Parece
que Cristo não devia ser
circuncidado.
1.
— Pois, a realização da verdade elimina o que a prefigurava. Ora, a circuncisão
foi ordenada a Abraão como sinal da aliança que devia provir da sua raça, como
se lê na Escritura. Ora, essa aliança se cumpriu com a natividade de Cristo.
Logo, devia ter feito desde logo cessar a circuncisão.
2.
Demais. — Toda ação de Cristo serve de instrução para nós. Donde o dizer o
Evangelho: Eu dei-vos o exemplo, para que como eu vos fiz, assim façais vós
também. Ora nós não devemos ser circuncidados, conforme ao dito do Apóstolo: Se
vos faz eis circuncidar, Cristo vos não aproveitará nada. Logo, parece que
também Cristo não devia ser circuncidado.
3.
Demais. — A circuncisão foi ordenada como remédio do pecado original. Ora,
Cristo não contraiu o pecado original, como do sobredito resulta. Logo, Cristo
não devia ser circuncidado.
Mas,
em contrário, o Evangelho: Depois que foram cumpridos os oito dias para ser
circuncidado o menino.
SOLUÇÃO.
— Por várias causas Cristo devia ser circuncidado. — Primeiro, para
demonstrar que se tinha verdadeiramente encarnado, contra Maniqueu, que dizia
ter sido fantástico o corpo de Cristo; e contra Apolinário, que dizia ser o
corpo de Cristo consubstancial com a divindade; e contra Valentiniano, que
dizia ter Cristo trazido do céu o seu corpo. — Segundo, para que
aprovasse a circuncisão, que Deus outrora instituíra. — Terceiro,
para provar que era da raça de Abraão, que recebera o mandado de circuncisão em
sinal da fé que tinha na vinda de Cristo. — Quarto, para tirar aos
judeus a ocasião de não o receberem, se fosse incircunciso. — Quinto,
para os recomendar, com o seu exemplo, a virtude da obediência. Por isso foi
circuncidado no oitavo dia, como estava preceituado na lei. — Sexto, para
que, quem se revestiu da semelhança da carne de pecado, não rejeitasse o remédio
habitual de purificar essa carne pecaminosa. — Sétimo, para que,
suportando sobre si todo o peso da lei, nos libertasse dele, segundo àquilo do
Apóstolo: Enviou Deus a seu Filho feito sujeito à lei; a fim de servir aqueles
que estavam debaixo da lei.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A circuncisão, feita pela remoção deuma
película carnal no membro da geração, significava a liberação da antiga
geração, da qual nos libertamos pela paixão de Cristo. Por onde, a verdade
dessa figura não foi plenamente realizada na natividade de Cristo; mas na sua
paixão, antes da qual a circuncisão tinha a sua virtude e a sua razão de ser.
Por isso convinha Cristo, antes da sua paixão, ser circuncidado, como filho de
Abraão.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — Cristo recebeu a circuncisão no tempo em que ela era de preceito.
Por onde, a sua ação devemos nós imita-la, observando o que em nosso tempo é de
preceito; pois, todas as coisas têm seu tempo e sua oportunidade, como diz a
Escritura.
Além
disso, diz Orígenes: Assim como morremos com a morte de Cristo e ressurgimos
com a sua ressurreição, assim também por Cristo recebemos a circuncisão
espiritual. Por isso não precisamos da circuncisão carnal. E tal é o que diz o
Apóstolo: Nele, isto é, em Cristo, é que vós estais circuncidados de
circuncisão não feita por mão de homem no despojo do corpo da carne, mas sim na
circuncisão de Cristo"
RESPOSTA
À TERCEIRA. — Cristo, que não tinha nenhum pecado sofreu por nós, de vontade
própria, a morte, que é o efeito do pecado, para nos livrar dela e fazer-nos
morrer espiritualmente para o pecado. Assim também sujeitou-se à circuncisão,
remédio do pecado original, sem que tivesse esse pecado, para nos livrar dojugo
da lei e produzirem nós a circuncisão espiritual, de modo que realizasse a
verdade, abolindo a figura.
(Suma Teológica, Parte III, quest. 37, art. 1)
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