CAPÍTULO VIII
E DEPOIS DESTE DESTERRO, MOSTRAI-NOS
JESUS, BENDITO FRUTO DO VOSSO VENTRE.
I - Maria livra do inferno a seus
devotos.
1-
Um
verdadeiro devoto de Maria não se perde
É impossível
que se perca um devoto de Maria, que fielmente a serve e a ela se encomenda. À primeira
vista talvez pareça um tanto ousada esta preposição. Antes, porém, que seja
rejeitado peço se leia o que a respeito eu vou apresentar.
Afirmo
que é impossível perder-se um devoto da Mãe de Deus. Não me refiro àqueles que
abusam dessa devoção para pecarem com menos temor. Desaprovam alguns que muito
se celebrem as misericórdias de Maria para com os pecadores, dizendo que estes
dela abusam para mais pecarem. Mas, injustamente, o desaprovam. Pois esses
presumidos, por esta sua temerária confiança, merecem castigo e não
misericórdia.
Falo tão
somente daqueles devotos de Maria que, ao desejo de emenda, unem a perseverança
em obsequiá-la. Quanto a estes repito, é moralmente impossível que se percam. O
mesmo afirma o Padre Casset em seu livro sobre “A verdadeira devoção à Virgem
Maria”. E antes já o afirmaram Vega em sua Teologia Mariana, Mendoza e outros
teólogos. Que não falaram irrefletidamente, vê-lo-emos pelas afirmações dos
Doutores e dos santos. Ninguém se admire à vista de tantas sentenças uniformes
dos autores. Quis referi-las todas, a fim de provar o acordo geral dos
escritores sobre este ponto.
2-
A devoção a Maria é penhor de eterna
bem-aventurança
É impossível
salvar-se quem não é devoto de Maria e não vive sob sua proteção, diz S. Anselmo,
e também é impossível que se condene quem se encomenda à Virgem, e por ela é
olhado com amor. Quase com os mesmos termos isso confirma S. antonino. Não podem
salvar-se aqueles , escreve o santo, dos quais Maria tem afastado seus misericordiosos
olhos; mas salvam-se necessariamente os que por ela são vistos com amor e
protegidos por sua intercessão. Repare-se, porém, na primeira parte desta
preposição e tremam aqueles que fazem pouco caso da devoção à Mãe de Deus, ou
que a abandonaram por negligência. Estes
santos afirmam que não há possibilidade de salvação para quem não é amparado
por Maria. A mesma coisa asseveram outros, como S. Alberto Magno: Todos que não
são vossos servos hão de perder-se, ó Maria. E S. Boaventura: Aquele que se
descuida de servir à Santíssima Virgem morrerá em pecado. Em outro lugar: quem
a vós não recorre, Senhora, não entrará no paraíso. No Salmo 99 de seu Saltério
Mariano chega até a dizer que não só não se salvará, mas que nem esperança de
salvação terá aquele do qual Maria aparta o seu rosto. E primeiro o disse o
Pseudo-Inácio, mártir, afirmando que não pode salvar-se um pecador senão por
meio da Santa Virgem, cuja misericordiosa intercessão salva muitíssimos que
deveriam ser condenados pela justiça divina. O abade Celes repete essas
palavras.
É nesse
sentido que a Igreja aplica a Maria esta passagem dos Provérbios (8,36): Todos
os que me odeiam amam a morte eterna. Sobre o texto: “Ela é semelhante ao navio
de um mercador” (Pr 31,14), diz Ricardo de S. Lourenço: Todos os que não
estiverem a bordo desse navio serão submergidos no mar deste mundo. Até o
protestante Ecolampádio tinha por indício certo de reprovação a pouca devoção à
Mãe de Deus.
Por outro
lado, diz Maria: Aquele que me serve não será condenado (Eclo 24,30). Quem a
mim recorre e ouve minhas palavras não se perderá. Pelo o que diz S.
Boaventura: Senhora, quem se esforça por servir-nos está longe da condenação. É
isso acontecerá, afirma o Pseudo-Hilário, ainda que no passado tenha alguém
ofendido muito a Deus.
Por isso
o demônio trabalha para que os pecadores, depois de perderem a graça de Deus,
pecam também a devoção de Maria. Observando Sara que Isaac ia pegando os maus
costumes de Ismael, com quem brincava, pediu a Abraão que expulsasse este e
também sua mãe Agar. “Expulsa a escrava com seu filho!” Não se contentou em
mandar embora o filho. Exigiu que se expulsasse também a mãe. Pois imaginou
que, se esta ficasse, a cada passo o filho viria a casa para vê-la. Da mesma
forma o demônio não se contenta com ver uma alma separar-se de Jesus Cristo. Quer
também vê-la separada da Mãe de Jesus. “Expulsa a escrava com seu filho!”. Pois
teme a Mãe com seus rogos reconduza o Filho a essa alma. E é com razão que o
teme, porquanto, afirma Pacciucchelli, não tarda a encontrar a Deus quem é fiel
em obsequiar a Mãe de Deus.
Salvo-conduto
que nos livre do inferno é, por isso, o acertado nome que S. efrém dá à devoção
a Maria. Segundo S. germano, é Maria a protetora dos condenados. Realmente, é
certo e fora de dúvida que a Maria, conforme a sentença de S. Bernardo, não lhe
falta poder nem vontade para nos salvar. Tem poder porque é impossível ficar
desatendida uma sua oração, garante-nos S. Antonino. Ou, como diz S. Bernardo,
seus rogos ficam jamais sem resultado, mas sempre alcançam o que pretende. Tem vontade
de salvar-nos, porque como Mãe deseja nossa salvação mais do que nós a
desejamos. Ora, assim sendo, como poderá perder-se um final devoto de Maria? E ainda
que seja pecador, salvar-se-á, se com perseverança e propósito de emenda, se
encomendar a essa boa Mãe. Ela o levará ao conhecimento de seu miserável
estado, ao arrependimento de seus pecados. Obter-lhe-á perseverança no bem e
finalmente uma boa morte. Qual é a Mãe que podendo, com um simples pedido ao
juiz, livrar seu filho da morte, não o
faria? E poderíamos nós pensar que Maria, tão devotada Mãe para com seus
devotos, deixe de livrar um filho da morte eterna, quando lhe é possível e tão
fácil consegui-lo?
Ah! Leitor
piedoso, demos graças ao Senhor, se vemos que nos tem dado afeto e confiança
para com a Rainha do céu. Pois, segundo S. João Damasceno, Deus só faz
semelhante graça a quem quer salvar. Eis as belas palavras com que o Santo
reanima a sua e a nossa esperança: Ó Mãe de Deus, se em vós puser minha
confiança, serei salvo. Se estiver sob vossa proteção, nada tenho a recear
porque a devoção para convosco é uma segura arma de salvação, por Deus
concedida só aos que deseja salvar. Por isso até Erasmo assim saudava a
Santíssima Virgem: Deus vos salve, ó terror do inferno, ó esperança dos
cristãos; a confiança em vós assegura a salvação.
Ligório, S. Afonso de. Glórias de Maria. 11ª Ed. Italiana. Ed.
Santuário.
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