terça-feira, 24 de julho de 2012

A Imitação de Cristo - Tomas de Kempis - Livro I - Capítulo XIX


A IMITAÇÃO DE CRISTO - TOMAS DE KEMPIS



LIVRO I

CAPÍTULO 19

Dos exercícios do bom religioso

1.  A vida do bom religioso deve ser ornada de todas as virtudes, para
que corresponda o interior ao que por fora vêem os homens; e com
razão, ainda mais perfeito deve ser no interior do que por fora
parece, pois lá penetra o olhar perscrutador de Deus, a quem
devemos suma reverência, em qualquer lugar onde estivermos, e
em cuja presença devemos andar com pureza Angélica. Cada dia
devemos renovar nosso propósito e exercitar-nos a maior fervor,
como se esse fosse o primeiro dia de nossa conversão, dizendo:
Confortai-me, Senhor, meu Deus, no bom propósito e em vosso
santo serviço; concedei-me começar hoje deveras, pois nada é o
que até aqui tenho feito.

2.  A medida da nossa resolução será nosso progresso, e grande
solicitude exige o sério aproveitamento. Se aquele que toma
enérgicas resoluções tantas vezes cai, que será daquele que as
toma raramente ou menos firmemente propõe? Sucede, porém, de
vários modos deixarmos o nosso propósito; e raras vezes passa
sem dano qualquer leve omissão de nossos exercícios. O propósito
dos justos mais se firma na graça de Deus, que em sua própria
sabedoria; nela confiam sempre, em qualquer empreendimento.
Porque o homem propõe, mas Deus dispõe, e não está na mão do
homem o seu caminho (Jer 10,23).

1.  Quando, por motivo de piedade ou proveito do próximo, se
deixa alguma vez o costumado exercício, fácil é reparar 
depois essa falta; omiti-lo, porém, facilmente, por enfado ou
negligência, já é bastante culpável, e sentir-se-á o prejuízo.
Esforcemo-nos quanto pudermos, ainda assim cairemos em
muitas faltas; contudo, devemos sempre fazer um propósito
determinado, mormente contra os principais obstáculos do
nosso progresso espiritual. Devemos examinar e ordenar
tanto o interior como o exterior, porque ambos importam ao
nosso aproveitamento.

2.  Se não podes continuamente estar recolhido, recolhe-te de 
vez em quando, ao menos uma vez por dia, pela manhã ou à noite. 
De manhã toma resoluções, e à noite examina tuas ações: como te
houveste hoje em palavras, obras e pensamentos, porque nisso,
talvez não raro, tenhas ofendido a Deus e ao próximo. Arma-te
varonilmente contra as maldades do demônio; refreia a gula, e
facilmente refrearás todo apetite carnal. Nunca estejas de todo
desocupado, mas lê ou escreve ou reza ou medita ou faze alguma
coisa de proveito comum. Nos exercícios corporais, porém, haja
toda discrição, porque não convém igualmente a todos.

3.  Os exercícios pessoais não se devem fazer publicamente, mais
seguro é praticá-los secretamente. Guarda-te de ser negligente nos
exercícios da regra, e mais diligente nos particulares; mas,
satisfeitas inteira e fielmente as coisas de obrigação e preceito, se
tempo sobrar, ocupa-te em exercícios, conforme te inspirar a tua
devoção. Nem todos podem ter o mesmo exercício; um convém
mais a este, outro àquele. Até do tempo depende a conveniência e
o atrativo das práticas; porque umas são mais apropriadas para os
dias festivos, outras para os dias comuns; dumas precisamos para
o tempo da tentação, de outras no tempo de paz e sossego.
Numas coisas gostamos de meditar quando estamos tristes, e
noutras quando estamos alegres no Senhor.

4.  À volta das festas principais devemos renovar os nossos bons
exercícios e com mais fervor implorar a intercessão dos santos. 
De uma para outra festividade devemos preparar-nos, como se então
houvéssemos de sair deste mundo e chegar à festividade eterna.
Por isso, devemos aparelhar-nos diligentemente, nos tempos de
devoção, com vida mais piedosa e observância mais fiel de todas
as regras, como se houvéssemos de receber em breve o galardão
do nosso trabalho.

5.  E, se for adiada essa hora, tenhamos por certo que não estamos
ainda bem preparados nem dignos de tamanha glória que, a seu
tempo, se revelará em nós, e tratemos de nos preparar para a morte.
Bem-aventurado o servo. Diz o evangelista São Lucas, a
quem o Senhor, quando vier, achar vigiando. Em verdade vos digo
que o constituirá sobre todos os seus bens (12, 37 e 43).

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