(Pierre-Auguste Renoir) |
Parece que a amizade não é uma virtude especial:
1. Com efeito, Aristóteles afirma que “a amizade perfeita é aquela que se fundamenta na virtude”. Ora, toda virtude é causa de amizade, porque, segundo Dionísio, “o bom é amável para todo mundo”. Logo, a amizade não é uma virtude especial, mas a conseqüência de toda virtude.
2. Além disso, Aristóteles diz, a respeito de um amigo, “que não é nem por amor nem por falta de amor que ele recebe todas as coisas como convém”. Ora, quando alguém exibe sinais de amizade àqueles que não ama, pratica algo do gênero da simulação, que repugna à virtude. Logo, esta amizade não é uma virtude.
3. Ademais, Aristóteles diz que a “virtude se situa em um meio-termo determinado pelo sábio”. Ora, o livro do Eclesiástico afirma: “O coração dos sábios está na tristeza, o coração dos insensatos na alegria” (7, 5). Convém, portanto, ao homem virtuoso se precaver sobremaneira contra o prazer, como diz Aristóteles. E ele acrescenta que este tipo de amizade “deseja por si mesma compartilhar as alegrias e evita provocar tristeza”. Logo, esta amizade não é uma virtude especial.
Porém, EM SENTIDO CONTRÁRIO, os preceitos da lei têm por objeto os atos das virtudes. Mas o livro do Eclesiástico diz: “Faze-te afável na assembléia dos pobres” (4, 7). Por conseguinte, a afabilidade, que aqui se chama amizade, é uma virtude especial.
RESPONDO: Uma vez que a virtude se ordena para o bem, toda vez que ocorre uma razão especial de bem, aí também haverá uma razão especial de virtude. Mas o bem consiste na ordem. Ora, é preciso que as relações entre homens se ordenem harmoniosamente num convívio comum, tanto em ações quanto em palavras, ou seja, é necessário que cada um se comporte com relação aos outros de maneira conveniente. Por isso, é necessário uma virtude especial que mantenha a harmonia desta ordem. E esta virtude se chama amizade ou afabilidade.
Quanto às objeções acima, portanto, deve-se dizer que:
1. Aristóteles fala de duas amizades. A primeira consiste principalmente na afeição de um homem para com outro, e pode ser a conseqüência de qualquer virtude. O que se refere a esta amizade foi dito quando se tratou da caridade. – Mas ele fala de um segundo tipo de amizade que consiste unicamente em palavras ou atos exteriores. E esta não realiza de maneira perfeita a razão de amizade, mas tem com ela uma certa semelhança, na medida em que alguém se comporta decentemente com aqueles com quem convive.
2. Deve-se dizer que por natureza todo homem é amigo, com amor geral, segundo a palavra do Eclesiástico: “Todo ser vivo ama seu semelhante” (13, 19). E as pessoas manifestam este amor por sinais de amizade que se dirigem em palavras ou atos até mesmo aos estranhos e desconhecidos. E não existe simulação nisso. Porque não se dá a estas pessoas sinais de amizade perfeita, uma vez que não se pode ter com estranhos a mesma intimidade que se tem com aqueles a quem se está unido por uma amizade especial.
3. Quando se diz que o coração dos sábios está na tristeza, não se quer dizer que os sábios levam a seu próximo a tristeza, pois o próprio Paulo afirma: “Quando um irmão teu se mostra triste por causa da comida, tu já não estás te conduzindo segundo as normas da caridade” (Rm 14, 15). Ao contrário, estes sábios procuram levar um consolo aos que estão tristes, de acordo com o Eclesiástico: “Não dês as costas a quem chora e procura te afligir com os aflitos” (7, 38). – Mas, quando se diz que o coração dos insensatos está na alegria, não quer dizer que eles alegrem os outros, mas que se aproveitam da alegria alheia.
Pertence aos sábios trazer prazer para aqueles de cujo convívio participam. Não o prazer lascivo que a virtude recusa, mas o prazer honesto, de acordo com o Salmo: “Como é bom e agradável para os irmãos habitarem juntos!” (Sl 132, 1). Algumas vezes, porém, para conseguir um bem ou afastar um mal, o homem virtuoso não terá medo de entristecer seus companheiros, como diz Aristóteles. E Paulo diz: “Se com esta carta eu fiz vocês ficarem tristes, não me arrependo” (2 Cor 7, 8). E logo a seguir: “Eu me rejubilo, não por terdes ficado tristes, mas por esta tristeza vos ter levado à penitência”. E, por isso, não devemos mostrar um semblante alegre àqueles que se deixam levar pelo pecado, como se quiséssemos confortá-los, para que não pensem que temos cumplicidade com o pecado deles e que, de certa forma, estamos encorajando sua audácia no pecar. Assim, lemos no livro do Eclesiástico: “Tens filhas? Trata de preservar a pureza dos corpos delas, e não lhes mostres um semblante risonho” (7, 26).
(Suma Teológica, II-II, q.114, a.1)
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