Ecce breves anni transeunt, et semitam per quam non
revertar ambulo — “Vê que passam os breves anos, e eu caminho
por uma vereda pela qual não voltarei” (Iob. 16, 23)
I. O tempo, soube ser a coisa mais preciosa, porque
é um tesouro que só neste mundo se acha, é ainda de muito curta duração. Ecce
breves anni transeunt. Lembra-te de como se passaram depressa os doze meses
do ano que hoje finda! É, portanto, com razão que o Espírito Santo nos exorta a
conservarmos o tempo, e não deixarmos perder-se um só momento sem o
aproveitarmos bem. Mas, ai de nós! Quão diversamente vão as coisas! Ó tempo
desprezado, tu serás a coisa que os mundanos mais desejarão na hora da morte,
quando ouvirem dizer que para eles não haverá mais tempo: Tempus non erit
amplius.
E tu, irmão meu, em que empregas o teu tempo? Deus
te concedeu a graça de teres chegado até ao dia de hoje, com preferência a
tantos milhares e milhões de pessoas, talvez da tua idade, ou mesmo mais novas,
talvez fortes como tu ou ainda mais robustos, com a mesma compleição que tu, ou
talvez mais sadia. Elas morreram e tu estás vivo! Elas estão reduzidas à
podridão e cinzas no túmulo e tu estás aqui meditando! Elas na eternidade, e
muitas infelizmente no inferno, e tu ainda no tempo! Mas como é que passas o
tempo? Em que coisas o empregaste até hoje?
Faze aqui, aos pés de Jesus Cristo, um exame geral
da tua vida. Pondera, por um lado, as inúmeras graças com que Deus te tem
cumulado especialmente no correr deste ano; por outro, recorda as faltas, as
imperfeições, quiçá os pecados, com que continuamente, desde o primeiro dia do
ano até este último, tens ofendido o Senhor, retribuindo-Lhe a liberalidade
infinita com ingratidão. Ah! Se não resgatares desde já o tempo inutilmente
perdido, ou quiçá mal empregado, ele te causará remorsos amargosos, quando, no
leito da morte, te achares próximo àquele grande momento do qual depende a
eternidade!
II. Meu irmão, se, por desgraça, tiveres de
reconhecer que passaste na tibieza o tempo do ano que terminou, procura passar
no fervor ao menos este último dia. Agradece muitas vezes a Deus o ter-te
conservado em vida até ao dia de hoje e pede-Lhe perdão das negligências
passadas no Seu serviço. Visto que não sabes se viverás até ao dia de amanhã e
se entrarás ainda no ano novo, põe hoje mesmo em ordem as coisas de tua
consciência e purifica a tua alma por meio de uma confissão anual. Afinal, faze
um propósito firme e eficaz de servires a Deus para o futuro com mais zelo, e
de empregares melhor o ano vindouro. É assim que, no dizer do Apóstolo, andarás
no caminho da Salvação com circunspeção, e recobrarás o tempo: Videte
quomodo caute ambuletis... redimentes tempus (1) — “Vêde como
andais prudentemente... remindo o tempo”.
“Ó Senhor, cuja misericórdia não tem limites, cuja
bondade é um tesouro inesgotável, dou graças à Vossa Majestade piedosíssima por
todos os benefícios que me tendes feito, e em particular, pelo tempo que me
concedeis para chorar as minhas culpas, e reparar as minhas desordens. Quem
sabe se o ano que hoje finda, não será talvez o último inteiro da minha vida?
Não, não quero mais resistir aos vossos convites tão amorosos. Pesa-me, ó meu
Bem supremo, de Vos ter ofendido e proponho fazer de hoje em diante contínuos
atos de amor, a fim de compensar o tempo perdido”.
“Como, porém, os misteres da vida não me permitem
dirigir os meus pensamentos sem interrupção para Vós, faço hoje o seguinte
ajuste, que será válido durante todo o ano vindouro e todo o tempo da minha
vida. Cada vez que levantar os olhos para contemplar o céu, tenho intenção de
glorificar as vossas perfeições infinitas. Quantas vezes respirar, quero
oferecer-Vos a Paixão e o Sangue de meu divino Redentor, bem como os
merecimentos de todos os Santos, para a Salvação do mundo inteiro e em
satisfação dos pecados que se cometerem. — Toda a vez que bater no
peito, quero amaldiçoar e detestar cada um dos pecados cometidos desde o
princípio do mundo, e quisera poder repará-los com o meu sangue. Finalmente, a
cada movimento das mãos, ou dos pés, ou de qualquer outra parte do corpo,
tenciono submeter-me à vossa santíssima vontade, desejando que de conformidade
com esta, se façam todas as coisas. Para que este meu ajuste nunca mais seja
violado, confirmo-o e selo-o com as cinco Chagas de Jesus Cristo, e deposito-o
em Vossas mãos, ó Mãe da perseverança, Maria (2).
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1. Eph. 5, 15.
2. Esta fórmula de reta intenção foi composta por São Clemente Maria Hoffbauer, C.SS.R.
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos
os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a
Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia,
1921, p. 101 - 104.)
Fonte: São Pio V.
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