sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Todos os pecados são iguais?


Hieronymus Bosch (1450-1516), Os sete pecados capitais, Museu do Prado, Madrid

Parece que todos os pecados são iguais:

1. Com efeito, pecar é fazer o que não é permitido. Ora, isso é algo que é sempre repreensível de modo igual e uniforme. Logo, nenhum pecado é mais grave do que o outro.

2. Além disso, todo pecado consiste em transgredir a regra da razão, a qual está para os atos humanos, como nas coisas materiais está a régua linear. Portanto, pecar é de certo modo não mais se as linhas. Ora, não seguir as linhas acontece igualmente e do mesmo modo, se se afasta mais longe ou se fica mais perto, porque nas privações não há mais e menos. Logo, todos os pecados são iguais.

3. Ademais, os pecados opõem-se às virtudes. Ora, todas as virtudes são iguais, diz-nos Cícero. Logo, todos os pecados são iguais.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, o Senhor disse a Pilatos, no Evangelho de João (19,11): “Aquele que me entregou a ti tem um pecado maior”. E é evidente que Pilatos teve algum pecado. Logo, um pecado é maior que o outro.

Os estóicos, e Cícero depois, pensaram que todos os pecados são iguais. Daí derivam também o erro de certos hereges que, admitindo a igualdade de todos os pecados, admitem igualmente a igualdade de todas as penas do inferno. E quanto se pode ver pelas palavras de Cícero, os estóicos eram movidos pelo fato de considerarem no pecado somente a privação, isto é, enquanto afastamento da razão. Por isso, julgando de modo absoluto que nenhuma privação poderia comportar mais ou menos, afirmaram que todos os pecados são iguais.

Mas, se se considera com cuidado, percebem-se dois gêneros de privação. Há uma privação pura e simples, que consiste num estado completo de corrupção. É assim que a morte é a privação da vida, e as trevas da luz. Tais privações não têm mais nem menos, pois nada resta do que havia. Não se está menos morto no primeiro dia, no terceiro ou no quarto, do que no final de um ano quando o cadáver está decomposto. Igualmente, uma casa não é mais escura quando se cobre a lâmpada com vários véus, ou com um único que veda totalmente a luz.

Há uma outra privação, não simples. Ela retém alguma coisa daquilo que ela exclui. Ela é, antes, um caminho para a corrupção do que um estado de corrupção completa. Tal é o caso da doença que faz perder o bom equilíbrio dos humores, de tal modo que ainda fica alguma coisa, sem a qual o animal não estaria mais com vida. Tal é igualmente o caso da feiura e de outras coisas do gênero. Ora, tais privações pelo que fica do hábito contrário, são susceptíveis de mais e de menos. De fato, muito interessa à doença e à feiura o afastar-se mais e menos do bom equilíbrio dos humores ou dos membros. Deve-se, portanto, dizer a mesma coisa dos vícios e dos pecados. Pois, neles se dá a privação da devida medida da razão de modo que não se suprime inteiramente a ordem da razão. Se o mal fosse integral, destruir-se-ia a si mesmo, como se diz no livro IV da Ética. Não poderia subsistir a substância de um ato, nem as afeições daquele que age, se não subsistisse algo da ordem da razão. E assim, muito interessa à gravidade do pecado o afastar-se mais ou menos da retidão da razão. E segundo isso deve-se dizer que nem todos pecados são iguais.

Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:

1. Não é permitido cometer pecados por causa da desordem que contém. Portanto, aqueles que contêm uma desordem maior são mais ilícitos, e, por conseguinte, mais graves.

2. Este argumento procede do pecado como se fosse uma privação pura.

3. As virtudes são proporcionalmente iguais em um e mesmo indivíduo. No entanto, por sua espécie uma virtude precede outra em dignidade mesma espécie de virtude, um homem é mais virtuoso do que outro como acime se estabeleceu (q.66, a. 1, 2). Mesmo se as virtudes fossem iguais, não se seguiria que os vícios são iguais, porque há conexão entre as virtudes, e não entre os vícios ou pecados.

Suma Teológica I-II, q. 73, a. 2

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