Eu tenho de ser batizado num batismo, e quão grande é a minha ansiedade até que ele se conclua (Lc
12,50)
Considera
que Jesus sofreu desde o primeiro momento de sua existência, e que tudo sofreu
por amor de nós; além da glória divina não tinha Ele outro interesse, em todo o
curso de sua vida, do que a nossa salvação. Filho de Deus, não precisava sofrer
para merecer o paraíso; penas, privações, opróbrios, Ele tudo sofreu para nos
merecer a salvação eterna. Podia mesmo salvar-nos sem sofrer, mas preferiu
abraçar uma vida cheia de dores, pobre, desprezada, privada de todo conforto, e
uma morte mais amarga e desolada do que a de qualquer mártir ou penitente; por
quê? Unicamente a fim de nos testemunhar a grandeza de seu amor por nós, e de
ganhar os nossos afetos.
Jesus
viveu trinta e três anos suspirando sempre pela hora em que devia oferecer sua
vida em sacrifício para nos obter a graça de Deus e a glória eterna, e para
ternos sempre consigo no paraíso. Esse ardente desejo Ele o exprimia com as
palavras: Eu tenho de ser batizado num batismo, e quão grande é aminha
ansiedade até que ele se conclua! Aspirava ao batismo de seu próprio sangue
para lavar não os seus pecados, porque era inocente e santo, mas os pecados dos
homens que lhe eram tão caros: Ele nos amou, diz S. João, e nos purificou de
nossas iniquidades em seu sangue. Ó excesso do amor dum Deus, excesso de amor
que todos os homens e todos os anjos nunca chegarão a compreender e a louvar
dignamente!
Mas
S. Boaventura chorava ao ver a grande ingratidão dos homens para com tão grande
amor: “Senhor, exclama, como não se rompe o coração do homem diante do vosso
amor?” Coisa maravilhosa, com efeito! um Deus suporta tantas penas, nasce
chorando num estábulo, vive pobre numa oficina, morre exangue numa cruz, numa
palavra passa uma vida toda cheia de trabalhos e aflições por amor dos homens,
e os homens não se consomem de amor por um Deus tão amante, que digo? têm
coração para desprezar seu amor e sua graça! — Ah! como é possível desprezar
seu amor e sua graça! — Ah! como é possível que um Deus se tenha reduzido a
tanto sofrimentos pelos homens, e que haja homens que ofendem e não amam esse
Deus?
Afetos e Súplicas.
Meu amado Redentor, sou um
desses ingratos que pagaram com ofensas e desprezos vosso amor imenso, as
vossas dores e a vossa morte. Ó meu caro Jesus, como, ao verdes as ingratidões
que eu iria cometer contra vós, me pudestes amar cm tanta ternura e resolver-nos
a suportar por mim tantas humilhações e sofrimentos? Ah! o mal está feito; mas
não quero desesperar. Dai-me agora, Senhor, a contrição que me merecestes com
vossas lágrimas; desejo que meu arrependimento iguale a minha iniquidade.
Coração amoroso do meu Salvador, tão aflito e desolado um tempo pela minha
salvação, e que hoje ainda ardeis em amor por mim, ah! mudai-me o coração: dai-147
me um coração que compense os desgostos que vos causei, um amor que iguale a
minha ingratidão. Mas sinto já um grande desejo de vos amar; agradeço-vos, meu
Jesus, vejo que tivestes a bondade de tocar o meu coração. Detesto sobre tudo
os ultrajes que vos fiz, eu os odeio e abomino. Agora prefiro a vossa amizade a
todas as riquezas e a todas as honras. Desejo comprazer-vos quanto possa.
Amo-vos, amabilidade infinita, mas vejo que meu amor é muito fraco;
aumentai-lhe a chama, dai-lhe mais amor. Devo corresponder ao vosso amor com um
amor maior do que a ofensa que vos fiz, tanto mais porque em vez de castigar-me
me tendes cumulado de favores especiais. Ó Bem supremo, não permitais eu
continue a viver na ingratidão após tantas graças recebidas. Dir-vos-ei com S.
Francisco: Morra eu por amor do vosso amor, vós que vos dignastes morrer por
amor do meu amor!
Maria, minha esperança,
ajudai-me; pedi a Jesus por mim.
(Encarnação, Nascimento e Infância de Jesus
Cristo – Santo Afonso Maria de Ligório)
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