quarta-feira, 11 de setembro de 2013

O tempo empregado em combater a tentação não é tempo perdido.




CAPITULO XIII

O TEMPO EMPREGADO EM COMBATER A TENTAÇAO NAO É TEMPO PERDIDO.

O que aflige muitas pessoas sujeitas às tentações é imaginarem perder o seu tempo nesses combates. Dizem elas: Raramente posso viver no recolhimento. Se quero aplicar-me à meditação, recitar orações, passar algum tempo junto de Jesus Cristo residente no Sacramento do seu amor, não posso ocupar-me de Deus: é esse quase sempre o tempo em que as tentações vêm assediar-me; e passo-o quase todo inteiramente ocupada em me defender contra a impressão delas. Topo com esses inimigos importunos e encarniçados até na Mesa santa, onde vou receber meu Salvador e nutrir-me do Deus das virtudes. Que fruto pode tirar-se de exercícios de piedade feitos nessa agitação?

Este pensamento lança essas pessoas assim tentadas num abatimento perigoso. Para curá-las, tranquilizá-las e consolá-las, é importante por-lhes debaixo dos olhos os princípios e as reflexões que devem fazer-lhes conhecer o seu erro, e toda a vantagem que esse estado penoso Ihes proporciona quando elas são fiéis.



É uma máxima universalmente reconhecida que não devemos servir a Deus segundo as nossas ideias e os nossos gostos: devemos servi-lo como ele o exige, e tal como lhe apraz. Deus liga suas graças e suas recompensas não precisamente às boas obras que nos impomos, porém, às que Ele autoriza ou que pede de nós. Neste principio é que se funda a decisão de que, se a obediência vos aplica a algum emprego que vos impede de estar na meditação, satisfazendo esse emprego com espirito interior sois tão agradável a Deus quanto se estivésseis na meditação. E, se tirásseis de vós mesma o exercício desse emprego, para orar e para meditar, não serviria o Senhor como Ele quer faltaríeis para com Ele, ao invés de o honrar.

Este principio bastaria para vos convencer de que não perdeis o vosso tempo quando, durante os exercícios de piedade, estais ocupada em combater o inimigo da salvação. O demônio só tem poder contra os homens na medida em que Deus lho permite. Ele não pôde por Jó em tantas provações e tentá-lo de tantas maneiras, senão por permissão expressa do Senhor. Deus permite, pois, esse estado de tentação em que vos achais; e, como as distrações são uma espécie de tentação, deve-se aplicar-lhes o que aqui dizemos.

Como quer então Deus que o sirvais? Será por uma meditação seguida e ininterrupta das coisas santas? Será por colóquios amorosos com Ele, colóquios que nenhum afeto terreno venha perturbar? Não: Ele quer que o sirvais por uma resistência fiel e constante a tudo o que o inimigo vos inspira para vos seduzir e para vos fazer renunciar ao seu divino amor; quer que, a exemplo dos Judeus ao reerguerem os muros de Jerusalém, empunheis com uma das mãos a espada para resistir aos inimigos (2 Esd 4, 17) que vos atacam, e com a outra trabalheis em elevar o edifício espiritual da vossa perfeição pelos sentimentos de uma fé viva e de uma esperança firme: digo firme na vontade, embora, a contragosto vosso, seja ela vacilante na imaginação. Tendes tido essa fidelidade? Então tendes cumprido a vontade de Deus, e o tendes honrado como Ele o pedia de vós nesse momento; tendes-lhe sido tão agradável na vossa submissão, na vossa paciência, na vossa fidelidade em resistir às tentações, como se tivésseis feito uma meditação animada de fervor o mais sensível, cheia de sentimentos os mais afetuosos.

Pergunto-vos: perdemos o nosso tempo quando procedemos de maneira tão assinalada e tão sólida? Deveis, pois, ficar tão satisfeita após um exercício em que, pela misericórdia de Deus, houverdes suportado corajosamente os assaltos dos inimigos da salvação, como se a houvésseis feito na maior tranquilidade. Tereis tido nela menos doçura e gosto; porém o fruto, bem longe de ser com isso diminuído, só terá feito aumentar. Tereis feito a vontade de Deus: Deus reconhecê-lo-á pelas graças de que vos cumulará. O cumprimento dessa vontade santa ter-vos-á sido mais penoso: essa pena não será esquecida na recompensa que receberdes. O Espírito Santo assegura-nos disto pelo órgão do Apóstolo: Deus não é injusto para esquecer as nossas penas e os nossos trabalhos (Heb 6, 10).

O tempo que empregamos em combater as tentações não é, pois, um tempo perdido para a alma fiel, não somente porque prestamos a Deus a honra e a homenagem que Ele exige, e pela maneira como a exige, como ainda porque nesses combates adquirimos méritos que se multiplicam a cada instante. As perseguições, multiplicando os sofrimentos dos Mártires, aumentavam-lhes a coroa: as tentações são uma perseguição que tem o mesmo efeito quando somos fiéis.

No Eclesiástico, capítulo XXXI, o Espírito Santo declara feliz o homem que pôde violar o mandamento de Deus e não o violou; que pôde fazer o mal e não o fez. A sua felicidade corresponde ao mérito que ele adquiriu pela sua fidelidade. Baseado neste principio, quando obedeceis à lei de Deus, e quando cumpris a sua vontade de uma maneira que é penosa para a natureza, tendes um duplo mérito: haverdes obedecido, e o haverdes feito com esforço, resistindo e combatendo. O sacrifício que fazeis do natural que vos impele e que vos é recompensado tanto no tempo, por novas graças, como na eternidade, por um aumento de glória e de felicidade.

Argumentando com fundamento no mesmo principio, que tesouro de méritos não deve amontoar uma alma que, atacada por diferentes tentações, as combate generosamente para não se separar de Deus! É certo que cada sacrifício que fazemos a Deus tem o seu merecimento e terá a sua recompensa. A cada vez que a alma fiel resistiu à tentação, pode-se dizer: Ela pôde violar o mandamento, pôde fazer o mal, e não o fez. Porém que número de sacrifícios não faz uma alma que, frequentemente atacada, solicitada pela paixão, desaprova-a constantemente, renuncia ao objeto que ela apresenta, resiste-lhe com perseverança! Há poucos momentos que não sejam assinalados por uma vitória. Os esforços reiterados e diversificados do inimigo só fazem aumentar o número das vitimas que a alma fiel oferece ao seu Deus. Que tesouro de méritos não achará ela nessas espécies de combates singulares com a paixão? Nem sempre ela percebe todos os seus sacrifícios; mas não há nenhum deles que escape à vigilância do Senhor; nenhum que não tenha a sua recompensa. Será preciso mais para consolar uma alma nesse estado, e para animá-la à perseverança? Se o combate é penoso, a coroa é brilhante; é imortal; é um momento de pena, e um peso imenso de glória (2 Cor 4, 17). E quereríamos perdê-lo por uma satisfação de um momento?

O mérito não se cinge a esses sacrifícios tão amiúde reiterados; essa alma acha novos tesouros dele nas virtudes interiores que pratica durante esse estado de tentação. Ela bem sente que não pode resistir com constância sem o socorro do Céu, sem se tomar atenta às vistas e aos objetos da Fé, sem se entregar aos sentimentos da Esperança e do Amor divino. O seu coração está então num exercício continuo de oração e dos atos dessas excelentes virtudes. Se um ato de Amor de Deus tem um mérito tão assinalado que pode reconciliar o pecador com Deus, quantos méritos não adquire uma alma que, para se sustentar nos combates da tentação, produz tão amiúde esses atos tão meritórios? É, pois, à míngua de reflexão que se acredita num estado de inação para o Céu e para a virtude quando se está ocupado em combater as tentações. Ao contrário, evidente é, pelo que acabamos de dizer, que se está na maior ação, e num exercício continuo, para merecer um e para praticar a outra.



(Livro Tratado das Tentações – PADRE MICHEL da Companhia de Jesus)

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