sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

As Excelências da Mortificação - Parte II




Por Santo Afonso Maria de Ligório


Da mortificação externa

§ II. Efeitos salutares da mortificação externa

A mortificação externa é de suma utilidade para o espírito:
1. Antes de tudo, ela nos desprende dos prazeres sensuais, que ferem e, até, muitas vezes, matam a alma. “As chagas do amor divino impedem que as chagas da carne nos atormentem”, diz Orígenes.

2. Pela mortificação expiamos os castigos temporais devidos a nossos pecados. Se depois de uma dolorosa confissão nos é tirada a culpa do pecado, não deixamos por isso de ficar sujeitos aos castigos temporais. Se não os expiarmos durante a vida presente, teremos de recuperar o que perdemos no Purgatório. Mas aí os castigos são imensamente maiores. “Os que não fizeram penitência por seus pecados se verão em grandíssima tribulação” (Apoc 2, 22).

Santo Antônio narra que o Anjo da Guarda deu a escolher a um doente entre o ficar três dias no Purgatório e o suportar ainda dois anos a sua doença. O doente escolheu os três dias de Purgatório; apenas, porém, se escoara uma hora, e já se queixava ao Anjo que, em vez de deixá-lo por alguns dias nessas penas, já as suportava durante tantos anos. Então respondeu-lhe o Anjo: Que dizes? Teu corpo se acha ainda quente em teu leito mortuário e já falas de anos?

Se, pois, tiveres de padecer alguma coisa, alma cristã, dize a ti mesma: Isso me deve servir de Purgatório. A alma, e não o corpo, deve sair vencedora!

3. A mortificação eleva a alma até Deus.
Segundo São Francisco de Sales, nunca a alma poderá chegar até Deus sem a mortificação e sujeição da carne. Sobre esse ponto Santa Teresa d’Ávila (Fund., c. 5) nos deixou várias e belas sentenças: “É um grande engano crer que Deus admite a Seu trato familiar homens efeminados”. “Vida voluptuosa e oração não se harmonizam”. “Almas que verdadeiramente amam a Deus, não aspiram a descanso corporal”.

4. Pela mortificação alcançamos uma grande glória no Céu.
“Se os combatentes se privam de todas as coisas que minoram suas forças, diz o Apóstolo (I Cor 9, 25), e que poderiam impedi-los de alcançar uma coroa corruptível, quanto mais nos devemos nós mortificar para conseguirmos uma coroa inapreciável e eterna”. São João viu todos os Bem-Aventurados com “palmas nas mãos” (Apoc 7, 9). [E a palma é o símbolo tradicional do martírio.] Daí devemos concluir que todos nós, para nos salvar, devemos ser mártires, quer o sejamos pela espada dos tiranos ou pela mortificação.

Devemos, entretanto, considerar que “as penalidades da presente vida, não têm proporção alguma com a glória vindoura que se manifestará em nós”. O que aqui é para nós humana tribulação, momentânea e ligeira, produz em nós, de um modo maravilhoso no mais alto grau, um peso eterno de glória (2 Cor 4, 17).

Avivemos, portanto, nossa fé! Curta é a nossa peregrinação aqui na terra: nossa morada vindoura é além, onde aquele que na vida mais se mortificou receberá uma glória e alegria maior. São Pedro (I Ped 2, 5) diz que os Bem-Aventurados são as pedras vivas com as quais é edificada a Jerusalém Celeste. Mas, como canta a Igreja (In dedic. eccl.), essas pedras devem primeiramente ser trabalhadas com o cinzel da mortificação. Tenhamos sempre em vista esse pensamento e se nos tornará fácil todo o esforço e trabalho.

Se alguém soubesse que ele receberia todos os terrenos que ele percorresse num dia, quão fácil e agradável não lhe pareceria o trabalho dessa caminhada!

Conta-se que um monge planejava trocar sua cela com uma outra que se achava mais próxima da fonte d’água. Ao ir, porém, um dia, buscar água, ouviu que atrás de si contavam seus passos; virando-se para trás, viu um jovem que lhe disse: Sou um Anjo e conto teus passos, para que nenhum fique sem recompensa. Ouvindo isso, não pensou mais o monge em mudar de cela, pelo contrário, teria desejado até que estivesse ainda mais longe, para que pudesse adquirir mais merecimentos.

5. E não são só os bens da vida futura que os cristãos mortificados têm a esperar; eles já possuem nesta vida um bem sumamente precioso na paz e na felicidade que desfrutam na terra. Ou poderá talvez existir uma coisa mais agradável para uma alma que ama a Deus do que o pensamento de que com sua mortificação faz coisa agradável a Deus? Tais almas experimentam na privação de prazeres sensuais e até em seus padecimentos uma grande alegria, não sensual, mas espiritual.

O amor não pode ficar ocioso: quem ama a Deus não pode viver sem lhe dar contínuas provas de seu amor. Ora, não pode uma alma testemunhar melhor o seu amor para com Deus do que renunciando por Ele às alegrias deste mundo e sacrificando-Lhe seus sofrimentos.

Uma alma que ama a Jesus Cristo nem sequer sente quando se mortifica. “Se se ama não se sente nenhuma pena”, diz Santo Agostinho (In Jo trat. 48). Quem poderá, de fato, ver seu Redentor coberto de chagas, afligido e perseguido, sem abraçar, a Seu exemplo, os sofrimentos, e até desejá-los? pergunta Santa Teresa (Vida, c. 8). Por isso protestava São Paulo que não aspirava a outra glória e outra alegria que à da Cruz de Jesus Cristo: “Longe de mim o gloriar-me a não ser da Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo” (Gál 6, 14). Segundo o mesmo Apóstolo, a diferença que existe entre os que amam a Jesus Cristo e os que não O amam, é que estes lisonjeiam a carne, enquanto aqueles cuidam em mortificá-la e crucificá-la (Gál 5, 24).


6. Pensemos, finalmente, alma cristã, que nossa morte se aproxima depressa, e que muito pouco é o que fizemos para o Céu. Procuremos, portanto, no futuro, mortificar-nos tanto quanto possível; não deixemos passar ocasião alguma de mortificação, conforme o conselho do Espírito Santo: “Não deixes passar uma partezinha do bem que te é concedido” (Ecli 14, 14). Consideremos que cada ocasião de mortificação é um presente de Deus, pelo qual podemos adquirir grandes merecimentos para a vida eterna; ponderemos que não nos será possível amanhã o que hoje podemos, visto que o tempo passado não volta mais.

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