sábado, 14 de dezembro de 2013

Objeções - Gustavo Corção




OBJEÇÕES

A campanha distributista iniciada por Chesterton encontrou na Inglaterra de seu tempo, como encontrará aqui e em todos os tempos, uma onda de objeções dos mais va­riados tipos convergindo uniformemente para a mesma palavra condenatória: utopia. As duas principais objeções, propostas por Shaw, consistiam no seguinte: primeiro, a proprie­dade distribuída não ficaria distribuída muito tempo porque necessariamente se tornaria desigual, dada a desigualdade dos homens; segundo, a ideia era utópica e anacrônica, porque corresponde a um padrão medieval definitivamente ultrapassado.

Chesterton responde à primeira objeção com grande vivacidade dizendo não existir nenhuma tendência econômica natural que determine o desaparecimento da pequena propriedade senão quando ela se torna de fato pequena de mais.

Se um homem tem cem acres e um outro só tem meio acre, é muito pouco provável que este último consiga viver nesse meio acre. Haverá então uma tendência econômica que o impelirá a vender sua terra fazendo do outro homem o orgulhoso pro­prietário de cem acres e meio. Mas se um homem tem trinta e outro tem quarenta, não há tendência alguma que leve o primeiro a vender seu bem ao segundo. É completamente falso dizer que o primeirq não se pode manter, com trinta e que o segundo não pode se contentar com quarenta. É um comple­to absurdo; é o mesmo que dizer que um homem que possui um bull-terrier está obrigado a vendê-lo ao vizinho que possui um mastiff. É o mesmo que dizer que eu não posso ter um cavalo porque um vizinho excêntrico possui um elefante.


E ao cabo de uma argumentação prolon­gada, ele chega a uma conclusão, cujo prin­cipal fundamento é uma inabalável confiança na natureza humana.

O direito à propriedade é um ponto de honra. A palavra exatamente contrária de propriedade é prostituição. E não se pode dizer que um ente hu­mano venderá sempre aquilo que é sagrado, nesse sentido de propriedade íntima e privada, seja o corpo, ou as fronteiras de sua terra. Alguns o fazem: mas fazendo-o ficam sempre desclassificados em ambos os casos. Mas não é verdade que a maioria o faça; e quem o afirmar é um ignorante — não de nossos planos e projetos, não das visões e ideais que alguém acalente, não do distributismo ou da divisão do capital por tais ou quais processos — é um ignorante dos fatos da história e da substância da humanidade.

Quanto à segunda objeção, que diz respei­to ao anacronismo de seu ideal econômico, ele diz: "Eu mantenho o velho e místico dog­ma pelo qual o que o Homem já fez, o Homem pode fazer. Meus críticos parecem manter um dogma ainda mais místico, pelo qual o Homem não pode fazer uma coisa porque já a fez um dia."

Devo entretanto dizer que a resposta de Chesterton à primeira objeção não me parece perfeita.  Implicitamente está contido o elemento que faltou à argumentação explícita.

A verdade é que existe aquela tendência eco­nômica para o gigantismo, pela qual o dono do elefante acabaria comprando o cavalo, o mastiff, o bullterrier, e mais animais houvesse pela região. Existe, de fato, essa ten­dência, enquanto a economia se enquadrar nos princípios do liberalismo, que separam o direito de propriedade de uma noção de responsabilidade morai, isto é, enquanto o cam­po econômico for considerado um domínio puramente técnico, e portanto amoral. Como existe também, e ainda mais forte, a tendên­cia de absorver todos aqueles animais num grande instituto zootécnico, quanto mais a economia se enquadrar nos princípios do so­cialismo . A tendência, em qualquer dos casos, que são os casos reais e atuais, é a de ficar o homem sem os seus bichos, sem a sua casa e, na marcha em que vão as coisas, sem a mulher e os filhos. A única força que sã pode opor a essa força bruta e cega que aglutina a matéria e que faz o câncer se dilatar, é a revolução moral, a restauração da proprie­dade como base econômica da liberdade e da cidadania, mas condicionada ao uso e ligada à responsabilidade moral. Na verdade, o que Fulton Sheen diz explicitamente, traduzindo a doutrina oficial da Igreja, Chesterton diz apenas de modo implícito, em brioso apelo à humanidade do homem, deixando assim (por essa pequena falta de precisão) o problema exposto aos seus adversários. E deixando tam­bém a suposição, de que ele está desejando a volta dos áureos tempos do liberalismo, o que é inteiramente falso porque, embora liberal em política prática, ele é um ardoroso adver­sário do liberalismo filosófico.

Quanto à segunda objeção, eu creio que a resposta é plenamente satisfatória; mas tam­bém creio que é a mais chocante para o homem moderno, porque não há ideia que encontre tão fácil acolhida quanto essa, de supor que as coisas que foram feitas, foram necessariamente ultrapassadas. A posição de nosso autor, nessa questão, é especialmente corajosa, afrontando a opinião corrente no ponto que é considerado um vértice da mo­derna sabedoria. No seu livro The Outline of Sanity, no capítulo The Chance of Recovery ele desenvolve uma argumentação para mos­trar que certos passos atrás, certos recuos, são tão razoáveis em História como na vida cotidiana ou nas operações militares.


(Corção, Gustavo; Três Alqueires e uma Vaca)

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