terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Meditações para o tempo de Natal (VI)



JESUS DORME NO PRESÉPIO.


O sono de Jesus Menino era curto e penoso. Uma manjedoura servia-lhe de berço, a palha formava o seu leito e travesseiro, de sorte que o seu repouso era frequentemente interrompido pela dor que lhe causava essa cama tão dura e incômoda, e pelo rigor do frio que reinava na gruta. Não obstante, de tempo em tempo o tenro menino adormecia apesar de todos os seus sofrimentos.

Mas o sono de Jesus diferia muito do das outras crianças. O sono das outras crianças lhes é útil para a conservação da vida, mas não para as operações da alma, as quais são detidas pelo entorpecimento dos sentidos. Não foi assim o sono de Jesus. Eu durmo, mas o meu coração vigia. Seu corpo repousava, mas sua alma vigiava; pois em Jesus, a natureza humana estava unida à pessoa do Verbo, que não podia dormir nem sofrer o efeito dos sentidos. O santo Infante dormia, pois; mas dormindo pensava em todas as penas que devia sofrer por nosso amor durante a sua vida e a sua morte. Pensava no que devia suportar no Egito e em Nazaré, onde viveria uma extrema pobreza e obscuridade; pensava, sobretudo nos açoites, nos espinhos e nos opróbrios, nas agonias, em todos os tormentos da paixão e na morte desolada que teria de sofrer na cruz; e dormindo, tudo oferecia a seu Pai eterno, para nos obter o perdão dos pecados e a salvação. Assim, até dormindo, nosso Salvador merecia por nós, aplacava a seu Pai e nos proporcionava graças.

Peçamos-lhe que, pelo mérito de seu bem-aventurado sono, nos livre do sono mortal dos pecadores, que dormem miseravelmente na morte do pecado, no esquecimento de Deus e de seu amor; e que nos dê, ao contrário, o sono feliz da Esposa sagrada, da qual Ele dizia: Não perturbeis o repouso da minha dileta, deixai-a dormir quanto ela queira. O doce sono que Deus dá às suas almas amadas não é outra coisa, segundo S. Basílio, que um profundo esquecimento das criaturas. A alma o goza quando se esquece inteiramente de todos os objetos terrestres para só pensar em Deus e no que interessa a sua glória.


Afetos e Súplicas.

Ó caro e santo Menino, vós dormis; ah! Como me encanta o vosso sono! Para os outros o sono é a imagem da morte; mas em vós é um sinal de vida eterna, pois que repousando mereceis para mim a salvação eterna. Vós dormis, mas o vosso coração não dorme: pensa em sofrer e morrer por mim. Dormindo orais por mim e me obtendes de vosso Pai celeste o descanso eterno do paraíso. Mas, antes que me introduzais no céu, como espero, para lá repousar convosco, quero que repouseis sempre em minha alma. Ó meu Deus, tenho-vos repelido outrora; mas tanto batestes à porta do meu coração, ora por temores, ora por luzes, ora por apelos cheios de ternura, que creio já tenhais entrado nele. Sim, eu o creio, pois sinto uma grande confiança de haver recebido de vós o meu perdão; experimento profundo horror e sincero arrependimento das minhas ofensas contra vós; esse arrependimento me causa grande dor, mas uma dor sem perturbação, uma dor que me consola, e me dá a segurança de ter obtido o meu perdão da vossa bondade. Agradeço-vos, meu Jesus, e vos peço não vos afasteis mais de minha alma. Sei que não saireis dela se eu vos não expulsar; é essa a graça que vos peço e suplico-vos me ajudeis a pedi-la sem cessar: não permitais vos torne a banir do meu coração. Fazei que tudo esqueça para só pensar em vós, que sempre pensastes em mim e na minha felicidade. Fazei não cesse de vos amar nesta vida até que minha alma unida sempre a vós voe aos vossos braços para repousar eternamente em vós sem temor de vos perder.

Ó Maria, assisti-me durante a vida, assisti-me na hora da morte a fim de que Jesus repouse sempre em mim e que eu repouse sempre em Jesus.

(Encarnação, Nascimento e Infância de Jesus Cristo – Santo Afonso Maria de Ligório)

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