sexta-feira, 21 de junho de 2013

Exercícios Espirituais para Crianças - Pecado (Primeira parte)




Fr. Manuel Sancho, 
Exercícios Espirituais para Crianças
1955

PARTE PRIMEIRA
A conversão da vida do pecado à vida da graça
(Vida Purgativa. — 1.ª semana)



O PECADO

1. O pecado impede que alcancemos o nosso fim último. — 2. Pecado dos anjos; pecado de Adão, penas de ambos. Pena de um só pecado mortal. — 3. Cristo morre por causa do pecado. — 4. Pecados pessoais: sua malícia. — 5. Condições para o pecado. — 6. Pecado mortal, pecado venial. — 7. Horror ao pecado.


1. — Já estais convencidos de que tendes de alcançar o vosso fim último, que e Deus; mas, para alcançar um fim é preciso empregar os meios. Estes meios são de duas classes: uns, a que podemos chamar negativos, consistem em tirar os obstáculos para chegar ao fim; outros, a que chamaremos positivos, consistem em exercitar-se diretamente na consecução do fim. Com um exemplo me entendereis.

Queremos fazer uma viagenzinha a um sítio pitoresco. O automóvel já está preparado: os desejos não faltam; o dia bonito convida; mas, como choveu muito, há depressões na estrada, e até funduras, e mesmo, em certos trechos, ela se encontra obstruída por desprendimentos de terra e pedras. Há que percorrer o caminho com ancinhos e enxadas, preencher depressões e funduras, e tirar terra e pedras. Até agora não caminhamos nada; apenas tiramos os impedimentos para caminhar. Estes meios que empregamos antes de empreender a viagem são aqueles a que eu chamo negativos.

Agora vem a verdadeira viagem. Pomos gasolina no automóvel; começam a ouvir-se as explosões intermitentes do motor; o auto anda devagar, depois segue mais depressa, corre, voa afinal. Graças ao mecânico inteligente que sabe dirigir bem o auto, fazem-se bem as curvas; há os seus perigos, mas evitam-se. Ficam atrás ruas, casas, veículos. E eis já estamos no meio da bela natureza. Assim são os segundos meios para alcançar o nosso fim, Deus. Estes meios são a prática das virtudes. Os primeiros meios eram suprimir dificuldades, não cometer pecados, que são os obstáculos do caminho que a Deus conduz, as depressões, os afundamentos do caminho. Uma vez pronto esse caminho evitando-se os pecados, vem o correr em asas da graça divina, deixando atrás a cidade, a Babilônia dos vícios, as más recordações, os pecados cometidos. Pomos gasolina no motor, que é como encher o coração de propósitos de sermos muito bons, prontos a cumprir os nossos deveres, e começamos a caminhar guiados por um bom piloto, que é o confessor, o pároco, o sacerdote, que com os seus bons conselhos rios leva pelo caminho de Deus.

Agora não vos vou falar dos deveres positivos, das virtudes: fá-lo-ei na segunda parte, ao tratar da imitação de Cristo. Falar- vos-ei dos defeitos, dos pecados que deveis evitar para chegardes a Deus.

2. — Para compreenderdes que temível mal é um pecado, pensai nas penas com que Deus o castiga, e daí o deduzireis.

Já sabeis que no princípio do mundo Deus havia criado uma multidão de anjos. Al­guns deles, a cuja frente estava Lúcifer, ensoberbeceram-se, ergueram-se com orgulho contra Deus e lhe disseram: “Não te serviremos”. Pecado de soberba, pecado horrível que Deus castigou imediatamente. Daquelas alturas do firmamento onde revoluteavam aqueles anjos rebeldes, Deus precipitou-os como um raio nos profundos abismos do inferno, e, nesse lugar onde todo horror e toda dor espantosa têm a sua morada, aí se revolvem em eterno sofrimento aqueles anjos caídos por um só pecado que cometeram.

E eram anjos belíssimos, as criaturas mais perfeitas que Deus havia feito, e cometeram só em pensamento um pecado de rebelião contra Deus, e cometeram-no num instante... Apesar de tudo isso, imediatamente após haverem pecado Deus os some para sempre no abismo do inferno. Oh! que mal imenso deve ser o pecado, para que Deus assim o castigue!

Agora volvei a consideração a Adão e Eva no Paraíso. Eles eram felizes, imersos na graça santificante que os fazia dignos da glória, sem concupiscência, sem dores, gozando daquela perene primavera do Paraíso, aurora bela do belíssimo dia da glória prometida. Mas Deus proibiu-lhes que comessem da fruta do bem e do mal. Eva comeu-a, deu-a a Adão; desobedeceram, pecaram... O castigo não se fez esperar. Eles perderam a inocência, perderam a graça; foram expulsos do Paraíso, e atravessaram errantes a vida, no meio de penas e de trabalhos.

Ouvi uma parábola de Jesus Cristo que explica o estado em que o homem ficou pelo pecado original (Lc 10, 30): “Um homem descia de Jerusalém para Jericó e caiu em mãos de ladrões, que o despojaram de tudo, o cobriram de feridas e se foram embora, deixando-o semimorto. Descia casualmente pelo mesmo caminho um sacerdote, e, embora o tendo visto, passou de largo. Igualmente um levita... Mas um transeunte de nacionalidade samaritana chegou até onde ele estava e, vendo-o, moveu-se de compaixão. E, achegando-se, atou-lhe as feridas, banhando-as com azeite e vinho; e, montando-o na sua cavalgadura, conduziu-o à estalagem e tomou cuidado dele”.

Este homem é Adão, que caiu em mãos de ladrões, isto é, em mãos do pecado que ele cometeu. Este pecado despojou-o das riquíssimas vestes da graça que o fazia filho de Deus e merecedor do céu, deixando o pecador escravo de Satanás e merecedor do inferno; ele ficou malferido com paixões insaciáveis, sujeito à morte, ao passo que, se não houvesse pecado, seria imortal. Somente Cristo, representado no bom samaritano, pôde salvá-lo. Terríveis são os males de um só pecado. E o pior é que se transmite a todos os homens esse pecado original, pois nós todos nascemos em pecado, o qual, é verdade, nos é tirado pelo batismo, mas ficam-nos as outras marcas que Adão nos legou: paixões, inclinação para o mal, enfermidades, morte, ignorância... E, se nos descuidamos e a isso acrescentamos pecados pessoais graves, temos morte eterna. Tal é a triste herança que nossos primeiros pais nos legaram por um só pecado.

Que efeitos terríveis os que nós, seus descendentes, sofremos por esse único pecado que eles cometeram! Tristezas, enfermidades, paixões, graça original perdida, embora recuperada pelo batismo...; guerras, pestes, a própria morte... Toda esta cadeia de calamidades e de misérias é efeito de um só pecado.

Ouvi mais e estremecei. Sabeis qual é a pena de um só pecado mortal que um menino pode cometer? É o inferno. E que é o inferno? Não saberei descrevê-lo tal como ele é, e penso falar-vos dele mais extensamente noutro exercício. Agora apenas vos direi que o inferno é uma cova fundíssima cheia de chamas, e nelas estão os demônios e condenados revolvendo-se e entrechocando- se em terrível torvelinho, como os legumes fervendo na panela. Ali estarão queimando-se eternamente, sem jamais morrerem, porque assim o exige a justiça de Deus, E tudo por um só pecado mortal. Meu Deus, que terrível mal não deve ser o pecado, se Deus o castiga com tal inferno!

E Deus pode castigar assim por um só pecado mortal? Sim, pode, e muitas vezes o castiga. Lembra-me o caso que contam de um menino de oito anos que cometeu um só pecado mortal de pensamento e foi condenado ao inferno por esse único pecado. Terrível castigo, porém justo, pois Deus nunca castiga mais do que merecemos; antes, se em alguma coisa se excede, é na Sua misericórdia.


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