sexta-feira, 18 de julho de 2014

O Divórcio




O divórcio é um princípio de decadência. Entre os velhos romanos... o divorcio triunfa: dissipou-se o respeito que cercava a augusta matrona. Desaparece este ornamento da sociedade romana. A matrona é substituída por mulheres licenciosas que contam os anos, não pelo número dos cônsules, mas pelo número dos seus esposos; que mudam de lar oito vezes em cinco anos; e que vão a enterrar depois de terem passado  pelos braços de vinte e dois maridos

Os dois sexos revitalizam em inconstância e libertinagem. O homem só obedece a sua como quem se desembaraça de uns sapatos que magoam os pés; três rugas na testa, uns dentes com esmalte perdido, uns olhos encovados, uma constipação renitente, qualquer destes motivos era bastante para ele separar-se da companheira da sua vida e mãe de seus filhos. Não se dá mesmo ao trabalho de avisá-la do repúdio, envia-lhe o seu liberto: “Senhora, tome as suas roupas, e parta. Não podemos suportá-la por mais tempo; não cessa de assoar-se. Avie-se, que o tempo corre, e esperamos uma outra com o nariz  em melhor estado...”

Os patrícios permitam entre si. Catão cede sua mulher a Hortênsio; “é costume entre os nobre...” diz um historiador. Já ninguém se casa sem a esperança de divorciar-se; o divórcio é como que um fruto do casamento... Muitas vezes, modifica-se, retoca-se a lei, mas não é possível fazer-se dela coisa diferente de uma lei de adultério. A pudicícia desapareceu com a religião nupcial, e os mesmos homens, as mesmas mulheres que espantavam o mundo com a sua castidade, espantam-no agora com a sua luxúria.


Estas devassas uniões passageiras, tendo todas por móbil o prazer ou o interesse, tornam aborrecido o casamento e aniquilam a vida. A população decresce; e Roma necessita já de soldados válidos para defender-se das invasões dos bárbaros. (Pe. Monsabré, Le mariage chrétien, pg. 116-117).

II – Duas páginas de Paulo Bourget – A srta. Darras, que tão desgraçada fora com o marido, que abandonou, quisera regressar à prática comunhão da sua filha. Procura o padre Euvrard, do Oratório, e, no decorrer da conversa, pensando no que sofrera, revolta-se ainda contra os rigores da Igreja para com o divórcio:
_ Não fale assim, disse-lhe vivamente o oratoriano.
Num gesto institivo, a mão cansada do sacerdote pousara sobre o braço da sua interlocutora, como que a detê-la na blasfêmia.
_ Não pense assim!... Diz a senhora que a lei da Igreja acerca do casamento falta à justiça e à caridade?... Deixa-me fazer-lhe uma comparação, muito vulgar mas também muito clara.

Entra em certo pondo um navio de passageiros, um dos quais quer saltar em terra. Obrigam-no a isso os mais altos interesses morais, e materiais, por exemplo – tornar a ver o pai, moribundo, ou assistir a um processo de que dependa o futuro dos seus. Que sei eu?... Tem-se manifestado casos de peste a bordo, e as autoridades da cidade, receando o contágio, proíbem que desembarque quem quer que seja. Seria justo, seria caritativo, ceder aos rogos do viajante, com risco de contaminar uma cidade de cem mil habitantes? Evidentemente que não. Aqui tem uma circunstância em que a justiça e a caridade exigem o sacrifício do interesse individual ao interesse coletivo. Este princípio domina a sociedade. Entre duas medidas, uma das quais certamente útil à grande maioria e penosa a um determinado indivíduo, e a outra, favorável a esse indivíduo e nociva à grande maioria, a justiça e a caridade querem que predomine a primeira. É o que importa considerar a propósito de qualquer instituição, para termos a medida do seu valor. Ponha a questão assim, neste caso do casamento indissolúvel. Que responde à razão? Que a sociedade se compõe de famílias.

Considera agora as apreciáveis vantagens que o casamento indissolúvel traz às famílias, vantagens de saúde, e de uma séria reflexão antes do compromisso, visto ele ser irrevogável; vantagens de uma coesão mais estreita entre os antepassados, os pais e os filhos, por isso que a descendência comporta menos elementos heterogêneos; vantagens de unidade de espírito dos seus membros e de sequência na tradição. O casamento assim é o agente mais forte desta fixidez dos costumes, fora da qual só há anarquia e febre constante.

Que responde a história, depois da razão? Demonstra que, efetivamente, todas as civilizações superiores tenderam para a monogamia. Ora, o divórcio não é a monogamia, é a poligamia sucessiva. Não quero dar-lhe uma lição de sociologia; mas sabe, não obstante, o que nos diz a estatística? Nos países em que existe o divórcio, o número de criminosos, dos loucos e dos suicidas é proporcionalmente dez vezes mais elevado nos divorciados. De sorte que, por uma pessoa que, como a senhora e algumas outras mais, traz ao divórcio, ou nele conserva todas as delicadezas do seu espírito e do seu coração, a maioria, ou já as tinha corrompidas, ou perdeu-as nele. Regulamentar a sociedade em atenção a uma minoria de prováveis degenerados, é arvorar em norma o que deve lançar-se na conta das depreciações.

Chama a isto um progresso. A ciência dá-lhe o nome de uma regressão... note que nos mantivemos no ponto de vista da observação pura. Quis assim fazer-lhe ver bem de perto a identidade entre a lei da Igreja e a lei da realidade, entre o ensino de experiência e o da Revolução. (Um divórcio, cap. I, pg. 26 – 29).


Hoppenot, Pe. Joseph. Catecismo do Matrimônio

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