CONSELHOS SOBRE A VOCAÇÃO
CAPÍTULO II
ESTUDO DA VOCAÇÃO
Padre J. Guibert
(Superior do Seminário do
Instituto Católico de Paris)
edição de 1937
Disposições necessárias para
estudar a vocação
33. — Estais para começar este
importante estudo da vocação. Para fazê-lo com fruto, três disposições são
necessárias: o espírito de oração, a indiferença e o ânimo da vontade.
34. — Por que motivo a oração?
Todas as luzes nos vêm de cima. Portanto, em todas nossas dificuldades devemos
procurar a luz do lado do céu. Enquanto Deus, como um sol divino, não se
levanta acima do horizonte de nossa alma, ela permanece como que envolvida em
espessas trevas. Em que negócio a luz de Deus poderia ser-nos mais
necessária do que na escolha de um estado de vida?
Porque o negócio consiste então
em descobrir qual é a vontade de Deus a nosso respeito. Este segredo, Deus o
leva no fundo de Seu Coração e não o revela senão aos que o pedem pela oração.
Oh! como Ele deseja iluminar-vos, como Ele quer dizer-vos a palavra do enigma
de vosso destino, como gosta de declarar-vos, quanto antes, que vos reservou um
lugar de predileção nas fileiras de seu exército de elite, de sua guarda de
honra! mas está com a resolução de não revelar todo o segredo se não o
solicitardes. Já enunciou as primeiras sílabas deste segredo nas palavras
misteriosas que vos ecoaram fundo na consciência e vos despertaram tantos
sentimentos no coração; mas não acabará seu discurso se não o constrangerdes a
descobri-lo até o fim.
«Batei e a porta vos será
aberta,» diz Ele, no Seu santo Evangelho. É pela oração que podereis bater na
porta de Deus. Até obterdes uma resposta, não vos canseis de importuná-lO. De
manhã e de noite, muitas vezes também durante o dia, interrogai-O? «Mostrai-me,
Senhor, o caminho em que devo entrar.» Fazei intervir a onipotente influência
de Maria Santíssima; nesta intenção rezai o terço todos os dias. Retirai-vos
mesmo durante alguns dias, em um lugar silencioso; longe de qualquer agitação,
rezareis melhor, escutareis mais atentamente. Nenhuma prática é mais eficaz do
que o retiro para descobrir a vontade de Deus. Pedi as orações dos que vos
amam; o céu tem prazer em não ceder senão diante desta santa violência da
oração que se adianta como um exército em ordem de batalha.
Não acrediteis porém que para
atender a vossa oração, Deus há de enviar-vos um anjo visível que vos trace o
caminho. Atender-vos-á sem milagre, dispondo vosso coração e dirigindo vossos
conselheiros de modo tal que façais com felicidade o que Ele decretou para vós.
35. — Quando se fala em
indiferença, não se entende aquele descuido de uma alma que não toma nenhum
interesse na questão de sua vocação, que não quer experimentar nenhuma
inclinação de preferência a outra. Tal descuido é próprio de uma alma leviana e
não de uma alma séria: tal alma não procura seu norte para segui-lo depois, mas
deixa-se virar para qualquer lado como o insignificante catavento ao menor
sopro; tal alma não é atraída pela luz de Deus, antes delia foge.
A indiferença que se deve trazer
no estudo da vocação, é uma dependência absoluta da vontade de Deus. Se
começardes um retiro para examinar o caminho que deveis seguir, não deveis
dizer: «Custe o que custar, quero absolutamente entrar na religião: fora dali
nenhuma outra carreira me é possível; tudo está perdido para mim se vier a
perder este caminho.» Não direis nem tão pouco: «A vida religiosa não é lá
comigo; tenho demais relações que me prendem ao mundo para que possa
quebrá-las; muitos sacrifícios me seriam impostos, não teria bastante coragem
para aceitá-los.»
Em lugar de tais decisões,
tomadas de antemão, antes de qualquer exame, deveis estar na disposição
seguinte: «Ao começar este estudo, este retiro, abandono-me completamente à
vontade de Deus, tal como há de me ser manifestada por meu diretor. Se for preciso
renunciar a meus desejos de vida religiosa, estou pronto a ficar no mundo onde
hei de trabalhar tanto quanto for necessário para me criar uma posição: mas de
nenhum modo quero arrebatar um lugar que não me fosse destinado. Pelo
contrário, se eu souber que minha vocação é séria, que devo segui-la, nada será
capaz de me deter: quebrarei todos os vínculos, pisarei aos pés todos os
prazeres, renunciarei a adquirir riquezas, entregarei nas mãos de Deus todo meu
ser perfeitamente livre.»
36. — Uma alma precisa de muita
coragem para se estabelecer nesta santa disposição de indiferença. A pobre
natureza humana gosta de agitar-se; aquietá-la, reduzi-la ao silêncio,
submetê-la ao jugo da obediência a Deus, é o trabalho de uma grande energia de
caráter.
Corajoso para permanecer
indiferente, deveis sê-lo também para executar a decisão que foi tomada. Diante
de uma decisão, não sejais nem hesitante, nem pusilânime.
Certos espíritos inconstantes
nunca podem resolver coisa alguma: gastam as forças em discutir o pró e o
contra; nas mãos deles a balança oscila sempre; apenas parece pender para um
lado, que põem logo o dedo para que penda do outro lado. São muito para
lastimar porque perdem os melhores anos da vida em hesitações estéreis,
discutindo sempre a respeito do melhor modo de trabalhar; na realidade nunca
trabalham. Se observardes em vós tal hesitação, pedi a vosso diretor que tenha
a bondade de dar-vos uma decisão categórica e vos obrigue a segui-la sem
discussão.
37. — Outros hesitam apenas por
pusilanimidade, por falta de coragem. — Quando o diretor lhes declara que não
têm vocação, estão tremendo diante das consequências: se já tiverem entrado em
algum noviciado, estão com vergonha de voltar para traz, receiam por respeito
humano; os trabalhos da vida, no mundo, os espantam; as incertezas de uma nova
carreira os perturbam; seria tão fácil continuar a jornada em um caminho que
estão apreciando desde tanto tempo! — Quando o diretor lhes diz que sua vocação
é séria e é preciso segui-la quanto antes, entram a inquietar-se, a calcular, a
ficar com medo: como anunciar a notícia à família e sustentar o assalto de
todos? Depois como vai ser duro deixar tudo, família, amigos, renunciar a
projetos tão caros, sacrificar tantos prazeres inocentes sepultar-se no túmulo de
um noviciado ou de um seminário! Como desconhecem as alegrias que os esperam na
vida religiosa, compreende-se que hesitem em atravessar a barreira que há de
separá-los do mundo. Mas se soubessem!...
Tende confiança, jovem amigo, e
armai-vos da oração para vencer qualquer hesitação: o que Deus vos disser,
fazei-o; no caminho que vos indicar, entrai sem receio.
Fonte: A Grande Guerra
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