OBJEÇÕES
A campanha distributista iniciada por Chesterton
encontrou na Inglaterra de seu tempo, como encontrará aqui e em todos os
tempos, uma onda de objeções dos mais variados tipos convergindo uniformemente
para a mesma palavra condenatória: utopia. As duas principais objeções,
propostas por Shaw, consistiam no seguinte: primeiro, a propriedade
distribuída não ficaria distribuída muito tempo porque necessariamente se
tornaria desigual, dada a desigualdade dos homens; segundo, a ideia era
utópica e anacrônica, porque corresponde a um padrão medieval definitivamente
ultrapassado.
Chesterton responde à primeira objeção com
grande vivacidade dizendo não existir nenhuma tendência econômica natural que
determine o desaparecimento da pequena propriedade senão quando ela se torna de
fato pequena de mais.
Se um homem tem cem acres e um outro só tem meio
acre, é muito pouco provável que este último consiga viver nesse meio acre.
Haverá então uma tendência econômica que o impelirá a vender sua terra fazendo
do outro homem o orgulhoso proprietário de cem acres e meio. Mas se um homem
tem trinta e outro tem quarenta, não há tendência alguma que leve o primeiro a
vender seu bem ao segundo. É completamente falso dizer que o primeirq não se
pode manter, com trinta e que o segundo não pode se contentar com quarenta. É
um completo absurdo; é o mesmo que dizer que um homem que possui um
bull-terrier está obrigado a vendê-lo ao vizinho que possui um mastiff. É o mesmo
que dizer que eu não posso ter um cavalo porque um vizinho excêntrico possui um
elefante.
E ao cabo de uma argumentação prolongada, ele
chega a uma conclusão, cujo principal fundamento é uma inabalável confiança na
natureza humana.
O direito à propriedade é um ponto de honra. A
palavra exatamente contrária de propriedade é prostituição. E não se pode dizer
que um ente humano venderá sempre aquilo que é sagrado, nesse sentido de
propriedade íntima e privada, seja o corpo, ou as fronteiras de sua terra.
Alguns o fazem: mas fazendo-o ficam sempre desclassificados em ambos os casos.
Mas não é verdade que a maioria o faça; e quem o afirmar é um ignorante — não
de nossos planos e projetos, não das visões e ideais que alguém acalente, não
do distributismo ou da divisão do capital por tais ou quais processos — é um
ignorante dos fatos da história e da substância da humanidade.
Quanto à segunda objeção, que diz respeito ao
anacronismo de seu ideal econômico, ele diz: "Eu mantenho o velho e
místico dogma pelo qual o que o Homem já fez, o Homem pode fazer. Meus
críticos parecem manter um dogma ainda mais místico, pelo qual o Homem não pode
fazer uma coisa porque já a fez um dia."
Devo entretanto dizer que a resposta de Chesterton à primeira objeção não me parece perfeita. Implicitamente está contido o elemento
que faltou à argumentação explícita.
A verdade é que existe aquela tendência econômica
para o gigantismo, pela qual o dono do elefante acabaria comprando o cavalo, o
mastiff, o bullterrier, e mais animais houvesse pela região. Existe, de fato,
essa tendência, enquanto a economia se enquadrar nos princípios do
liberalismo, que separam o direito de propriedade de uma noção de responsabilidade
morai, isto é, enquanto o campo econômico for considerado um domínio puramente
técnico, e portanto amoral. Como existe também, e ainda mais forte, a tendência
de absorver todos aqueles animais num grande instituto zootécnico, quanto mais a
economia se enquadrar nos princípios do socialismo . A tendência, em qualquer
dos casos, que são os casos reais e atuais, é a de ficar o homem sem os seus
bichos, sem a sua casa e, na marcha em que vão as coisas, sem a mulher e os
filhos. A única força que sã pode opor a essa força bruta e cega que aglutina a
matéria e que faz o câncer se dilatar, é a revolução moral, a restauração da
propriedade como base econômica da liberdade e da cidadania, mas condicionada
ao uso e ligada à responsabilidade moral. Na verdade, o que Fulton Sheen diz
explicitamente, traduzindo a doutrina oficial da Igreja, Chesterton diz apenas
de modo implícito, em brioso apelo à humanidade do homem, deixando assim (por
essa pequena falta de precisão) o problema exposto aos seus adversários. E
deixando também a suposição, de que ele está desejando a volta dos áureos
tempos do liberalismo, o que é inteiramente falso porque, embora liberal em
política prática, ele é um ardoroso adversário do liberalismo filosófico.
Quanto à segunda objeção, eu creio que a
resposta é plenamente satisfatória; mas também creio que é a mais chocante
para o homem moderno, porque não há ideia que encontre tão fácil acolhida
quanto essa, de supor que as coisas que foram feitas, foram necessariamente
ultrapassadas. A posição de nosso autor, nessa questão, é especialmente corajosa,
afrontando a opinião corrente no ponto que é considerado um vértice da moderna
sabedoria. No seu livro The Outline of Sanity, no capítulo The Chance of
Recovery ele desenvolve uma argumentação para mostrar que certos passos atrás,
certos recuos, são tão razoáveis em História como na vida cotidiana ou nas
operações militares.
(Corção,
Gustavo; Três Alqueires e uma Vaca)
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