Hieronymus Bosch (1450-1516), Os sete pecados capitais, Museu do Prado, Madrid |
Parece que todos
os pecados são iguais:
1. Com efeito, pecar é fazer o que não é permitido. Ora, isso é
algo que é sempre repreensível de modo igual e uniforme. Logo, nenhum pecado é
mais grave do que o outro.
2. Além disso, todo pecado consiste em transgredir a regra da
razão, a qual está para os atos humanos, como nas coisas materiais está a régua
linear. Portanto, pecar é de certo modo não mais se as linhas. Ora, não seguir
as linhas acontece igualmente e do mesmo modo, se se afasta mais longe ou se
fica mais perto, porque nas privações não há mais e menos. Logo, todos os
pecados são iguais.
3. Ademais, os pecados opõem-se às virtudes. Ora, todas as
virtudes são iguais, diz-nos Cícero. Logo, todos os pecados são iguais.
EM SENTIDO CONTRÁRIO, o Senhor
disse a Pilatos, no Evangelho de João (19,11): “Aquele que me entregou a ti tem
um pecado maior”. E é evidente que Pilatos teve algum pecado. Logo, um pecado é
maior que o outro.
Os estóicos, e Cícero depois, pensaram que todos os pecados são
iguais. Daí derivam também o erro de certos hereges que, admitindo a igualdade
de todos os pecados, admitem igualmente a igualdade de todas as penas do
inferno. E quanto se pode ver pelas palavras de Cícero, os estóicos eram
movidos pelo fato de considerarem no pecado somente a privação, isto é, enquanto
afastamento da razão. Por isso, julgando de modo absoluto que nenhuma privação
poderia comportar mais ou menos, afirmaram que todos os pecados são iguais.
Mas, se se considera com cuidado, percebem-se dois gêneros de
privação. Há uma privação pura e simples, que consiste num estado completo de
corrupção. É assim que a morte é a privação da vida, e as trevas da luz. Tais
privações não têm mais nem menos, pois nada resta do que havia. Não se está
menos morto no primeiro dia, no terceiro ou no quarto, do que no final de um
ano quando o cadáver está decomposto. Igualmente, uma
casa não é mais escura quando se cobre a lâmpada com vários véus, ou com um
único que veda totalmente a luz.
Há uma outra privação, não simples. Ela retém alguma coisa daquilo
que ela exclui. Ela é, antes, um caminho para a corrupção do que um estado de
corrupção completa. Tal é o caso da doença que faz perder o bom equilíbrio dos
humores, de tal modo que ainda fica alguma coisa, sem a qual o animal não
estaria mais com vida. Tal é igualmente o caso da feiura e de outras coisas do
gênero. Ora, tais privações pelo que fica do hábito contrário, são susceptíveis
de mais e de menos. De fato, muito interessa à doença e à feiura o afastar-se
mais e menos do bom equilíbrio dos humores ou dos membros. Deve-se, portanto,
dizer a mesma coisa dos vícios e dos pecados. Pois, neles se dá a privação da
devida medida da razão de modo que não se suprime inteiramente a ordem da
razão. Se o mal fosse integral, destruir-se-ia a si mesmo, como se diz no livro
IV da Ética. Não
poderia subsistir a substância de um ato, nem as afeições daquele que age, se
não subsistisse algo da ordem da razão. E assim, muito interessa à gravidade do
pecado o afastar-se mais ou menos da retidão da razão. E segundo isso deve-se
dizer que nem todos pecados são iguais.
Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:
1. Não é permitido cometer pecados por causa da desordem que
contém. Portanto, aqueles que contêm uma desordem maior são mais ilícitos, e,
por conseguinte, mais graves.
2. Este argumento procede do pecado como se fosse uma privação
pura.
3. As virtudes são proporcionalmente iguais em um e mesmo
indivíduo. No entanto, por sua espécie uma virtude precede outra em dignidade
mesma espécie de virtude, um homem é mais virtuoso do que outro como acime se
estabeleceu (q.66, a. 1, 2). Mesmo se as virtudes fossem iguais, não se
seguiria que os vícios são iguais, porque há conexão entre as virtudes, e não
entre os vícios ou pecados.
Suma Teológica I-II, q. 73, a. 2
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