sexta-feira, 21 de junho de 2013

Exercícios Espirituais para Crianças - Fim do homem (Quinta parte)




Fr. Manuel Sancho, 
Exercícios Espirituais para Crianças
1955

PARTE PRIMEIRA
A conversão da vida do pecado à vida da graça
(Vida Purgativa. — 1.ª semana)



4. — Mas, se Deus pôs neste mundo cada um de nós para Ele, para que então terá criado as outras criaturas? Tudo isso que vos rodeia, coisas e pessoas, esse belo céu, esses prados risonhos, árvores, animais, homens... enfim, todas as criaturas distintas de vós, que relação devem ter para com cada um de vós?

A relação que as criaturas devem ter pa­ra convosco; ou, melhor dizendo, o fim de cada criatura em relação a vós é servir-vos de meio para a consecução do vosso fim último, Deus. Tudo aquilo de que nos ser­vimos neste mundo, riquezas, honras, desprezos, talento, doença, saúde... havemos de servir-nos destas coisas na medida em que nos conduzirem a Deus, e privar-nos delas na medida em que de Deus nos afastarem. A consequência disto será que todas as coisas que nos agradam e as que nos desagradam, a vida longa ou curta, a pobreza ou a riqueza, deverão ser-nos perfeitamente indiferentes, e delas só nos havemos de servir na medida em que nos conduzirem a Deus. Se a saúde só serve a um homem para ele pecar, e se doente ele serve melhor a Deus, deve ele preferir a doença à saúde; se as riquezas o afastam de Deus e a pobreza o aproxima d’Ele, deve ele inclinar-se a ser pobre. Mas, como Deus sabe muito bem aquilo que nos convém, o que Ele nos der será o melhor para a nossa salvação.

Esta indiferença é tão necessária, que, sem ela, muito escasso será o fruto destes Exercícios. Mas esta não deve ser a indiferença passiva daquele que não faz nada, senão a indiferença daquele que está disposto a fazer a vontade de Deus manifestada pelas criaturas, seja ela qual for, agradável ou desagradável.

Já vistes alguma vez um cão quando es­pera ordens do dono? O inteligente animal está olhando fixamente para seu senhor, inquieto, nervoso, pronto a arrojar-se a qualquer perigo, esperando apenas um leve movimento da mão do dono para se lançar a cumprir a vontade deste, como uma seta. Se este lhe indica um rio, ele se lança ao rio; se o açula contra um inimigo, ele se arremessa contra o inimigo; se lhe mostra a morte, ele se precipita na morte... Antes de receber a ordem, o cão está indiferente para fazer uma coisa ou outra; em conhecendo a vontade do seu senhor, embora seja ela árdua de cumprir, ele não vacila; cumpre-a do melhor modo que pode.

Esta deve ser a indiferença que haveis de tirar desta consideração: estar prontos a escolher as criaturas que Deus quiser para a vossa salvação. Erro funesto seria que escolhêsseis, para vos salvardes, aquilo que não esteja conforme com a consecução do nosso fim último.

Vede um menino pequeno sentado diante da sua mesinha, disposto a escrever a sua página. Não lhe faltam desejos de trabalhar. Porém ele só se tem exercitado em copiar letras do modelo em papel pautado, com as pautas paralelas, cruzadas de oblíquas. Está indeciso para escolher pena e papel, pois os tem de várias classes. O mestre lhe disse que escrevesse no supradito papel pautado e com tal pena, a única que ele sabe manejar; porém ele se cansa dessa sujeição, e, contra a opinião do mestre, que sabe o que à criança convém, mete-se a copiar letra miúda em papel sem pauta e com outra pena que nunca manejou. O menino copia o seu modelo com fervor, com entusiasmo...

Admirado dessa não vista aplicação, o mestre chega-se caladinho por detrás e olha através dos óculos o escrito do seu discípulo.

O cruído de um piparote e um “Valha-me Deus!” do velho preceptor perturbam o silêncio da escola. O mestre contempla com aborrecimento a obra do seu discípulo: é um conjunto de linhas tortas; umas tendem para o céu, outras correm para o abismo, conforme se inclinam para baixo... as outras vão avançando em zigue-zague mui ricamente; uma ou outra mete-se na jurisdição da sua vizinha, atravessando-a aleivosa de lado a lado.. . As letras estão umas apertadas em grupinhos, como se estivessem com frio, outras distanciadas, que parecem estar brigadas. Como sombras desse quadro, espalham-se borrões e salpicos por entre garranchos e garatujas...

Bobo! Vaidoso! — prorrompe afinal o mestre. — Por que escolhes as penas que não sabes manejar? Acreditas ser um futuro grande homem e és um ignorante atrevido. Por que desprezas meus conselhos e queres escrever por meios que não são adequados ao teu trabalho?

O mesmo vos aconteceria, meus filhos, se quisésseis usar das criaturas ao vosso talante, não olhando nisso à vontade de Deus, porém à vossa. Escreveríeis a vossa vida num caderno cheio de borrões e de letras hieroglíficas, que o diabo decifraria, mas que aborreceriam ao vosso anjo tutelar. Se Deus quer que um menino estude, e assim lho dá a entender por seus pais e mestres, que são os porta-vozes d’EIe, o menino fará mal em ir pelo caminho que lhe apeteça.

Isto e o que eu desejo tireis desta minha explicação: aborrecimento ao pecado, que vos desvia de Deus, último fim vosso, e indiferença no uso das coisas criadas, escolhendo aquelas que Deus quer para vós, saúde ou enfermidade, riquezas e honras ou pobreza e desprezos. Oh, meus filhos, se saísseis do exercício deste dia com tão boas disposições, quão bom exercício teríeis feito!

Como isso é difícil, pedi à Virgem Maria que vos dê inteligência para compreender e ânimo para praticar isto que vos ofereço como fruto da consideração do fim do homem.

Para consegui-lo, rezai comigo três Ave-Marias.




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