SOLIDÃO DE JESUS NO ESTÁBULO.
Jesus,
ao nascer, escolheu-se para eremitagem e oratório o estábulo de Belém; quis
nascer fora da cidade, numa caverna solitária, para inspirar-nos o amor da
solidão e do silêncio. Entremos nessa gruta, lá só acharemos solidão e
silêncio: Jesus conserva-se silencioso na manjedoura; Maria e José o adoram e
contemplam em silêncio. Foi revelado à Irmã Margarida do SS. Sacramento, carmelita
descalça, apelidada a Esposa do Menino Jesus, que tudo o que se passou na gruta
de Belém, mesmo a visita dos pastores e a adoração dos Santos Reis Magos se fez
em silêncio.
O
silêncio das outras crianças provém da sua impotência; o de Jesus Cristo foi
uma virtude. Jesus Menino não fala; mas em seu silêncio, que não diz Ele? Oh!
felizes os que se entretém silenciosamente com Jesus, Maria e José nessa santa
solidão do presépio! Os pastores lá passaram poucos instantes e saíram
inflamados de amor para com Deus louvando-o e bendizendo-o. Oh! feliz a alma
que se retira à solidão de Belém para contemplar a divina misericórdia e o amor
que um Deus teve e tem aos homens! Eu a levarei à solidão e falarei a seu
coração. Lá o divino Infante lhe falará não aos ouvidos mas ao coração, e a
convidará a amar um Deus que tão ternamente a ama. Ao ver a pobreza desse
encantador eremitazinho que fica na gruta gelada, sem lume, tendo apenas uma
manjedoura por berço e um pouco de palha por leito; ao ouvir os vagidos e ao
ver as lágrimas desse Menino, a inocência mesma; ao refletir que é o seu Deus,
como poderia pensar em outra coisa senão em amá-lo? O estábulo de Belém, eis a
doce ermida para a alma que tem fé.
Imitemos
a Maria e José que, inflamados de amor, contemplam o adorável Filho de Deus
revestido de carne e sujeito às misérias desta vida, o Sábio por excelência
tornado criança sem palavra, o Grande feito pequeno, o Altíssimo tão rebaixado,
o Riquíssimo feito tão pobre, o Todo-poderoso feito fraco. Numa palavra,
vejamos a Majestade divina oculta sob a forma duma criancinha, desprezada e
abandonada por todos, fazendo e sofrendo tudo para se tornar amável aos homens,
e peçamos-lhe a graça de sermos admitidos nessa santa solidão; detenhamo-nos
lá, lá fiquemos e de lá não saiamos mais. “Ó bela solidão, exclama S. Jerônimo,
na qual Deus fala e conversa com as almas que ama”, não como um soberano, mas
como um amigo, como um irmão, como um esposo! Oh! que paraíso, entreter-se a
sós com Jesus Menino na humilde gruta de Belém!
Afetos e Súplicas.
Meu caro Salvador, sois o Rei
do céu, o Rei dos reis, o Filho de Deus; como pois vos vejo nesse estábulo
abandonado de todos? junto de vós só vejo José e vossa santa Mãe. Desejo
juntar-me a eles para vos fazer companhia; não me repilais. Sou indigno disso;
mas considerando-vos parece-me ouvir no fundo do meu coração uma doce voz que
me chama... Sim, venho a vós, ó querido Infante! deixo tudo para ficar a sós
convosco durante toda a minha vida, ó divino Solitário, único amor de minha
alma! Insensato que fui no passado, quando vos abandonei, meu Jesus, e vos deixei
só, para mendigar das criaturas prazeres miseráveis e envenenados; mas agora,
aclarado pela vossa graça, não tenho outro desejo senão de viver solitário
convosco, que quereis viver solitário neste mundo. Ah! quem me dará assas como
as da pomba, e voarei ao lugar do meu repouso. Quem me dará a força de sair
deste mundo, onde tantas vezes encontrei a minha ruína, de fugir, e de ficar
sempre convosco, que sois a alegria do paraíso e o verdadeiro amigo da minha
alma? Senhor, prendei-me a vossos pés, a fim que me não afaste mais de vós, e
tenha a felicidade de vos fazer sempre companhia. Pelos méritos de vossa
solidão na gruta de Belém, concedei-me um contínuo recolhimento interior, fazei
que minha alma se torne como uma cela solitária, onde, unicamente atento em
entreter-me convosco, eu vos submeta todos os meus pensamentos e todas as
minhas ações, vos consagre todos os meus afetos, e vos ame sem cessar,
suspirando pelo momento de sair da prisão do meu corpo para ir amar-vos face a
face no céu. Amo-vos, Bondade infinita, e espero amar-vos sempre no tempo e na
eternidade.
Ó Maria, que tudo podeis,
pedi a Jesus me prenda com as cadeias de meu amor, e não permitais me suceda
perder novamente a sua graça.
(Encarnação, Nascimento e Infância de Jesus Cristo – Santo Afonso
Maria de Ligório)
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