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| Tolkien apreciando um bom cachimbo | 
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Parece que todo o prazer é mau:
1. Com  efeito, o que destrói a prudência e impede o uso da razão parece ser mal  em si, porque o bem do homem consiste “em ser segundo a razão”, como  diz Dionísio. Ora, o prazer corrompe a prudência, impede o uso da razão;  e tanto mais quanto maiores são os prazeres. Assim que “no prazer  sexual”, que é o maior de todos, “é impossível conhecer algo”, diz o  livro VII da Ética. E Jerônimo escreve também que “no momento  do ato conjugal não se dá a presença do Espírito Santo, mesmo que se  trate de um profeta que cumpre seu dever de procriar”. Portanto, o  prazer é mau em si; logo todo prazer é mau.
2. Além  disso, o que o homem virtuoso evita, e o homem sem virtude procura,  parece ser mau em si e que deve ser evitado, pois segundo o livro X da Ética,  “o homem virtuoso é como a medida e a regra dos atos humanos” e o  Apóstolo diz na primeira Carta aos Coríntios: “O homem espiritual julga  tudo”. Ora, as crianças e os animais irracionais, nos quais não há  virtude, buscam os prazeres, enquanto o moderado os rejeita. Logo, os  prazeres são maus em si e devem ser evitados.
3. Ademais, “A virtude e a arte se referem ao que é difícil e bom”, diz-se no livro II da Ética. Ora, arte alguma é ordenada ao prazer. Logo, o prazer não é algo bom.
EM SENTIDO CONTRÁRIO,  está dito no Salmo 37: “Deleita-te no Senhor”. Como a autoridade divina  não induz a nenhum mal, parece que nem todo prazer é mau.
Como diz o livro X da Ética,  alguns afirmaram que todos os prazeres eram maus. A razão disso parece  ser que tinham em mente apenas os prazeres sensíveis e corporais que são  mais manifestos; pois os antigos filósofos, nos demais inteligíveis  sensíveis, não distinguiam o intelecto dos sentidos, como diz o livro da  Alma. Ora, eles julgavam que todos os prazeres corporais  deviam ser declarados maus, para que os homens, que são inclinados a  prazeres imoderados, afastando-se dos prazeres, chegassem ao justo meio  da virtude. Mas essa apreciação não era conveniente. Como ninguém pode  viver sem algum prazer sensível e corporal, se aqueles que ensinavam que  todos os prazeres são maus fossem flagrados desfrutando de algum  prazer, os homens seriam levados mais ainda ao prazer pelo exemplo de  seu comportamento, deixando de lado a doutrina de suas palavras. Com  efeito, quando se trata de ações e paixões humanas, em que a experiência  vale mais que tudo, os exemplos movem mais que as palavras.
Há que dizer  que alguns prazeres são bons, e outros, maus. Pois o prazer é o repouso  da potência apetitiva em um bem amado, e é consecutivo a uma ação.  Podem-se dar duas razões para essa asserção:
1. Da parte  do bem em que se repousa no prazer. Do ponto de vista moral, o bem e o  mal se determinam conforme a concordância ou discordância com a razão,  como acima se disse (q.18, a.5). Assim é no mundo da natureza, no qual  uma coisa se chama natural por ser conforme à  natureza, e não natural o que não é conforme com a natureza. Há, pois,  nas coisas da natureza um repouso natural que convém à natureza, como  quando um corpo pesado encontra seu repouso em baixo. E um repouso não  natural, que repugna à natureza, como um corpo pesado repousando no  alto. Do mesmo modo, nas coisas morais há um prazer que é bom, pelo fato  de que o apetite superior ou inferior repousa no que convém à razão; e  um prazer mau, pelo fato de repousar no que está em desacordo com a  razão, e com a lei de Deus.
2. Da parte  da ações; algumas delas são boas, outras são más. Ora os prazeres têm  mais afinidades com as ações, que estão em conjunção com eles, do que  com o desejo, que os precede no tempo. Por isso, já que os desejos das  boas ações são bons, e os desejos das más ações são maus, com mais razão  ainda os prazeres das boas ações são bons, e os das más ações, maus.
Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:
1. Como  acima foi dito (q.33, a.3), os prazeres que são do ato da razão, não  impedem a razão, nem corrompem a prudência, como fazem os prazeres  estranhos tais como os corporais. Esses, de fato, impedem o uso da  razão, como acima foi dito, pela contrariedade do apetite que repousa no  que repugna à razão, se tem o prazer que é moralmente mau. Ou por um  empecilho da razão, por exemplo, o prazer do ato conjugal, embora se dê  em algo que está conforme à razão, impede o exercício dela, por causa da  mudança corporal que o acompanha. Mas, nem por isso segue-se uma  malícia moral, como no sono, que impede o exercício da razão, e não é  moralmente mau, se for tomado de acordo com a razão: pois a própria  razão tem como próprio que o seu uso seja interrompido de vez em quando.  Dizemos, porém, que esse empecilho da razão pelo prazer no ato  conjugal, embora não possua malícia moral, pois nem é pecado mortal nem  venial, provém, contudo, de certa malícia moral, a saber, do pecado do  primeiro pai: pois isso não existia no estado de inocência, como está  claro pelo que foi dito na I Parte.
2. O homem  moderado não evita todos os prazeres, mas só os imoderados e que não  convém à razão. O fato de que as crianças e os animais irracionais  procuram os prazeres, não prova que sejam estes universalmente maus,  porque há neles um apetite natural que vem de Deus e os dirige para o  que lhes convém.
3. A arte  não se refere a todos os bens, mas às obras exteriores, como adiante se  dirá (q.57, a.3). Quanto às ações e paixões que estão em nós, têm mais a  ver com a prudência e a virtude do que com a arte. Existe, porém,  alguma arte que produz prazer, a saber, a do cozinheiro e a do  perfumista, como diz o livro VII da Ética.
Suma Teológica I-II, q. 34, a.1
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