Por Santo Afonso
Maria de Ligório
Da mortificação externa
§ II. Efeitos salutares da
mortificação externa
A mortificação externa é
de suma utilidade para o espírito:
1. Antes de tudo, ela nos
desprende dos prazeres sensuais, que ferem e, até, muitas vezes, matam a alma.
“As chagas do amor divino impedem que as chagas da carne nos atormentem”, diz
Orígenes.
2. Pela mortificação
expiamos os castigos temporais devidos a nossos pecados. Se depois de uma
dolorosa confissão nos é tirada a culpa do pecado, não deixamos por isso de
ficar sujeitos aos castigos temporais. Se não os expiarmos durante a vida
presente, teremos de recuperar o que perdemos no Purgatório. Mas aí os castigos
são imensamente maiores. “Os que não fizeram penitência por seus pecados se verão
em grandíssima tribulação” (Apoc 2, 22).
Santo Antônio narra que o
Anjo da Guarda deu a escolher a um doente entre o ficar três dias no Purgatório
e o suportar ainda dois anos a sua doença. O doente escolheu os três dias de
Purgatório; apenas, porém, se escoara uma hora, e já se queixava ao Anjo que,
em vez de deixá-lo por alguns dias nessas penas, já as suportava durante tantos
anos. Então respondeu-lhe o Anjo: Que dizes? Teu corpo se acha ainda quente em
teu leito mortuário e já falas de anos?
Se, pois, tiveres de
padecer alguma coisa, alma cristã, dize a ti mesma: Isso me deve servir de
Purgatório. A alma, e não o corpo, deve sair vencedora!
3. A mortificação eleva a
alma até Deus.
Segundo São Francisco de
Sales, nunca a alma poderá chegar até Deus sem a mortificação e sujeição da
carne. Sobre esse ponto Santa Teresa d’Ávila (Fund., c. 5) nos deixou várias e
belas sentenças: “É um grande engano crer que Deus admite a Seu trato familiar
homens efeminados”. “Vida voluptuosa e oração não se harmonizam”. “Almas que
verdadeiramente amam a Deus, não aspiram a descanso corporal”.
4. Pela mortificação
alcançamos uma grande glória no Céu.
“Se os combatentes se
privam de todas as coisas que minoram suas forças, diz o Apóstolo (I Cor 9,
25), e que poderiam impedi-los de alcançar uma coroa corruptível, quanto mais
nos devemos nós mortificar para conseguirmos uma coroa inapreciável e eterna”.
São João viu todos os Bem-Aventurados com “palmas nas mãos” (Apoc 7, 9). [E a
palma é o símbolo tradicional do martírio.] Daí devemos concluir que todos nós,
para nos salvar, devemos ser mártires, quer o sejamos pela espada dos tiranos
ou pela mortificação.
Devemos, entretanto,
considerar que “as penalidades da presente vida, não têm proporção alguma com a
glória vindoura que se manifestará em nós”. O que aqui é para nós humana
tribulação, momentânea e ligeira, produz em nós, de um modo maravilhoso no mais
alto grau, um peso eterno de glória (2 Cor 4, 17).
Avivemos, portanto, nossa
fé! Curta é a nossa peregrinação aqui na terra: nossa morada vindoura é além,
onde aquele que na vida mais se mortificou receberá uma glória e alegria maior.
São Pedro (I Ped 2, 5) diz que os Bem-Aventurados são as pedras vivas com as
quais é edificada a Jerusalém Celeste. Mas, como canta a Igreja (In dedic.
eccl.), essas pedras devem primeiramente ser trabalhadas com o cinzel da
mortificação. Tenhamos sempre em vista esse pensamento e se nos tornará fácil
todo o esforço e trabalho.
Se alguém soubesse que ele
receberia todos os terrenos que ele percorresse num dia, quão fácil e agradável
não lhe pareceria o trabalho dessa caminhada!
Conta-se que um monge
planejava trocar sua cela com uma outra que se achava mais próxima da fonte
d’água. Ao ir, porém, um dia, buscar água, ouviu que atrás de si contavam seus
passos; virando-se para trás, viu um jovem que lhe disse: Sou um Anjo e conto
teus passos, para que nenhum fique sem recompensa. Ouvindo isso, não pensou
mais o monge em mudar de cela, pelo contrário, teria desejado até que estivesse
ainda mais longe, para que pudesse adquirir mais merecimentos.
5. E não são só os bens da
vida futura que os cristãos mortificados têm a esperar; eles já possuem nesta
vida um bem sumamente precioso na paz e na felicidade que desfrutam na terra.
Ou poderá talvez existir uma coisa mais agradável para uma alma que ama a Deus
do que o pensamento de que com sua mortificação faz coisa agradável a Deus?
Tais almas experimentam na privação de prazeres sensuais e até em seus
padecimentos uma grande alegria, não sensual, mas espiritual.
O amor não pode ficar
ocioso: quem ama a Deus não pode viver sem lhe dar contínuas provas de seu
amor. Ora, não pode uma alma testemunhar melhor o seu amor para com Deus do que
renunciando por Ele às alegrias deste mundo e sacrificando-Lhe seus sofrimentos.
Uma alma que ama a Jesus
Cristo nem sequer sente quando se mortifica. “Se se ama não se sente nenhuma
pena”, diz Santo Agostinho (In Jo trat. 48). Quem poderá, de fato, ver seu
Redentor coberto de chagas, afligido e perseguido, sem abraçar, a Seu exemplo,
os sofrimentos, e até desejá-los? pergunta Santa Teresa (Vida, c. 8). Por isso
protestava São Paulo que não aspirava a outra glória e outra alegria que à da
Cruz de Jesus Cristo: “Longe de mim o gloriar-me a não ser da Cruz de Nosso
Senhor Jesus Cristo” (Gál 6, 14). Segundo o mesmo Apóstolo, a diferença que
existe entre os que amam a Jesus Cristo e os que não O amam, é que estes
lisonjeiam a carne, enquanto aqueles cuidam em mortificá-la e crucificá-la (Gál
5, 24).
6. Pensemos, finalmente,
alma cristã, que nossa morte se aproxima depressa, e que muito pouco é o que
fizemos para o Céu. Procuremos, portanto, no futuro, mortificar-nos tanto
quanto possível; não deixemos passar ocasião alguma de mortificação, conforme o
conselho do Espírito Santo: “Não deixes passar uma partezinha do bem que te é
concedido” (Ecli 14, 14). Consideremos que cada ocasião de mortificação é um
presente de Deus, pelo qual podemos adquirir grandes merecimentos para a vida
eterna; ponderemos que não nos será possível amanhã o que hoje podemos, visto
que o tempo passado não volta mais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário