JESUS DORME NO PRESÉPIO.
O
sono de Jesus Menino era curto e penoso. Uma manjedoura servia-lhe de berço, a
palha formava o seu leito e travesseiro, de sorte que o seu repouso era frequentemente
interrompido pela dor que lhe causava essa cama tão dura e incômoda, e pelo
rigor do frio que reinava na gruta. Não obstante, de tempo em tempo o tenro
menino adormecia apesar de todos os seus sofrimentos.
Mas
o sono de Jesus diferia muito do das outras crianças. O sono das outras
crianças lhes é útil para a conservação da vida, mas não para as operações da
alma, as quais são detidas pelo entorpecimento dos sentidos. Não foi assim o
sono de Jesus. Eu durmo, mas o meu coração vigia. Seu corpo repousava, mas sua
alma vigiava; pois em Jesus, a natureza humana estava unida à pessoa do Verbo,
que não podia dormir nem sofrer o efeito dos sentidos. O santo Infante dormia,
pois; mas dormindo pensava em todas as penas que devia sofrer por nosso amor
durante a sua vida e a sua morte. Pensava no que devia suportar no Egito e em
Nazaré, onde viveria uma extrema pobreza e obscuridade; pensava, sobretudo nos
açoites, nos espinhos e nos opróbrios, nas agonias, em todos os tormentos da
paixão e na morte desolada que teria de sofrer na cruz; e dormindo, tudo
oferecia a seu Pai eterno, para nos obter o perdão dos pecados e a salvação.
Assim, até dormindo, nosso Salvador merecia por nós, aplacava a seu Pai e nos
proporcionava graças.
Peçamos-lhe
que, pelo mérito de seu bem-aventurado sono, nos livre do sono mortal dos
pecadores, que dormem miseravelmente na morte do pecado, no esquecimento de
Deus e de seu amor; e que nos dê, ao contrário, o sono feliz da Esposa sagrada,
da qual Ele dizia: Não perturbeis o repouso da minha dileta, deixai-a dormir
quanto ela queira. O doce sono que Deus dá às suas almas amadas não é outra
coisa, segundo S. Basílio, que um profundo esquecimento das criaturas. A alma o
goza quando se esquece inteiramente de todos os objetos terrestres para só
pensar em Deus e no que interessa a sua glória.
Afetos e Súplicas.
Ó caro e santo Menino, vós
dormis; ah! Como me encanta o vosso sono! Para os outros o sono é a imagem da
morte; mas em vós é um sinal de vida eterna, pois que repousando mereceis para
mim a salvação eterna. Vós dormis, mas o vosso coração não dorme: pensa em
sofrer e morrer por mim. Dormindo orais por mim e me obtendes de vosso Pai
celeste o descanso eterno do paraíso. Mas, antes que me introduzais no céu,
como espero, para lá repousar convosco, quero que repouseis sempre em minha alma.
Ó meu Deus, tenho-vos repelido outrora; mas tanto batestes à porta do meu
coração, ora por temores, ora por luzes, ora por apelos cheios de ternura, que
creio já tenhais entrado nele. Sim, eu o creio, pois sinto uma grande confiança
de haver recebido de vós o meu perdão; experimento profundo horror e sincero
arrependimento das minhas ofensas contra vós; esse arrependimento me causa grande
dor, mas uma dor sem perturbação, uma dor que me consola, e me dá a segurança
de ter obtido o meu perdão da vossa bondade. Agradeço-vos, meu Jesus, e vos
peço não vos afasteis mais de minha alma. Sei que não saireis dela se eu vos
não expulsar; é essa a graça que vos peço e suplico-vos me ajudeis a pedi-la
sem cessar: não permitais vos torne a banir do meu coração. Fazei que tudo
esqueça para só pensar em vós, que sempre pensastes em mim e na minha
felicidade. Fazei não cesse de vos amar nesta vida até que minha alma unida
sempre a vós voe aos vossos braços para repousar eternamente em vós sem temor
de vos perder.
Ó Maria, assisti-me durante
a vida, assisti-me na hora da morte a fim de que Jesus repouse sempre em mim e
que eu repouse sempre em Jesus.
(Encarnação, Nascimento e Infância de Jesus Cristo – Santo Afonso
Maria de Ligório)
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