Por
R.P. Calderon, F.S.S.P.X.
A
Igreja sempre rendeu culto público aos santos, primeiro a seus mártires e
posteriormente, a partir do século IV, aos confessores. Ainda que somente o
Papa tenha autoridade para julgar se algum servo de Deus pode ser honrado como
santo pela Igreja universal, durante os dez primeiros séculos foi a piedade do
povo cristão que os canonizava, mais ou menos dirigida pelos seus Bispos e com
o consentimento tático dos Pontífices Romanos. Mas como não faltaram abusos e
negligências, os Papas começaram a exercer um controle maior nestes processos,
terminando por reservar para si a faculdade de canonizar os santos.
O
primeiro documento que menciona esta reserva é um decreto de Alexandre III, do
ano de 1170. A vida exemplar dos santos é uma das notas que distingue a Igreja
de toda outra falsa religião, e para confusão daqueles que negam, os
procedimentos pelos quais os Papas acordaram as canonizações foram desde sempre
extremamente rigorosas.
Até
1588, as canonizações, realizadas sempre como um processo judicial entre um «
postulador » como defensor e o « promotor da fé » como fiscal, eram competência
da Rota Romana; mas neste ano Sixto V instituiu a Sagrada Congregação dos Ritos
com competência exclusiva para estes processos, que unificou e aperfeiçoou os
procedimentos seguidos.todavia, Urbano VIII, em 1625, proibiu que se prestasse
culto a alguém que não tivesse sido canonizado ou beatificado pela Santa Sé,
com exceção dos casos de culto admitido desde sempre.
O
procedimento, enriquecido pela experiência dos séculos, esta descrito no
essencial pelo Código de Direito Canônico de 1917. Posteriormente, Pio XI
instituiu em 1930 a Seção Histórica para as causas antigas, promulgando em 1939
umas Normas para estes casos, e Pio XII estabeleceu um colégio de médicos
peritos.
Até
esta data, todo procedimento tinha duas etapas:
1ª– A que
termina na beatificação, dividida em duas partes, o processo ordinário e o
processo apostólico;
2ª– A que
conduz à canonização. O processo ordinário ou anti-processo, chamado assim
porque se realiza debaixo da autoridade do Bispo do lugar, tem como fim
introduzir a causa ante a S.C. de Ritos, e consta de três partes:
1ª- A busca meticulosa de todos os escritos do servo de Deus;
2ª- O processo informativo que busca demonstrar a fama de santidade;
3ª- O processo de ausência de culto, de acordo com o decreto de Urbano VIII. Antes de seguir com o processo informativo, os escritos devem ser revisados para a S.C. de Ritos, de onde são submetidos a um rigoroso exame: “Não é necessário que as obras do servo de Deus contenham erros formais contra o dogma ou a moral para deter definitivamente uma causa de canonização; basta que se lhe encontrem novidades suspeitas, questões frívolas, ou ainda alguma opinião singular oposta ao ensinamento dos Santos Padres e ao sentimento comum dos fiéis”.
1ª- A busca meticulosa de todos os escritos do servo de Deus;
2ª- O processo informativo que busca demonstrar a fama de santidade;
3ª- O processo de ausência de culto, de acordo com o decreto de Urbano VIII. Antes de seguir com o processo informativo, os escritos devem ser revisados para a S.C. de Ritos, de onde são submetidos a um rigoroso exame: “Não é necessário que as obras do servo de Deus contenham erros formais contra o dogma ou a moral para deter definitivamente uma causa de canonização; basta que se lhe encontrem novidades suspeitas, questões frívolas, ou ainda alguma opinião singular oposta ao ensinamento dos Santos Padres e ao sentimento comum dos fiéis”.
O
processo apostólico ou processo propriamente dito, realizado sob a autoridade
do Papa por intermédio da S.C. de Ritos, tem dois grupos de procedimentos, os
de instrução e os de cognição. Os de instrução se realizam nas dioceses por
mandato da S.C. de Ritos, e são dois: primeiro se refaz o da fama de santidade;
depois se examinam as virtudes (se a causa não for de mártir) ou o martírio, e
os milagres. Os processos de cognição se realizam em Roma, e são em números de
quatro:
1º-Sobre a
heroicidade das virtudes;
2º-Sobre o martírio e sua causa;
3º-Sobre os milagres;
4º-Última sessão cautelar, chamada « de tuto », pela qual se decreta que se pode proceder “com segurança” a beatificação.
2º-Sobre o martírio e sua causa;
3º-Sobre os milagres;
4º-Última sessão cautelar, chamada « de tuto », pela qual se decreta que se pode proceder “com segurança” a beatificação.
Para
chegar até a canonização não existem novos processos nem revisão do que foi
feito, bastam duas condições: a beatificação e a aprovação de novos milagres.O
postulador deve aportar as provas dos novos milagres a pedir a revalidação da
causa; se a S.C. de Ritos concede se extende o decreto « de tuto » pelo qual se
determina que se pode proceder à canonização; existe todavia um triplo
consistório no qual o Papa se reune com os cardeais e Bispos; e finalmente, si
é sua vontade, o Romano Pontífice dita a Bula de canonização com data da
cerimônia litúrgica solene na basílica de São Pedro, no Vaticano.
Em
1967 Paulo VI faz uma reorganização da Cúria pela Constituição Apostólica
Regimini Ecclesiae Universae, que toca também a S.C. de Ritos, mas sem
modificar de maneira significtiva seus procedimentos. A primeira simplificação
de monta se leva a cabo pelo Motu Proprio Sanctitas Clarior, de 19 de março de
1969. Por este ato o Papa delega aos Bispos e conferências episcopais a
autoridade necessária para introduzir a causa e realizar os processos de
instrução, autoridade que residia até então na Congregação Romana. Estes
processos ficaram reduzidos a três:
1º-Sobre os
escritos do servo de Deus;
2º-Sobre a vida e virtudes, ou sobre o martírio; e conjuntamente sobre a ausência de culto;
3º-Sobre os milagres.
2º-Sobre a vida e virtudes, ou sobre o martírio; e conjuntamente sobre a ausência de culto;
3º-Sobre os milagres.
Até
esse momento os processos de instrução eram levados a cabo por mandatários
dotados de cartas dimisoriais da S.C. do Ritos; agora, se o Bispo está em
condições de constituir diocesanos com oficiais especializados, pode instruir
ali os processos; se não, deve recorrer aos tribunais constituídos ad hoc pela
conferência episcopal. Estas inovações, comenta Mons. Antonelli, secretário da
S.C. de Ritos, “abrem, indiscutivelmente, uma nova época na história das causas
de beatificação e canonização”. Dois mêses depois, pela Constituição Apostólica
Sacra Rituum Congregatio, de 8 de maio de 1969, Paulo VI divide a S.C. de Ritos
em outras duas congregaões, uma « para o Culto Divino » e outra « para as
Causas dos Santos », dando a esta última uma organização adequada aos novos
procedimentos.
A
Segunda modificação importante dos processos vem dada pela Constituição
Apostólica Divinus Perfectionis Magister, de João Paulo II, publicada em 25 de
Janeiro de 1983 juntamente com a Constituição Apostólica Sacrae Diciplinae
Leges pela qual se promulga o novo Código de Direito Canônico. Esta nova
legislação, completada por um Decreto da S.C. para a Causa dos santos de 7 de
Fevereiro, substitui totalmente a anterior, pois o novo Código já não legisla
nessa matéria: “As causas de canonização do servos de Deus- diz o cânon 1403 §
1- se rigem por uma lei pontificia peculiar”. De acordo com o estabelecido por
Paulo VI, cumprindo com um objetivo duplo. Prático o primeiro: “Desde das
recentes experiências, enfim, Nos pareceu oportuno revisar esta Congregação
para a Causa dos Santos a fim de responder às exigências dos sábios e aos
desejos de nossos irmãos no episcopado, que pediram muitas vezes que fosse
facilitado o procedimento, conservando sempre a solidez das investigações em
matéria tão importnate”.
O
segundo doutrinal: “Nós pensamos também, a luz do ensinamento sobre a
colegialidade do Concílio Vaticano II, que convém verdadeiramente associar mais
os Bispos à Sé apostólica no estudo das causas dos santos”. Agora o Papa
reconhece aos Bispos o direito de introduzir as causas de canonizaçõa e
instruir os processos, sem necessidade das autorizações da Congregação Romana
todavia exigidas sob Paulo VI. Já não é necessário submeter todos os escritos
ao exame teológico, senão somente aquele que tenham sido publicados; os
censsores teólogos são nomeados pelos Bispos; se facilitam os modos como podem
dispor os testemunhos; o antigo processo de « não culto » fica reduzido a uma
simples inspeção ocular por parte do Bispo dos lugares em que poderia haver
culto indevido. Uma vez terminado o processo de instrução, se enviam suas atas
para Roma. A S.C. para as Causas dos Santos corresponde “estudar as causas a
fundo”: verifica que todos tenham sido realizados segundo as normas; prepara um
informe ou « positio » sobre virtudes ou martírios e outros sobre milagres para
serem examinados por consultores teólogos e peritos; estes redigem os últimos
informes de conclusões para ser discutidos na assembléia de cardeais e Bispos.
Finalmente tudo se submete ao juízo do Soberano Pontífice.
É
de nota que a nova legislação não menciona a beatificação como etapa
intermediária. Segundo canonistas, deixa em aberto, assim, a possibilidade de
devolver aos Bispos, com ordem a promover a colegialidade, o poder de
beatificar que tiveram nos primeiros séculos.
Se
fizermos uma comparação global entre o que representava as canonizações no
magistério dos Papas de ontem com o que supõe hoje segundo a nova legislação,
podemos resumir as diferenças dizendo que agora já não são um acontecimento «
extraordinário » na atividade do Romano Pontífice. Em primeiro lugar, e tomando
a expressão « extraordinário » em seu sentido mais comum, a simplificação dos
processos fez aumentar a freqüência das canonizações de tal maneira que já não
são vistas como algo fora do comum na vida do Papa.
Segundo
o Index ac Status Causarum, publicado pela S.C. para as Causas dos santos em
dezembro de 2000, desde Clemente VIII (1594) até Pio XII inclusive (1958), a
S.C. de Ritos canonizou 215 santos, pouco mais de um a cada dois anos. Pio XII
canonizou 33 santos em seus 19 anos de pontificado. Paulo VI realizou 3
canonizações antes da primeira simplificação do processo (na 1ª canonizou os 22
mártires de Uganda) e 18 nos oitos anos seguintes (entre eles 40 mártires ingleses),
81 santos canonizados no total. Com João Paulo II a freqüência aumenta
notavelmente. Em seus primeiros dez anos de pontificado, de 1978 a 1988,
canonizou 254 beatos (entre eles os 103 mártires da Coréia) e beatificou 300
servos de Deus, a maioria dos mártires (60 do século XX). Em 1999 os
canonizados pelo atual Pontífice somavam 295 e os beatificados 934. Nos últimos
anos as canonizações aceleraram-se ainda mais. O Padre Pio de Pietrelcina é o
santo nº 462 de João Paulo II. “Se diz as vezes – explicava o Papa no
consistório, em 13 de junho de 1994 – que hoje realizam-se demasiadas
beatificações. Mas isto ademais de refletir a realidade que, graças a Deus, é
como é, corresponde também ao desejo expresso pelo Concílio Vaticano II. Tanto
se difundiu o Evangelho no mundo, e tão profundas são as raízes fincadas por
sua mensagem, que precisamente o grande número de beatificações reflete
vivamente a ação do Espírito Santo e a vitalidade que broita Dele no campo que
mais essencial é para a Igreja, a saber, o da santidade”.
Mas
devemos ir mais a fundo, porque se as canonizações deixaram de ser
acontecimentos « extraordinários » enquanto a sua freqüência, algo tem que
significar isto enquanto sua natureza teológica. Os teólogos chamam magistério
« extraordinário » do Papa primeira e principalmente às definiões « ex cathedra
» em matéria relativa a doutrinas de fé e costumes. Suas outras atividades, já
relativas à doutrina como os ensinamentos dados em discursos ou cartas
encíclicas, relativas a fatos convretos como as decisões disciplinares,
constituem o magistério pontifício ordinário. Em matéria de doutrina, o Papa é
infalível em seu magistério extraordinário, ou seja, quando profere sentença
definitiva « ex cathedra »; os demais ensinamentos dados de modo ordinário não
são infalíveis por si mesmas, ainda que podem chegar a tornar-se quando alcança
um peso equivalente pela freqüente repetição ou porque terminam impondo-se a
toda a Igreja. Nos juízos relativos a fatos concretos, por sua vez, o Papa não
goza de infalibilidade: “Nas sentenças relativas a fatos particulares – diz São
Tomás – , como no que diz respeito a posses, crimes ou coisas assim, é possível
que haja erros no juízo da IGreja por causa de falsos testemunhos”. Ainda que
as canonizações tenham como objeto um fato concreto – que tal ou qual cristão
alcançou a santidade e está no céu – , porém, dada a maneira como os santos são
propostos ao culto pelo magistério, os teólogos as consideram como algo
intermediário entre as sentenças doutrinais e aquelas sobre os fatos
particulares, e opinam que também nelas se da a infalibilidade: “A canonização
dos santos – segue dizendo São Tomás no mesmo lugar – é algo intermediário
entre estas duas [espécies de sentenças]. Como a honra que tributamos aos
santos é certa profissão de fé pela qual cremos na glória dos santos, deve-se
acreditar piedosamente que tampouco nisto, pode errar o juízo da Igreja”.
Haveria
então que considera-las também hoje, apesar de que ocorram « ordinariamente »,
como atos que pertencem ao magistério pontifício « extraordinário »?Para julgar
se um ato do magistério pontifício deve considerar-se ordinário ou
extraordinário, deve-se ter presente o seguinte critério teológico: Ou o
carisma da infalibilidade não depende do empenho que o Papa ponha para
certificar-se da verdade de seus atos, senão somente da assistência do Espírito
Santo ao qual o Pontífice acode segundo sua livre vontade; sem embargo, para
não tentar a Deus, o Papa obra em cada caso como costumava fazer qualquer outro
mestre humano: « humano more ».
Quer
dizer que quando o Papa ensina de modo ordinário, sem especialíssimas
diligências e solenidades, não tem intenção de infalibilidade; mas quando
pretende dar sentença definitiva, investiga, pede conselho e obra como se
tivera que evitar todas possibilidades de errar somente pelas forças de suas
próprias luzes. Estas diligências feitas de modo humano são claro indícios do
grau de autoridade que o Romano Pontífice outorga a cada um de seus atos.
Quando os Papas, até o século XI ou XII, retirarão definitivamente aos Bispos a
faculdade de julgar em matéria de santidade e tomaram em suas próprias mãos a
condução dos processos de canonização, estabelecendo mil cautelas para
certificar pessoalmente – por meio de oficiais e organismos da mesma Cúria
Romana – a realidade dos fatos; então lai viram os teólogos o compromisso pleno
da autoridade pontifícia, julgando que estes atos se acercam tanto às
definições « ex cathedra » que também deviam incluir-se entre os atos solenes
do magistéiro extraordinário.
Em
contrário, Roma voltou a deixar aos Bispos a responsabilidade de julgar os
fatos por si mesmos ou pelos instrumentos por ele estabelecidos. Consideradas
as coisas « humano more », segundo as regras dos juízos humanos, o Romano
Pontífice ja não pode dizer: Eu mesmo dou testemunho que tal pessoa levou uma
vida cristã exemplar, porque enviei gente de minha confiança para certificar-se
dos fatos e os fiz estudar por teólogos selecionados por mim. Agora seu
testemunho sobre os faots concretos não é imediato, senão mediado pelos Bispos:
Eu dou testemunho que, segundo as atas chegadas a meu poder e confiando na
prudência e honestidade dos procedimentos diocesanos, tal pessoa chegou à
santidade. O valor de uma sentença dada nestas condições é evidentemente muito
menor, porque, por um lado, a autoridade científica de um tribunal diocesano é
muito menor que a da Congregaão Romana, que seleciona seus membros entre os
mais excelentes do mundo inteiro; ademais, o Bispo diocesano tem
necessariamente muito mais interece que sua diocese conte com santos
canonizados, sendo juiz menos imparcial que o Pontífice Romano; por último e
principalmente, porque a diferença da sentença em matéria doutrinal, na qual
não importa de quem se tenha aprendido desde que seja verdade, a sentença a respeito
de fatos concretos depende completamente da correta observação presencial.
O
regresso a uma situação semelhante a dos primeiros séculos, em que o Papa não
julga imediatamente por si mesmo senão que confirma o juízo dos Bispos,
situação desejada com vistas a promover a colegialidade, faz com que o juízo
teológico acerca do grau de autoridade das canonizações tenha que mudar porque,
como dissemos, o « modo humano » como o Papa procede em seus juízos é indício
claro do grau no qual compromete sua autoridade como Vigário de Cristo. As
canonizações, então, no magistério Pontifício de hoje já não podem ser
consideradas atos pertencentes ao Magistério extraordinário do Romano
Pontífice, senão mais propriamente atos próprios de seu Magistéiro Ordinário.
Não
tivemos notícia de trabalhos teológicos sobre este ponto, e o que afirmamos
pode supreender a algum católico instruído no que ensina a teologia desde
sempre. Mas devemos entende-lo no marco da nova pedagogia que tomou o
magistéiro desde o Concílio Vaticano II. As definições « ex cathedra » do
magistério extraordinário constituem o exercício mais absoluto que uma
autoridade possa ter sobre a terra, e o homem contemporâneo, muito influenciado
pelo espírito democrático, sente um instintivo horror ante tudo o que se lhe
impõe sem antes consultá-lo.
Por
isso, os últimos Papas julgaram conveniente não recorrer ao « magister dixit »
pitagórico senão ao « diálogo » socrático, exercendo o magistério somente de
maneira ordinária, confinado na assitência do Espírito Santo para que, pouco a
pouco, se vá impondo a verdade em cada caso. Ainda no ato que João Paulo II
impôs maior autoridade, como foi o caso da declaração sobre a impossibilidade
da ordenação sacerdotal de mulheres, não quis dirimi-lo por uma definição
pontifícia « ex cathedra », senão apenas assinalando que já anteriormente
“havia sido proposta pelo magistério ordinário e univrsal”. Da mesma maneira,
por julgar mais conveniente para a sensibilidade do homem que também as
canonizações tenham-se voltado a fazerem-se hoje de maneira colegial.
Fonte:
« Guarde a Fé » – Boletim da Fraternidade Sacerdotal São Pio
X;
Nº 10; Janeiro e Fevereiro de 2003
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