segunda-feira, 2 de julho de 2012

Televisão Parte II - Uma poderosa ferramenta de aprendizagem?


 Uma poderosa ferramenta de aprendizagem?



Mesmo que raramente seja o objetivo e mesmo pensando que seria difícil, é possível tornar-se uma pessoa educada assistindo televisão?

Se você pedir a um telespectador para avaliar o que aprendeu durante seus anos de consumo de televisão, haverá poucas respostas precisas. Ele sabe os nomes e os rostos dos atores, das celebridades, e jogadores de futebol. Ele sabe que há guerras, no Oriente Médio, por exemplo, mas sem saber por quê. Ele sabe o nome do presidente e do secretário de Estado e seu representante. Ele tem uma vaga lembrança de alguns assassinatos ou de crises graves em domínios que afetam a ele pessoalmente: saúde, segurança, economia.

Bombeiros assistem a filmes durante a sua formação, mas é assim que aprendem a ser bombeiros? Não, o filme é uma auxílio que, quando comentado e com pausas em imagens diferentes, pode ajudá-los a refletir e antecipar situações que não necessariamente tenham sofrido. Mas não é por ver Backdraft que você aprende a ser um bombeiro, não é assistindo Emergency que você aprende a ser um médico ou um enfermeiro, não mais do que você pode se tornar um bom jogador, assistindo a um jogo de futebol. Cenas filmadas podem ser usadas para completar a formação, mas apenas na medida em que se é capaz de assistir com espírito crítico.

A criança, que não tem nem experiência nem formação, nem maturidade, precisa viver no mundo real, não só para tornar-se educada, mas simplesmente para aprender a viver, viver de acordo com a realidade. A televisão só envolve os sentidos de longo alcance: visão e audição, e mesmo assim, a imagem domina a fala. Mas a criança precisa tocar, sentir (o calor do fogo, o frio). Ela precisa ter todas estas experiências da vida real que a televisão não pode dar: ela precisa sentir a vertigem do perigo, a angústia de estar errada, a dor da espera, clemência, perdão, misericórdia, tristeza, fadiga, a angústia da responsabilidade; ela precisa superar as dificuldades e os fracassos, e resolver problemas.

O diretor de Science City, entrevistado na rádio, justificou sua recusa em apresentar animações audiovisuais no pavilhão das crianças: "Não devemos nos contentar com o que é fácil, o que é importante para uma criança pequena é moldar-se pela interação com a realidade".
Um evento recente, mas que se repete muitas vezes de formas diferentes, aconteceu: dois jovens motoristas imprudentes fugiram do local após terem atropelado seis pedestres, matando três deles. Esse é um comportamento típico do espectador de televisão que nunca foi realmente confrontado com a vida real: a condução a uma velocidade irresponsável em uma pequena cidade e a fuga de uma dificuldade. Mesmo o segundo motorista, que estava seguindo e não tomou parte no acidente, preferiu se poupar ao invés de ajudar os feridos ou comunicar o acidente. Esses jovens, típicos de sua geração, tinham que ter visto acidentes de carro. Mas na televisão, nada é exigido deles. Tudo é feito sem eles. Alguém cuida dos feridos, ou então a ação continua e as vítimas são deixadas à sua sorte.

Nos centros médicos psico-pedagógicos, os psicólogos têm de reeducar as crianças com dificuldades de ajuste à realidade e com dificuldades de aprendizagem. As crianças têm que ser ensinadas a utilizar os seus sentidos, a falar, a agir sobre as coisas, a interagir com as pessoas. "A prática leva à perfeição", e os pais são muito ingênuos ao pensar que assistir a algo na televisão pode substituir as experiências da vida real.
Um acidente nas montanhas induziu a seguinte observação por parte dos habitantes: "Os jovens vivem em um mundo virtual e não percebem que a natureza é perigosa”.
Uma jovem recentemente confidenciou como estava feliz de estar trabalhando: "Eu preciso provar a mim mesma". Este é um sinal de maturidade, mas as crianças desta geração muitas vezes não têm a chance de se provar. Elas vivem em um universo diminuído, artificial: escola, jogos de computador, televisão. Não há muito espaço para a vida real.

Será que os jovens que adotam comportamentos loucos e destrutivos (velocidade, drogas, álcool) não estão tentando provar algo para si mesmos? Será que eles não estão tentando experimentar algumas das sensações da vida real das quais eles sempre foram excluídos? Eles estão tentando sentir angústia, medo, superação de obstáculos, e excitação dos sentidos, mas de acordo com a lógica de uma sociedade de consumo: "tudo – agora mesmo".

Mas, para voltar à questão, pode-se adquirir conhecimento valioso e útil graças à televisão? O exemplo do professor citado acima mostra que apenas assistir a um programa não é suficiente para se beneficiar dele. Outra professora perdeu a paciência com seus alunos um dia. Ela tinha aconselhado os alunos mais velhos a assistir notícias na televisão, a fim de manter-se a par do que está acontecendo no mundo. Enquanto estudava as batalhas da Segunda Guerra Mundial no norte da África, ela observou que os alunos não sabiam nada sobre a Líbia, a sua situação geográfica ou a sua capital, embora o noticiário da TV não tivesse falado de mais nada senão Kaddafi por várias semanas.

A razão é que um adulto educado é capaz de vincular as informações sobre a Líbia ao conhecimento que ele já possui e à sua visão de mundo, enquanto uma criança ou adolescente só se lembra de alguns poucos trechos que não têm nenhum significado para ele e aos quais ele nunca vai atribuir qualquer significado. No melhor dos casos, ele terá uma reação espontânea à informação: Kaddafi é um cara mau; ele jogou bombas em algum lugar. O adolescente está, então, pronto para ser manipulado: ele absorve informações sem pensar, sem análise, sem compreensão. Na vida real, a pessoa também absorve informação, mas compreende-se os prós e contras de uma situação; a realidade domina. Um simples turista residente na Líbia teria uma melhor compreensão do evento.

Um professor visitando uma fazenda rapidamente compreende que um touro é um animal perigoso, que uma tempestade pode causar danos irreparáveis, que um único pneu do trator custa uma fortuna, que o trabalho é cansativo, que a vida real em uma fazenda não tem nada a ver com as considerações irreais que podem ser encontradas nos livros didáticos sobre a necessidade de os agricultores reestruturarem suas operações, para se adaptar ao mercado, investir em técnicas mais rentáveis...

Um dia eu assisti a um documentário sobre o Cáucaso produzido pelo Knowledge of the World em um cinema. Eu estava muito interessada no assunto e tinha ido lá com a intenção de aprender. Durante o filme, eu tomava notas, e alguns meses mais tarde, quando reli fiquei surpresa ao ver que eu tinha esquecido completamente algumas cenas surpreendentes. Eu tinha esquecido nomeadamente uma cena em que um padre da Igreja Ortodoxa Armênia estava sacrificando aves: ele decapitou os pássaros trazidos a ele pelo fiel e colocou numa pilha ao lado dele. A partir disso, eu concluí que um espectador de televisão, apesar das melhores intenções, só podia entender e reter informações com dificuldade. Com um DVD ou vídeo, ele pode fazer uma pausa durante uma imagem, ir para trás, rever o filme ou programa e notar e lembrar o que tinha escapado a ele na primeira vez. A televisão e o cinema não permitem esse tipo de revisão.

O que devemos pensar dos pais que dizem que seu filho aprendeu a ler com a televisão? Eu fui capaz de verificar que a alegação era falsa nos casos anunciados em meu círculo. Ou os pais mentem, ou então eles estão enganados.
Durante os anos sessenta, o programa Vila Sésamo teve muito sucesso nos Estados Unidos. Era tanto um programa educativo quanto divertido cujo objetivo era ajudar as crianças menos favorecidas financeiramente a preencher suas lacunas antes de ir para a escola.
Apesar do sucesso de Vila Sésamo com as crianças, os professores não discerniram qualquer progresso notável entre os seus alunos. Enquanto pode ter acontecido que as crianças tenham pegado alguns elementos de conhecimento, os professores notaram que em todas as classes houve dificuldades crescentes na expressão, memorização, concentração e atenção voluntária.

No entanto, os estudos parecem mostrar o progresso entre as crianças que assistiram Vila Sésamo. Uma revisão do estudo mostrou que as crianças envolvidas haviam sido ajudadas pelos adultos responsáveis ​​por elas, que as tinham preparado, tinham visto o programa com elas, e tinham verificado a sua aprendizagem antes da vinda dos pesquisadores. Foi a intervenção do adulto e não o próprio programa que permitiu que essas crianças aprendessem alguma coisa.

Um estudo realizado pelo Professor Marcel Rufo estabeleceu uma ligação entre a hiperatividade das crianças e a televisão: quando os resultados foram representados graficamente, uma correlação quase perfeita foi encontrada entre um aumento de hiperatividade e tempo gasto assistindo televisão. O professor Rufo ensina Psicologia Infantil na Universidade de Marselha, e seu teste envolveu centenas de crianças, avaliando sua capacidade de memorizar e associar imagens, ideias e palavras (o teste Ruz). Este estudo mostrou uma diminuição das faculdades intelectuais das crianças e dos adolescentes questionados, ligado ao tempo gasto em frente à telinha.

Um estudo americano nos informa que quinze milhões de crianças norte-americanas estão tomando altas doses de medicamentos prescritos para doenças neuropsiquiátricas: estimulantes para combater a dificuldade de concentração ("déficit de atenção") e antidepressivos para combater a desordem maníaco-depressiva [bipolar]. O estudo não incidiu sobre as causas desses distúrbios, mas sobre os direitos dos pais de recusar os medicamentos; é altamente provável que estas doenças têm uma ligação direta com a televisão como causa direta ou como um fator agravante.

Traduzido de La Télévision, ou le péril de l’esprit (copyright Clovis, 2009)
Notas:
1 A explicação mais completa das causas físicas para esta "fixação desfocada" é encontrada em um dos livros referenciados pelo autor: Marie Winn’s The Plug-in Drug (1977; Penguin Books, 2002), p.27.-Tr.
2 Crítico social norte-americano, palestrante e autor, que escreveu vários best-sellers de não ficção, incluindo The Hidden Persuaders (1957). - Tr.

Nenhum comentário:

Postar um comentário