terça-feira, 14 de agosto de 2012

A Imitação de Cristo - Tomas de Kempis - Livro II - Capítulo X



A IMITAÇÃO DE CRISTO - TOMAS DE KEMPIS



LIVRO SEGUNDO

CAPÍTULO 10

Do agradecimento pela graça de Deus

1.  Para que buscas repouso se nascestes para o trabalho? Dispõe-te
mais à paciência que à consolação, mais para levar a cruz que
para ter alegria. Quem dentre os mundanos não aceitaria de bom
gosto a consolação e a alegria espiritual, se a pudesse ter sempre
ao seu dispor? As consolações espirituais excedem todas as
delícias do mundo e todos os deleites da carne. Pois todas as
delícias do mundo ou são vãs ou torpes, e só as do espírito são
suaves e honestas, nascidas que são das virtudes e infundidas por
Deus nas almas puras. Mas ninguém pode lograr estas divinas
consolações à medida de seu desejo, porque não cessa por muito
tempo a guerra da tentação.

2.  Grande obstáculo às visitas celestiais é a falsa liberdade do
espírito e a demasiada confiança em si mesmo. Deus faz bem
dando-nos a graça da consolação; mas o homem faz mal não
retribuindo tudo a Deus, com ação de graças. E se não se nos
infundem os dons da graça, é porque somos ingratos ao Autor, não
atribuindo tudo à fonte original. Pois sempre Deus concede a graça
a quem dignamente se mostra agradecido e tira ao soberbo o que
costuma dar ao humilde.

3.  Não quero consolação que me tire a compunção, nem desejo
contemplação que me seduz ao desvanecimento; porque nem tudo
que é sublime é santo, nem tudo que é agradável é bom, nem todo
desejo é puro, nem tudo que nos deleita agrada a Deus. De boa
mente aceito a graça, que me faz humilde e timorato 
e me dispõe melhor para renunciar a mim mesmo. 
O homem instruído pela graça e experimentado 
com sua subtração não ousará atribuir-se
bem algum, antes reconhecerá sua pobreza e nudez. 
Dá a Deus o que é de Deus, e atribui a ti o que é teu; 
isto é, dá graças a Deus pela graça, e só 
a ti atribui a culpa e a pena que a culpa merece.

4.  Põe-te sempre no ínfimo lugar, e dar-te-ão o supremo, porque o
mais alto não existe sem o apoio do inferior. Os maiores santos
diante de Deus são os que se julgam menores, e quanto mais
glorioso, tanto mais humildes são no seu conceito. Como estão
cheios de verdade e glória celestial, não cobiçam a glória vã. Em
Deus fundados e firmados, nada os pode ensoberbecer. Atribuindo
a Deus todo o bem que receberam, não pretendem a glória uns
dos outros; só querem a glória que procede de Deus; seu único
fim, seu desejo constante é que ele seja louvado neles e em todos
os santos, acima de todas as coisas.

5.  Agradece, pois, os menores benefícios e maiores merecerás.
Considera como muito o pouco, e o menor dom por dádiva
singular. Se considerarmos a grandeza do benfeitor, não há dom
pequeno ou de pouco valor; porque não pode ser pequena a
dádiva que nos vem do soberano Senhor. Ainda quando nos der
penas e castigos, Lho devemos agradecer, porque sempre é para
nossa salvação quanto permite que nos suceda. Se desejares a
graça de Deus, sê agradecido quando a recebes e paciente
quando a perdes. Roga que ela volte, anda cauteloso e humilde,
para não vires a perdê-la.

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