terça-feira, 17 de julho de 2012

Todo prazer é mau?


Tolkien apreciando um bom cachimbo
 
Parece que todo o prazer é mau:

1. Com efeito, o que destrói a prudência e impede o uso da razão parece ser mal em si, porque o bem do homem consiste “em ser segundo a razão”, como diz Dionísio. Ora, o prazer corrompe a prudência, impede o uso da razão; e tanto mais quanto maiores são os prazeres. Assim que “no prazer sexual”, que é o maior de todos, “é impossível conhecer algo”, diz o livro VII da Ética. E Jerônimo escreve também que “no momento do ato conjugal não se dá a presença do Espírito Santo, mesmo que se trate de um profeta que cumpre seu dever de procriar”. Portanto, o prazer é mau em si; logo todo prazer é mau.

2. Além disso, o que o homem virtuoso evita, e o homem sem virtude procura, parece ser mau em si e que deve ser evitado, pois segundo o livro X da Ética, “o homem virtuoso é como a medida e a regra dos atos humanos” e o Apóstolo diz na primeira Carta aos Coríntios: “O homem espiritual julga tudo”. Ora, as crianças e os animais irracionais, nos quais não há virtude, buscam os prazeres, enquanto o moderado os rejeita. Logo, os prazeres são maus em si e devem ser evitados.

3. Ademais, “A virtude e a arte se referem ao que é difícil e bom”, diz-se no livro II da Ética. Ora, arte alguma é ordenada ao prazer. Logo, o prazer não é algo bom.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, está dito no Salmo 37: “Deleita-te no Senhor”. Como a autoridade divina não induz a nenhum mal, parece que nem todo prazer é mau.

Como diz o livro X da Ética, alguns afirmaram que todos os prazeres eram maus. A razão disso parece ser que tinham em mente apenas os prazeres sensíveis e corporais que são mais manifestos; pois os antigos filósofos, nos demais inteligíveis sensíveis, não distinguiam o intelecto dos sentidos, como diz o livro da Alma. Ora, eles julgavam que todos os prazeres corporais deviam ser declarados maus, para que os homens, que são inclinados a prazeres imoderados, afastando-se dos prazeres, chegassem ao justo meio da virtude. Mas essa apreciação não era conveniente. Como ninguém pode viver sem algum prazer sensível e corporal, se aqueles que ensinavam que todos os prazeres são maus fossem flagrados desfrutando de algum prazer, os homens seriam levados mais ainda ao prazer pelo exemplo de seu comportamento, deixando de lado a doutrina de suas palavras. Com efeito, quando se trata de ações e paixões humanas, em que a experiência vale mais que tudo, os exemplos movem mais que as palavras.

Há que dizer que alguns prazeres são bons, e outros, maus. Pois o prazer é o repouso da potência apetitiva em um bem amado, e é consecutivo a uma ação. Podem-se dar duas razões para essa asserção:

1. Da parte do bem em que se repousa no prazer. Do ponto de vista moral, o bem e o mal se determinam conforme a concordância ou discordância com a razão, como acima se disse (q.18, a.5). Assim é no mundo da natureza, no qual uma coisa se chama natural por ser conforme à natureza, e não natural o que não é conforme com a natureza. Há, pois, nas coisas da natureza um repouso natural que convém à natureza, como quando um corpo pesado encontra seu repouso em baixo. E um repouso não natural, que repugna à natureza, como um corpo pesado repousando no alto. Do mesmo modo, nas coisas morais há um prazer que é bom, pelo fato de que o apetite superior ou inferior repousa no que convém à razão; e um prazer mau, pelo fato de repousar no que está em desacordo com a razão, e com a lei de Deus.

2. Da parte da ações; algumas delas são boas, outras são más. Ora os prazeres têm mais afinidades com as ações, que estão em conjunção com eles, do que com o desejo, que os precede no tempo. Por isso, já que os desejos das boas ações são bons, e os desejos das más ações são maus, com mais razão ainda os prazeres das boas ações são bons, e os das más ações, maus.

Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:

1. Como acima foi dito (q.33, a.3), os prazeres que são do ato da razão, não impedem a razão, nem corrompem a prudência, como fazem os prazeres estranhos tais como os corporais. Esses, de fato, impedem o uso da razão, como acima foi dito, pela contrariedade do apetite que repousa no que repugna à razão, se tem o prazer que é moralmente mau. Ou por um empecilho da razão, por exemplo, o prazer do ato conjugal, embora se dê em algo que está conforme à razão, impede o exercício dela, por causa da mudança corporal que o acompanha. Mas, nem por isso segue-se uma malícia moral, como no sono, que impede o exercício da razão, e não é moralmente mau, se for tomado de acordo com a razão: pois a própria razão tem como próprio que o seu uso seja interrompido de vez em quando. Dizemos, porém, que esse empecilho da razão pelo prazer no ato conjugal, embora não possua malícia moral, pois nem é pecado mortal nem venial, provém, contudo, de certa malícia moral, a saber, do pecado do primeiro pai: pois isso não existia no estado de inocência, como está claro pelo que foi dito na I Parte.

2. O homem moderado não evita todos os prazeres, mas só os imoderados e que não convém à razão. O fato de que as crianças e os animais irracionais procuram os prazeres, não prova que sejam estes universalmente maus, porque há neles um apetite natural que vem de Deus e os dirige para o que lhes convém.

3. A arte não se refere a todos os bens, mas às obras exteriores, como adiante se dirá (q.57, a.3). Quanto às ações e paixões que estão em nós, têm mais a ver com a prudência e a virtude do que com a arte. Existe, porém, alguma arte que produz prazer, a saber, a do cozinheiro e a do perfumista, como diz o livro VII da Ética.
Suma Teológica I-II, q. 34, a.1

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