana feitas sob medida para os MSTs de todas as brutalidades e infâmias; o conduzir ao robustecimento do Estado apóstata pelo impulso às ONGs, essas células — desde já endinheiradas — de um poder soviético de novo tipo, etc.

3) Dir-se-á, porém, que entre os atuais apoiadores de Lula se contam notórios conservadores, como José Sarney, Delfim Neto, Maluf, etc., o que desmentiria o ser a vitória do petista simples conseqüência de uma série de governos de esquerda mais ou menos radicais. Mas tal não prova senão o que já se deveria saber desde sempre: que tais conservadores são, de fato, liberais, e como tais herdeiros de outra (e antiga) ante-sala da eleição de Lula — a revolução liberal-burguesa iniciada com as degolas na Bastilha e com o enclausuramento das pequenas propriedades camponesas na Inglaterra. Prove-o, exigir-se-me-á. Respondo, mui tranqüilamente, com os McDonald’s da China comunista (Alain Perreyfite, um dos papas do liberalismo econômico, chega a elogiar a China por se ter destacado numas últimas Olimpíadas!... esquecendo-se porém de citar o pódio a que ela se alça na modalidade “morte aos fetos e bebês”), ou com o milk-shake que escorreu pelas bolorentas barbas de Fidel Castro sob as câmeras de todo o planeta. Mas, insistir-se-á, que dizer dos liberais no sentido da democracia parlamentar ou — como se costuma chamar com a soberba de quem come da Árvore do Bem e do Mal — do Estado de Direito? Também muitos deles não estão a apoiar Lula neste segundo turno? Mas, retruco eu, que será essa democracia senão um dos produtos daquelas revoluções antigas e sobretudo anticatólicas, ou, mais precisamente, da revolta do mesmo e mal-agradecido Terceiro Estado que se beneficiara pelo Rei São Luís nos idos da Civilização cristã? Que será essa democracia senão a negação do poder que se reconhece outorgado por Deus?Vox populi... Blasfêmia! Esta voz do povo é a voz do anti-Deus, é a voz do fundo dos infernos, é a voz do hálito de enxofre. A mesma voz que começou a fazer-se ouvir, em verdade, desde muito antes da revolução francesa: desde o amordaçamento do tomismo, desde O Nome da Rosa, desde as tavernas medievais e seus arrotos, passando, obviamente, pelo enfermiço da nudez em Botticelli, pela barriga cheia de rei de um Erasmo de Rotterdam, pelos vômitos com que Lutero e Calvino expeliram Cristo das suas vísceras.

4) Mais: o autor do projeto de casamento de homossexuais é o “conservador” Ricardo Fiúza do mesmo PPB de Maluf!... E, ao fim e ao cabo, não vimos, em todos os jornais e canais de televisão, Fernando Henrique Cardoso empunhar a bandeira do movimentogay? e não é o próprio Serra quem dá grande impulso à legalização do aborto? e não foi o emedebista Nelson Carneiro quem fez aprovar o divórcio? Muito mais: 14% dos pais cariocas já aceitam que os filhos fumem maconha em casa!... muitos deles, por certo, fumando-a com eles tal qual se comparte um chimarrão ou um tereré... Está tudo preparado para o reinado de Marta Suplicy e sua sexologia e seu adultério orgulhosamente público; está tudo preparado para que se considere o feto um tumor — benigno, naturalmente — que se pode extrair[1] em prol de um corpo “malhado” e lascivo; está tudo preparado para a adoção de crianças por homossexuais; está tudo preparado para a convulsão narcocomunista das FARC e dos comandos vermelhos, sob os auspícios de um Gabeira em tanguinha de crochê e de juristas em alma despida de razão. Mas por que a pedra-de-escândalo, retrucar-me-ão com o dedo em riste, se todos esses perversos e perversos se alinham com a larga maioria dos bispos e sacerdotes, e com o próprio papa, no julgar que o inferno está pelo menos vazio, se é que existe?!...
5) Há como esquecer que certo dia dos 60 disse Roberto Marinho: “Nos meus comunistas ninguém toca”, enquanto chocava os ovinhos de onde sairiam serpentes como as novelas de Dias Gomes e “poemas sujos” como o de Ferreira Gullar? E há como esquecer que, enquanto venciam a guerrilha urbana e rural, os governos militares permitiam — sim, permitiam, pois que de fato em nenhuma outra parte do mundo se viu censura militar mais branda e complacente — o cinema apopléctico e raivoso de Glauber Rocha, as bandas e marchas militantes dos Buarques e Vandrés, a crescente cumplicidade e enlaçamento entre o Maio de 68 francês e a Passeata dos Cem Mil — entre o “é proibido proibir” e o “proíbam-se as proibições de Deus e da lei natural”? E há como esquecer que, sob as próprias botas dos militares, se esmagaram não só os Genoínos e Lamarcas de todos os Araguaias, mas também, pela infausta reforma do ensino promovida pelo então Ministro Jarbas Passarinho, as Humanidades, as mesmas Humanidades que tinham sido o alicerce da educação não só no Império Romano como em toda a Civilização cristã?[2]E tal em nome de quê? Do mesmo positivismo que, como o Hades da inteligência, acabou por inscrever o bizarro Comte na nossa maçônica bandeira. Resultado? A favelização da arte, a substituição de Bach pelas baquetas do rock, o emporcalhamento hediondo dos edifícios e monumentos, a mescla lamacenta de sexo, sangue e satanismo que invade, hipnoticamente, todos os bares, quase todos os lares, quase todos os corações.
Mas, então, se assim é, se em verdade o Brasil (como aliás o mundo inteiro) já é todo como um fim dos tempos, que grande diferença há entre vencer Lula ou vencer Serra? Há outra saída? Há, sim: a Nova Aliança, a Lei da Caridade, o autêntico Cristianismo. A vida de oração. O Rosário e a Missa de sempre. A Estrada Real da Santa Cruz. Crerei eu em Reconquista? Creio ao menos na salvação individual para a Beatitude eterna. Mas, insistir-se-á: Que fazer neste segundo turno eleitoral? Voto nulo ou branco? A vitória de Lula é inexorável, e não defendo hoje senão que no mesmo próximo domingo votemos na salvação da nossa própria alma, pedindo-Lhe a Ele, ainda e sempre, “perdão para os que não crêem, não adoram, não esperam e não O amam”.

Não posso contudo deixar de deplorar, com lágrimas amargas, o que nos aguarda com o governo Lula: a pior das ditaduras — a ditadura do ódio elevado à última potência. Do ódio implacável à criaturinha de Deus que brota já espiritual no ventre da mulher; do ódio dissoluto ao matrimônio cristão, ao amálgama de carne e osso dos dois sexos, à fidelidade entre os cônjuges como a que se dá entre o Esposo celeste e Sua Igreja; do ódio sem freio à inteligência, à vontade e à verdadeira liberdade, e à Fé, à Esperança e à Caridade, dadas por Deus unicamente para que sirvamos a Sua mesma Santíssima Trindade; do ódio pegajoso ao ser, ao uno, ao verdadeiro, e ao bem, e pois ao belo. Ao pulchru, e ao pulcro. Quê? Estarei eu no “mero” Céu das idéias cristãs? Seja. Que tal então isto: “Viva Lula, Chávez y Fidel”, cartaz visto na manifestação promovida em Caracas pelo presidente venezuelano Hugo Chávez, comunista, contra a oposição, que marchara dias antes contra o seu governo? E “quem sabe” um dia não veremos, em meio ao sangue escorrido pelas ruas do Brasil, um estandarte em homenagem à China dos bebês mortos em cada sarjeta? Afinal, já não tivemos um Bill Clinton a passar ao comunismo amarelo informações sigilosas do mesmo Estado que, após criar Bins Ladens contra o que havia ainda de católico na Europa, perde o controle sobre eles e se vê soterrado das suas próprias torres-de-babel?

24 de outubro de 2002.





* Texto escrito em 2002, pouco antes da vitória eleitoral de Lula.
[1] A afirmação é de Marta Suplicy.
[2] Ainda que muito se tivesse que falar dos problemas e carências dessas mesmas Humanidades.



Fonte: Spes

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