CAPÍTULO IX
Ó CLEMENTE, Ó PIEDOSA
Da grande clemência e piedade de Maria.
1-
Maria é toda clemência e bondade
O autor
dos discursos sobre a Salve Rainha diz que Maia é a terra prometida pelo
Senhor, na qual manava leite e mel. Quer assim mostrar-nos de modo bem
intuitivo a grande bondade dessa Rainha para conosco, miseráveis e deserdados. S.
João acrescenta que Maria tem entranhas de tanta misericórdia, que merece ser
chamada não só misericordiosa, mas a própria misericórdia. Por causa dos
infelizes foi Maria constituída Mãe de Deus e colocada para lhes dispensar
misericórdia, ensina-nos S. Boaventura. Consideram em seguida a imensa
solicitude que ela tem para todos os miseráveis, bem como a sua grande bondade
que acima de tudo deseja socorrer os necessitados. Essa consideração leva o
santo a dizer: Quando olho para vós, ó Maria, parece-me não ver mais a divina
justiça, mas a divina misericórdia somente, da qual estais cheia. Em suma, seu
amoroso coração não pode cessar um momento de ser misericordioso conosco.
E que
outra coisa pode jorrar de uma fonte de piedade, senão piedade? Pergunta S. Bernardo.
Por isso, Maria foi chamada “uma bela oliveira no campo” (Eclo 24,19). Como da
oliveira só sai óleo, símbolo da misericórdia, também só graças e misericórdia
destilam as mãos de Maria.
Temos por
conseguinte, muita razão, para, com Luís da Ponte, chamá-la Mãe do óleo da
misericórdia. Recorrendo, portanto, a essa Mãe para pedir-lhe o óleo da sua
piedade, não podemos temer que no-lo recuse, como o negaram as virgens
prudentes às loucas, dizendo-lhes: Para que não suceda faltar-nos ele a nós e a
vós. Não; porque ela é muito rica desse óleo de piedade, previne Conrado de
Saxônia. Eis a razão porque a Igreja lhe chama não só de prudente, mas de
prudentíssima. Por aí compreendamos, diz Hugo de S. Vitor, que Maria é tão
cheia de graça e de misericórdia, que tem como prover a todos, sem nunca ficar
desprevenida.
Mas
pergunto eu: Por que se diz que esta formosa oliveira está no meio do campo, e
não antes no meio de um jardim bem murado? Ouçamos a resposta do Cardeal Hugo:
Para que possam facilmente contemplá-la e alcançá-la todos os necessitados. S. Antonino
confirma esse belo pensamento ao dizer: Podem todos colher fruto de uma
oliveira que está em campo aberto; e assim podem também todos recorrer a Maria,
pecadores e justos, para obterem misericórdia. Quantos castigos, continua ele,
quantas sentenças e condenações, tem sabido a Santíssima Virgem revogar em
benefício dos pecadores que a ela recorrem! E que mais seguro refúgio, pergunta
o piedoso Tomás de Kempis, podemos encontrar que não o compassivo coração de
Maria? Aí o pobre acha abrigo, consolo o atormentado e socorro o abandonado.
Pobres
de nós, sem essa Mãe misericordiosa, tão atenta e tão prestativa em socorrer
nossas misérias! Onde não há mulher – diz o Espírito Santo – geme e padece o
enfermo (Eclo 36,27). A mulher é
justamente Maria, conforme atesta S. João Damasceno. Sem ela só há sofrimento
para o enfermo. Realmente, querendo Deus que todas as graças se dispensem pelos
rogos de Maria, onde eles faltam não haverá esperança de misericórdia. Tal foi
a revelação que o próprio Senhor fez à S. Brígida.
Tememos
talvez que Maria não veja ou não queira aliviar nossas misérias? Não: melhor do
que nós, delas tem ciência e compaixão. Cita-me um santo que como Maria tanto
se compadeça de nossas misérias! Ordena S. Antonino. Onde vê misérias, não lhe
sofre o coração deixá-las sem alívio de sua grande misericórdia. Essa sentença
de Ricardo de S. Vitor é confirmada por Mendoza: Ó Virgem bendita, dispensais
as mãos cheias vossa misericórdia, por toda parte onde descobris necessidades. E
nossa boa Mãe nunca se cansa nesse ofício de misericórdia, como ela mesma o
confessa: E não deixarei de ser em toda a sucessão das idades, e exercitei
diante dele o meu ministério na morada santa (Eclo 24,14). O que assim comenta
o Cardeal Hugo: Não deixarei até ao fim do mundo de socorrer as misérias dos
homens, e de rogar pelos pecadores, para que sejam salvos da condenação eterna.
Do imperador
Tito conta Suetônio que tinha muito prazer em conceder as graças que se lhe pediam.
No dia em que não tinha ocasião de conceder algumas, lastimava-se, dizendo:
Hoje foi um dia perdido para mim. Tito assim falava, provavelmente, mais por
vaidade ou por ambição de estima que por verdadeira caridade. Nossa Rainha,
porém, se possível lhe fosse passar um dia sem dispensar algum favor,
julgá-lo-ia perdido, tão grande é sua caridade, o seu desejo de espalhar
benefícios. E até afirma o B. Bernardino de Busti, ela tem mais ânsia de nos
fazer favores, do que temos desejo de os receber. Por isso, continua o
sobredito autor, sempre que a invocamos, a encontramos com as mãos cheias de
misericórdia e liberalidade.
Figura
de Maria foi Rebeca que, ao pedir-lhe água o servo de Abraão, respondeu que
daria de beber não só a ele, mas também aos seus camelos (Gn 24,19). S. Bernardo,
ponderando isso, volta-se para Maria e lhe diz: Ó Senhora, da plenitude do
vosso cântaro daí de beber não só ao servo de Abraão, como aos seus camelos
também. Com outras palavras quer o santo dizer: Ó Senhora, sois mais compassiva
e liberal que Rebeca; não vos contentais em dispensar as graças da vossa imensa
misericórdia aos servos de Abraão, figura dos que vos servem fielmente, mas
quereis ainda concedê-las aos camelos que representam os pecadores. Como Rebeca,
dá Maria mais do que se lhe pede. Nisso de liberalidade, diz Ricardo de S. Lourenço,
tem a Mãe semelhança com o Filho, que, na frase de S. Paulo, “é pródigo de
graças para todos os que o invocam” (Rm 10,12). Como acertou Guilherme de Paris
ao exclamar: Senhora, rogai por mim, porque vós pedireis com mais devoção do
que eu, e me alcançareis assim de Deus graças maiores do que quantas eu mesmo
peça!
Ligório, S. Afonso de. Glórias de Maria. 11ª Ed. Italiana. Ed. Santuário
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