Que utilidade tirarás da
minha morte,
quando eu descer à corrupção?
(Sl 29,10)
Nosso Senhor revelou à venerável Águeda
da Cruz que, no seio de Maria, a sua mais cruel pena foi de ver a dureza dos
corações dos homens que, depois da redenção, desprezariam as graças que viera
difundir sobre a terra. Segundo a interpretação comum dos Santos Padres, Ele
próprio exprimira muito antes a mesma coisa pela boca de Davi: Que utilidade tirarás da minha morte, quando
eu descer à corrupção? Segundo S. Isidoro, as últimas palavras significam:
Quando eu descer do céu para tomar a natureza humana corrompida pelos vícios e pecados.
— Eis, pois o que o Verbo divino parece ter dito: Meu Pai, vou revestir-me da
carne humana e derramar depois todo o meu sangue pelos homens; mas de que
servirá esse sacrifício? A maior parte dos homens não fará caso do meu sangue e
continuará a ofender-me como se nada eu fizera por meu amor.
Essa pena foi o cálice amargo de que
pediu Jesus ao pai o livrasse, quando disse: Afastai de mim este cálice. Que
cálice? O ver tanto desprezo de seu amor. A mesma previsão arrancou ainda, do
alto da cruz, este grito de dor: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes? —
Seu Pai sofreria o desprezo da sua paixão e morte por parte de tantos homens
pelos quais Ele morria; segundo a explicação do próprio Salvador a S. Catarina
de Sena, era do abandono que Ele se queixava então.
Ora, essa mesma pena atormentava a
Jesus Menino no seio de Maria: via, desde então, dum lado, tantas dores, tantas
ignomínias, tanto sangue derramado, morte tão cruel e infame, e de outro, tão
pouco fruto! O divino Menino antevia muitos homens, e mesmo a maior parte,
calcar aos pés o seu sangue, e desprezar a graça que esse sangue lhes merecera,
pois que tal é, segundo S. Paulo, a conduta de cada pecador. Entretanto se
formos do número desses ingratos, não desesperemos: Jesus nascendo veio
oferecer a paz aos homens de boa vontade, como fez cantar os anjos: Mudemos
pois a nossa vontade, arrependamo-nos dos nossos pecados, propondo-nos amar
esse bom Salvador, e acharemos a paz, isto é, a amizade de Deus.
Afetos
e Súplicas.
Meu
amabilíssimo Jesus, quanto vos fiz sofrer durante a vossa vida mortal!
Derramastes por mim o vosso sangue com tanta dor e tanto amor, e que fruto
tirastes de mim até agora? Desprezos, ofensas, afrontas! Mas, meu Redentor, não
quero mais afligir-vos; espero que no futuro a vossa paixão produza fruto em
mim por vossa graça, cujos efeitos já eu sinto. Sofrestes tanto e morrestes por
mim, para que eu vos ame; quero amar-vos sobre todos os bens, e para
comprazer-vos estou pronto a dar mil vezes a vida. Padre eterno, não ousaria
aparecer diante de vós para pedir-vos perdão e graças, se vosso Filho me não
dissesse que, pedindo-vos em seu nome, serei sempre atendido: Tudo o que
pedirdes a meu Pai em meu nome, Ele vo-lo dará. Ofereço-vos pois os méritos de
Jesus Cristo e, em nome de Jesus peço-vos primeiro o perdão geral de todos os
meus pecados; peço-vos depois a santa perseverança até a morte; e peço-vos
sobretudo o dom do vosso santo amor, que me faça sempre viver de acordo com a
vossa vontade. quanto à minha própria vontade estou resolvido a antes sofrer
mil vezes a morte do que ofender-vos, e a amar-vos de todo o meu coração,
fazendo tudo ao meu alcance para comprazer-vos; a vós peço e de vós espero a
graça de executar esta resolução.
Maria,
minha Mãe, se rogardes por mim, estarei tranquilo. Rogai, rogai por mim, e não
cesseis de rogar enquanto me não virdes mudado e conforme à vontade de
Deus.
(Encarnação, Nascimento e Infância de Jesus
Cristo – Santo Afonso Maria de Ligório)
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