sexta-feira, 8 de agosto de 2014

A Partir do Nascimento - Parte I



Capítulo IV

A partir do nascimento 


A íntima solidariedade que une a mãe ao filho, longe de desaparecer quando este vem ao mundo, perpetua-se ainda por muito tempo. Por isso é essencial que a própria mãe se encarregue da educação do filho e só se resigne a confiá-lo a outrem em casos de força maior.
Nunca será demasiada a importância que se der às pri­meiras semanas. Desde o primeiro dia, uma luta silenciosa de domínio começa entre a mãe e o filho. Se cederdes à crian­ça, tereis para sempre ao vosso lado um tiranozinho doméstico diante de quem tudo se deverá curvar, e que a seguir sofrerá cruelmente de um desejo de dominação insaciável, uma vez que não terá sempre junto de si a mãe dedicada e dócil.

Sabei que a educação positiva da criança começa no dia do seu nascimento. Este é um axioma cuja evidência poucos pais admitem.

Habitualmente, os pais “estragam” o garotinho, mimam- no e a ele se entregam sem pensar nas consequências, con­victos de que o momento da educação chegará quando o filho começar a falar, o que o capacitará a compreender o que se lhe faz e diz. Mas, esse momento pode ser muito tardio para reparar os graves erros anteriormente cometidos.

Há sempre, em torno das jovens mães, tias c conselheiras que, diante do menor sinal de choro da criança, tocam alarma e opinam que ela tem fome, sente eólicas, não se sabe mais o quê. Não vos deixeis impressionar pelos gritos do bebê; se não está molhado, deixai-o gritar.
A criança é um fino “registrador", levado instintiva­mente a se tornar um tirano. Se percebe que a casa in­teira corre ao mais leve choro ou ao menor grito, aprende que possui um meio seguro de trazer os pais para junto de si. Bem cedo, estes serão escravos de seus caprichos e de suas fantasias.

Por outro lado, o bebê se firmará na ideia de que todo o mundo está a seu serviço e à sua disposição. Mais tarde, ser-lhe-á penoso desprender-se do seu egoísmo infantil.

No começo, é bom que a mãe continue a educar o filho num clima de “nós”; “Vamos ser bonzinhos hoje... não vamos chorar... vamos buscar a chupetinha...” Essa edu­cação inicial agirá a exemplo da impregnação pela criança da vida interior da mãe, à espera de que a primeira tome posse, pouco a pouco, do seu eu consciente.

A educação — nunca é demais repetir — é a aprendizagem da liberdade, mas uma aprendizagem progressiva.


Sede firmes desde o início. O choro das crianças abala penosamente o coração das mães e o sistema nervoso dos pais. Será talvez preciso “pisar” o vosso coração sensível, mas é para o verdadeiro bem do vosso filho. Sê-lo-á também para o vosso, porque, se cederdes, vos tornareis mais ou menos seu escravo, e no dia em que, tendo-o compreendido, quiserdes deixar de sê-lo, correreis o risco de serdes vencido ou de cortardes o mal com certa brutalidade, por nervosismo, de­terminando verdadeiro choque afetivo na criança.

Não há serviço mais precioso a prestar à criança do que fazê-la experimentar uma realidade que se impõe. Há resis­tências que não cedem, que não suportam exceções, do mesmo modo que um muro intransponível não pode deslocar-se de um dia para outro.

Tende um horário de mamadas. Segui-o estritamente, sem derrogação. Nisso, muitas mães são escravas dos filhos, alimentando-os a qualquer hora e sem se preocupar com as quantidades. Esses petizes não possuem ainda controle da razão ou da vontade. Neles, são os instintos, e nada mais do que os instintos, que falam mais alto. Mas, esses instintos criam hábitos de que poderão ser vítimas.

Se o bebê chora, verificai se algum alfinete não o pica, mas, sobretudo, ficai nisso, não o acalenteis, não o tomeis nos braços.

Sede, nesse ponto, tão estrita à noite como durante o dia. Um bebê assim tratado tem todas as probabilidades de se tornar uma criança fácil de educar.

Além dos cuidados necessários, ninguém toque no petiz, não o tome nos braços, não o acalente. Cuidado com as avós e tias! Não serão elas as vítimas das novas exigências que assim terão criado.

A criança será posta no berço, quer chore ou não, e ao fim de algum tempo, consentirá nisso sem chorar, pois aprenderá que as suas cóleras não adiantam nada.

Sobretudo, não acrediteis que é preciso embalar uma criança. Só adianta embalar as que a isso já se acostuma­ram; quanto às outras, a própria natureza agirá. O mesmo relativamente ao sono no escuro. Não há necessidade de lamparina ou de porta aberta.

Conheço crianças que se apoderam das mães desde a mais tenra idade, e as interpelam constantemente: “Mamãe, que devo fazer?” ou: “Mamão, conte-me uma história, estou sem fazer nada!” Essas pobres crianças sofrerão duramente, em seguida, uma agitação contínua e o vazio do tempo torna-se para elas um problema de solução impossível. »

É tão inútil acariciar a criança para acalmá-la como para lhe dar prazer. Não resta dúvida de que a excitabilidade da pele se veja assim aumentada pelas carícias. Uma exigên­cia de carícias e de mimos pode subsistir durante a vida inteira.

É pelo seu maternal e insubstituível sorriso, muito mais do que cedendo aos caprichos do filho, que a mãe lhe dá sua noção de amor.

Exigir raciocínios do petiz é uma coisa que deve reduzir-se ao mínimo, pois a criança não se acha ainda na posse do seu pensamento lógico. Querer que ela raciocine muito cedo é como se quisessem que ela caminhasse aos seis meses de idade: corre-se o risco de torná-la enferma por toda a vida.

Regular os automatismos da criança é um dos maiores serviços que podeis prestar-lhes, pois significa livrá-la para o futuro de entraves, preocupações, incertezas e inibições; facilitar-lhe o desenvolvimento moral e físico; ajudá-la a conquistar a verdadeira liberdade. A ordem e a regularidade são, nessa idade, quase tão indispensáveis quanto o amor.

Todo o bebê é, antes de tudo, um psicólogo que julga o pai, a mãe, a “babá”, de acordo com os seus valores. Apalpa-os, e não des­cansa enquanto não tiver determinado os limites de seus poderes ou da liberdade que ele mesmo possui. Para esse fim, usa de todas as pe­quenas armas, notadamente as lágrimas ou as cóleras. Se os outros têm pena, temem convulsões, se depois de ralharem, ameaçarem, ou mesmo castigarem; se acabarem por ceder, a fim de terem sossego, o garotinho registrará todas essas deficiências e dai em diante baseará sobre elas a sua conduta, com admirável conhecimento do coração humano.

Isto é claro. É preciso que a criança, quando quiser ultrapassar os limites do razoável, bata com a cabecinha teimosa numa parede impiedosa. Ao terceiro “galo”, ela mesma escolherá ficar na gaiola. Quando crescer, ser-lhe-á explicado porque certas coisas podem ser feitas e outras não. Tendo adotado desde cedo — porque os pais foram bem avisados e fortes — o hábito de apenas fazer o que é permitido, a criança não terá, então, dificuldade alguma em ser li­vremente sábia...


(Continua com a segunda parte)


(COURTOIS, Pe. G., A Arte de Educar as Crianças de Hoje
5ª edição, Agir, 1964)



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