Na foto, sacerdote celebra Missa clandestinamente durante a Revolução Francesa |
Percival Puggina
Os recorrentes debates sobre a laicidade do Estado guardam
relação apenas periférica com a questão religiosa. Ela fornece o
acompanhamento, mas pouco tem a ver com o prato principal. *
O rufo de tambores que ouvimos são os de uma declarada
guerra, nada santa, contra a influência do Cristianismo na cultura e nos
valores morais dos indivíduos. E contra o reflexo disso no Direito. Guerra pela
completa abolição dessa influência. Todos, inclusive os militantes do ateísmo,
sabem que: 1º) é quase impossível "desconverter" os indivíduos de uma
fé em Deus para uma fé no Nada absoluto; 2º) é inaceitável pela sociedade a
ideia de um Direito moralmente insignificante, ou que ignore os princípios e
valores compartilhados pelos membros da sociedade. Diante de tais e tão grandes
dificuldades, os militantes do ateísmo cultural propuseram-se a algo muito mais
sutil - querem esterilizar a moral nos próprios indivíduos. Como? Convencendo
você, leitor, por exemplo, de que os princípios e valores que você adota são,
na origem, tão religiosos (e por isso mesmo tão pessoais) quanto a própria
religião que porventura professe. Integrariam, então, aquele foro íntimo no
qual se enquadrariam a religião e suas práticas. Pronto! Segundo o princípio da
laicidade do Estado, tais princípios e valores só teriam vigência na vida
privada.
As investidas contra os símbolos religiosos são apenas a
ponta do rabo do gato. O felino inteiro é muito mais pretensioso. E maior. O
que pretende é laicizar a cultura, as opiniões e, principalmente, os critérios
de juízo e decisão. Portanto, toda a conversa fiada sobre supostas infrações à
devida separação entre o Estado e a Igreja precisa ser entendida como aquilo
que de fato é: atitude de quem adotou o Estado, e só o Estado, por fonte de
todo bem, baliza perfeita para o certo e o errado, e vertente dos valores que
devem conduzir a vida social. Convenhamos, é uma tese. Mas - caramba! - qual é,
precisamente, a moral do Estado? Na prática, a gente conhece... Na teoria, é a
que a sociedade majoritariamente determine, excluída a que moldou a civilização
ocidental. Ou seja, aquela que deriva do Cristianismo, proclamada inadmissível
perante a laicidade do Estado, blá, blá, blá.
Tal linha de raciocínio não resiste ao primeiro safanão.
Precisa de reforços e apoios propiciados pelo relativismo moral. Cabe a este
filho do pós-modernismo mostrar que a moral majoritária é apenas uma das tantas
que andam por aí através do tempo, do espaço e da miséria humana. Saem às ruas,
então, representações desse moderno mundo novo - Parada Gay, Marcha das Vadias,
Marcha pela Maconha, movimentos ou partidos como os que dançaram pelados na
Câmara Municipal de Porto Alegre ou fizeram sexo com símbolos religiosos no Rio
de Janeiro. Escandalosos? Escandalosos perante qual senso moral? O
totalitarismo pós muro de Berlim, tipo Foro de São Paulo, precisa do ateísmo
cultural e do relativismo para derrogar o cristianismo cultural, esse resíduo
empobrecido do Cristianismo. Destruídos os valores que o fundamentam, acaba a
democracia pelo simples fato de que esta não se sustenta numa sociedade
política sem princípios, sem valores e sem vergonha.
Publicado no jornal Zero Hora.
*Há um texto suprimido por estar inconforme à doutrina
católica tradicional sobre a separação entre Igreja e Estado.
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