terça-feira, 13 de agosto de 2013

Sobre as tentações frequentes. É nos intervalos da paz que devemos preparar para a guerra.




CAPÍTULO IX

SOBRE AS TENTAÇÕES FREQUENTES. É NOS INTERVALOS DA PAZ QUE  NOS DEVEMOS PREPARAR PARA A GUERRA.
                  
Quando estamos expostos a tentações frequentes, devemos, no tempo da calma, premunir-nos contra os ataques delas, haurir forças para lhes resistir. Aquele que espera pelo momento do combate para a ele se dispor, infalivelmente é surpreendido e logo vencido. É no tempo de paz que nos devemos preparar para a guerra : esta máxima é geralmente reconhecida. Devemos fazer uso dela na piedade, onde as derrotas são de consequência inteiramente outra que nas coisas temporais, visto que privam, de um reino eterno.


Esta preparação consiste numa vida recolhida, interior. Entregue à dissipação, uma alma não presta, a princípio, toda a atenção que deve prestar ao que se passa no seu coração. A tentação faz progressos antes que ela esteja em estado de renunciar-lhe. Ocupada com inutilidades, a mente custa a refletir seriamente sobre os motivos de Religião que podem contrabalançar o atrativo da paixão. No recolhimento, a alma, ocupada de Deus e de bons sentimentos, de longe vê vir o inimigo: precata-se de inicio: e acha, na sua mente e no seu coração, armas prontinhas para combatê-lo com êxito. A mente ocupada das verdades da Fé, o coração apegado à virtude pelos sentimentos habituais que o guiam, dificilmente é abalado pelas falsas satisfações que a paixão apresenta. Ao clarão desse facho da Fé, facilmente reconhecemos o precipício horrendo a que a tentação conduz, concebemos horror dele, afastamo-nos dele para a ele não nos deixarmos arrastar. A oração assídua, a proteção, que reclamamos, dos Santos, e sobretudo, da Mãe de Deus, abrem os tesouros do céu: fazem descer dele essas graças de escolha de que se torna indigna uma alma dissipada, que não pensa em solicitá-las.

Se essa vida recolhida for sustentada pelos Sacramentos, dos quais nos aproximamos amiúde, para isto nos preparando com cuidado, ainda em mais segurança estaremos. Ainda mesmo quando sucumbíssemos algumas vezes, não devemos afastar-nos dos Sacramentos: muito antes, a eles devemos recorrer mais frequentemente. O Sacramento da Penitência foi estabelecido não somente para perdoar os pecados que se cometeram, mas ainda para conferir graças particulares que afastam dos pecados que ainda se poderiam cometer, graças que fortificam contra as paixões que os fizeram cometer. Afastando-nos do Sacramento, privamo-nos dessas graças especiais, e tornamo-nos sempre mais fracos. A medida que mais amiúde nos aproximamos do Sacramento da reconciliação, concebemos sempre mais horror ao pecado. Este horror, mais vezes reiterado, imprime-se mais fortemente, age mais vivamente na alma, e sustenta-a mais poderosamente na ocasião. Aliás, todos os Doutores convêm em que uma pessoa que teve a desdita de cair num pecado mortal, mormente quando tem pendor para ele, não deve adiar por muito tempo o sair desse estado, porque, privada da graça santificante, e por isto afastada de Deus, de quem se tornou inimiga, está em maior perigo de cair em semelhantes pecados, se for de novo atacada pela tentação. Causa ela, pois, a si mesma grandíssimo prejuízo quando se afasta do sacramento da Penitência.

A santa Comunhão também é um meio poderoso para se sustentar contra as tentações, se nos aproximarmos dela com santas disposições. Nela recebemos Jesus Cristo, o Salvador de nossas almas. Depois de se haver dado a nós, podemos pensar que Ele nos recusará os socorros que devem prender-nos a Ele? Ele só vem ao nosso coração para firmá-lo no bem. O santo Concilio de Trento, falando da divina Eucaristia, diz: Jesus Cristo quis que esse Sacramento fosse recebido como o alimento espiritual das almas, alimento que as sustentasse e fortificasse...e como um antídoto pelo qual fossemos libertos das faltas diárias e preservados dos pecados mortais (Sess. 13, c. ll). Se há estado em que a alma tenha necessidade premente de um socorro particular que a sustente no bem, que a fortifique contra os inimigos da sua salvação, que a preserve dos pecados mortais, esse estado é, sem dúvida, esse em que se acha a alma sujeita às tentações. Nunca essa comida celeste, esse antidoto poderoso, lhe é mais necessário. Privar-se, por culpa própria, de tamanho bem, estabelecido para o fim que se deseja nesse estado, não é querer expor-se a sentir todo o peso de sua fraqueza? Aliás, essa alma que quer aproximar-se santamente dos Sacramentos está ocupada desse grande objeto: cheio dos sentimentos de piedade que quer trazer a eles, o seu coração faz diversão às tentações que o assediam, e fica poderosamente empenhado em não admitir coisa alguma que possa opor óbice às graças que ele solicita. Sobre este artigo, entretanto, é ao confessor que compete julgar das disposições; é a ele que cabe prescrever o que uma alma deve fazer nesse estado, para não cair na ilusão.

A todos esses  meios de se premunir contra as tentações a que uma alma está exposta, pode-se juntar a penitência. Ela atrai graças; humilha o espírito; amortece as paixões; expia os pecados, as faltas, as infidelidades ; desperta o fervor; excita à vigilância. Não se deve, entretanto, empregá-la sem discrição e sem discernimento. Devemo-nos mortificar, mas até certo ponto, para além do qual haveria um excesso capaz de prejudicar a saúde, saúde que a prudência cristã e religiosa manda poupar. Empregam-se sempre com êxito as práticas da penitência contra a maioria das paixões: mas há tentações em que essas práticas podem ser perniciosas a certas pessoas, no tocante ao seu caráter, ao seu temperamento. Para essas pessoas, devem as penitências ser interditas ; e essas pessoas nada devem fazer, nesse gênero, sem conselho e sem permissão.



(Livro Tratado das Tentações, do PADRE MICHEL da Companhia de Jesus)

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