Capítulo I
Salve Rainha, Mãe de Misericórdia.
I.
Nossa
confiança em Maria deve ser ilimitada porque ela é Rainha de Misericórdia
2- Maria é Rainha de
Misericórdia
Maria é,
pois, Rainha. Mas saibamos todos, para nossa consolação nossa, que é uma Rainha
cheia de doçura e de clemência, sempre inclinada a favorecer e fazer bem a nós
pobres pecadores. Quer por isso a Igreja a saudemos nesta oração com o nome de
Rainha de Misericórdia. O próprio nome de rainha, considera S. Alberto Magno,
denota piedade e providência para com os
pobres, enquanto que o de imperatriz dá ares de severidade e rigor. A magnificência
dos reis e das rainhas consiste em aliviar os desgraçados, diz Sêneca. Enquanto
que os tiranos governam tendo em vista apenas seu interesse pessoal, devem os
reis procurar o bem de seus vassalos. Por isso na sagração dos reis se lhe unge
a testa com óleo. E o símbolo da misericórdia e benignidade de que devem estar
animados para com seus súditos.
Devem, pois,
os reis principalmente empregar-se nas obras de misericórdia, mas sem omitir,
quando necessária, a justiça para com os réus. Não assim Maria. Bem que seja
Rainha, não é rainha de justiça, zelosa do castigo dos malfeitores. É Rainha de
Misericórdia, inclinada só à piedade e ao perdão dos pecadores. Por isso quer a
Igreja que a chamemos de Rainha de Misericórdia.
Eu ouvi – diz
o Salmista – estas duas coisas: que o poder é de Deus e que é vossa a
misericórdia (Sl 61, 12, 13). Considerando o afamado chanceler de Paris, João
Gerson, as palavras de Davi, disse: Considerando o reino de Deus na justiça e
na misericórdia, o Senhor o dividiu: o reinado da justiça reservou-o para si, e
o reinado da misericórdia o cedeu a Maria. E o Senhor ordenou que pelas mãos de
Maria passariam, e a seu arbítrio seriam conferidas todas as misericórdias
dispensadas ao homem.
[...]
O Eterno Pai
constituiu Jesus Cristo Rei de justiça e fê-lo por conseguinte Juiz universal do
mundo. Vem daí a exclamação do salmista: Daí, ó Deus, ao rei a vossa equidade,
e ao filho do rei vossa justiça (Sl 71,2). Pelo o que diz um douto intérprete:
Senhor deste a vosso Filho a justiça, porque â mãe do Rei entregastes a misericórdia
[...]. Por isso profetizou o mesmo profeta Davi, que o próprio Deus (por assim
dizer) consagrou Maria Rainha de Misericórdia, ungindo-a com óleo de alegria. “Por
isso te ungiu o teu Deus com óleo de alegria” (Sl 44, 8). E isso para que todos
nós, miseráveis filhos de Adão, nos alegrássemos considerando que temos no céu
esta Rainha toda cheia de unção, misericórdia e piedade para conosco, observa
Conrado de Saxônia.
Muito bem
aplica S. Alberto Magno a este propósito a história da rainha Ester, que foi
figura de Maria, nossa Rainha. No cap. 4 do livro de Ester se lê que, reinando
Assuero, saiu um decreto condenando à morte todos os judeus. Então Mardoqueu,
que era um dos condenados à morte, recomendou a sua salvação a Ester. Pediu-lhe
que interpusesse o seu valimento junto ao rei, a fim de que revogasse a
sentença. A princípio Ester recusou fazer este favor, temendo irritar ainda
mais Assuero. Repreendeu-a Mardoqueu, mandando-lhe dizer que não pensasse só em
salvar-se a si, pois o Senhor a tinha posto sobre o trono para obter a salvação
de todos os judeus (Est 4, 13). Essas palavras de Mardoqueu a Ester, nós, pobre
pecadores, podemos repeti-las a Maria, nossa Rainha, se ela em algum tempo se
recusar alcançar-nos de Deus o perdão do castigo, de nós bem merecido. Não cuideis,
Senhora, que Deus vos elevou a Rainha do mundo só para o bem vosso. Se tão grande
vos fez, é para que mais vos compadecêsseis, e melhor pudesse socorrer nossas
misérias.
Assuero,
quando viu Ester na sua presença, lhe perguntou com agrado o que lhe vinha
pedir: Qual o teu pedido? Respondeu-lhe a rainha: Meu rei, se em algum tempo
achei graça em teus olhos, dá-me o meu povo, pelo qual te rogo (7,3). E Assuero
a ouviu e atendeu, ordenando logo que se revogasse a sentença. Ora, se Assuero,
por amor a Ester, lhe concedeu a salvação dos judeus, como poderá Deus, cujo
amor por Maria é sem medida, deixar de ouvi-la quando pede pelos pobres
pecadores, que a ela se recomendam? Se em algum tempo achei graça em teus
olhos, dá-me o meu povo – repete-lhe a Virgem Santíssima. Bem sabe a divina Mãe
que é bendita e bem-aventurada, que é a única entre as criaturas que achou a
graça perdida pelos homens. Bem sabe que é a predileta de Seu Senhor, por ele querida acima de todos os anjos e
santos. Se me amais, Senhor – diz-lhe então – dai-me estes pecadores pelos
quais Vos rogo. E é possível que o Senhor a deixe desatendida? Quem ignora o
poder das preces de Maria junto de Deus? A lei da clemência está em sua língua,
diz o Sábio (Pr 31,26). Toda súplica sua é como uma lei estabelecida pelo
Senhor, para que se use de misericórdia com todos aqueles por quem Maria
intercede. O autor dos Sermões sobre a Salve Rainha indaga por que motivo a
Igreja intitula Maria Santíssima Rainha de Misericórdia. E responde: Para que
acreditemos que Maria abre o oceano imenso da misericórdia de Deus a quem quer,
quando quer, e como quer. Pelo que não há pecador, nem o maior de todos, que se
perca, se Maria o protege.
Ligório, Santo Afonso de. Glórias
de Maria. Versão 11ª, edição italiana, Editora Santuário.
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