Primeira palavra de Jesus Cristo na cruz:
Pater, dimitte
illis: non enim sciunt quid faciunt
“Pai, perdoai-lhes; pois não sabem o que
fazem”
(Luc. 23, 34).
I. Ó ternura do amor de Jesus Cristo para com os homens! Os judeus, depois de O
pregarem na cruz, injuriam-No, insultam-No e prorrompem em blasfêmias; e Jesus,
entretanto, que faz? Jesus, diz Santo Agostinho, não cuida tanto nos ultrajes
que recebe da parte daquele povo, como no amor que O faz morrer para o salvar;
e por isso, ao mesmo tempo que é injuriado pelos seus inimigos, volve-se ao
Eterno Pai, pede perdão para eles e procura desculpar o crime nefando pela
ignorância: Pai, perdoai-lhes; porque não
sabem o quer fazem.
“Ó maravilha!” exclama São Bernardo; “Jesus Cristo pede perdão e os judeus gritam crucifige — crucifica-O.” E São Cipriano acrescenta: Vivificatur Christi sanguine qui effudit sanguinem Christi — “Recebem a vida pelo sangue de Cristo, aqueles mesmos que derramaram o sangue de Cristo”. Na sua morte, tinha o Senhor tamanho desejo de salvar a todos, que não deixa de fazer participar dos méritos de seu sangue àqueles mesmos que Lho extraem das veias à força de tormentos. Numa palavra, como diz Arnoldo de Chartres, ao passo que os judeus trabalham para se condenarem, Jesus Cristo se empenha em os salvar.
E não ficaram improfícuos os seus empenhos; pelo que, sendo mais poderosa para com Deus a caridade do Filho, do que a cegueira daquele povo ingrato, a oração de Nosso Senhor moribundo fez, como escreve São Jerônimo, que no mesmo momento muitos judeus abraçassem a fé; e, na opinião de São Leão, os milhares de judeus que se converteram pela pregação de São Pedro, foram o fruto da oração de Jesus Cristo.
Mas dirá alguém: Porque é que Jesus rogou ao Pai que lhes perdoasse, já que Ele mesmo lhes podia perdoar as injúrias? Responde São Bernardo que assim nos quis ensinar a orar pelos que nos perseguem. Por isso Santo Agostinho conclui: “Cristão, olha o teu Deus pendurado na cruz; ouve como roga pelos que O crucificaram e depois atreve-te a recusar o perdão ao irmão que te ofendeu”.
II. Cada vez que o pecador peca gravemente, diz São Paulo, pelo que depende dele calca aos pés o Filho de Deus, profana e despreza o seu sangue (1) e chega a renovar a sua paixão e morte: Rursum crucifigentes sibimet ipsis Filium Dei (2) — “Outra vez crucificam Jesus Cristo para si próprios”. — Naquela oração que Jesus Cristo fez por seus crucificadores, abrangeu o Senhor, pela sua divina providência, todos os pecadores e a nós particularmente. Eis porque podemos confiadamente dirigir-nos a Deus e dizer-lhe: Pater, dimitte! — Pai, perdoai-me!
Ó Pai Eterno, escutai a voz de vosso amado Filho, que Vos pede que me perdoeis. É verdade que o perdão é obra de misericórdia para conosco, visto que não o merecemos; mas é obra de justiça para com Jesus Cristo, que satisfez superabundantemente pelos nossos pecados. Em vista de seus merecimentos não podeis deixar de nos perdoar e de receber em vossa graça àquele que se arrepende das ofensas que Vos fez. Meu Pai, arrependo-me de todo o meu coração e antes quisera ter morrido mil vezes do que Vos ter ofendido.
Meu Deus, não quero ser obstinado como os judeus; quero mudar de vida; em compensação das ofensas que Vos fiz, quero, para o futuro, amar-Vos com mais fervor; e pelos merecimentos de Jesus Cristo, peço-Vos a graça de executar esta minha resolução. — Ó Maria, minha Mãe, sabeis que sou um pobre enfermo, perdido por causa de meus pecados; mas vosso Filho desceu do céu à terra expressamente para se fazer homem em vosso seio, e assim vos fez Rainha de misericórdia e Refúgio dos desesperados, para curar os enfermos e salvar os que estavam perdidos, desde que se arrependam de seus pecados. Curai-me, pois, e salvai-me pela vossa intercessão. (*I 668.)
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1. Hebr. 10, 29.
2.
Hebr. 6, 6.
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações:
Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima Segunda Semana
depois de Pentecostes até o fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder &
Cia, 1922, p. 146 - 149.)
Fonte: São Pio V
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