(O Inferno de Dante) |
Et ibunt hi in supplicium aeternum – “Estes
irão para o suplício eterno” (Matth. 25, 46).
Sumário. A eternidade do inferno não é uma simples opinião,
mas sim uma verdade de fé fundada no testemunho de Deus na Santa Escritura, na
qual se diz repetidas vezes que os desgraçados pecadores, uma vez lançados
naqueles abismos, serão atormentados de dia e de noite pelos séculos dos
séculos. Se alguém por um dia de divertimento se deixasse condenar a trinta
anos de prisão, tê-lo-íamos por louco. Que maior loucura não seria a nossa, se
por um momento de vil prazer nos condenássemos a queimar no fogo para sempre? A
ficar privados para sempre da posse do soberano bem, que é Deus?
I. Se o inferno não fosse eterno, deixaria de ser
inferno. A pena que dura pouco, não é grande pena. Quando se rompe a um doente
um abscesso, quando a outro se queima uma úlcera, a dor é viva, mas, como passa
rapidamente, o tormento não é grande. Que sofrimento porém não seria, se aquela
incisão, aquela operação por meio do fogo, continuasse por uma semana, por um
mês inteiro? Quando o sofrimento é bastante prolongado, apesar de leve, como
uma dor de olhos, uma dor de dentes, torna-se insuportável. – Mas para que
falar de sofrimento? Mesmo uma comédia, uma música que se prolongasse muito ou
durasse um dia inteiro, não se poderia aturar pelo grande fastio. Que será,
pois, do inferno, onde não se trata de assistir à mesma comédia, de ouvir a
mesma música, onde não se tem unicamente a sofrer uma dor de olhos ou de dentes,
onde não se sente só o tormento de uma incisão ou de um ferro em brasa, mas
onde estão reunidos todos os tormentos e todas as dores? E isto, por quanto
tempo? Por toda a eternidade! Cruciabuntur die ac nocte in saecula
saeculorum (1) – “Serão atormentados de dia e de noite pelos séculos dos
séculos”.
Esta eternidade não é simples opinião, mas sim uma
verdade de fé, atestada repetidas vezes por Deus nas Sagradas Escrituras. Só no
capítulo 9 de São Marcos Jesus Cristo afirma até três vezes que o verme roedor
e a consciência dos condenados nunca morrerá: Vermis eorum non moritur;
até cinco vezes repete que o fogo que os abrasa, nunca será apagado: Et
ignis eorum non extinguitur; e finalmente conclui dizendo: Omnis igne
salietur (2) – “Será todo salgado pelo fogo”. Assim como o sal tem a
propriedade de conservar as cosias, assim o fogo do inferno, ao mesmo tempo que
atormenta os réprobos, produz neles o efeito de sal, conservando-lhes a vida.
Desgraçados réprobos!
Que loucura não seria se por um dia de divertimento
alguém se deixasse encerrar num calabouço vinte ou trinta anos? Se o inferno
durasse cem anos – cem anos! Que digo? – se durasse somente dois ou três anos,
seria já grande loucura condenar-se ao fogo esses dois ou três anos por um
momento de vil prazer. Mas não se trata de trinta, nem de cem, nem de mil, nem
de cem mil anos; trata-se da eternidade, trata-se de sofrer para sempre os
mesmos tormentos, sem nunca esperar fim nem momento de descanso.
II. Tinham razão os santos para temer e gemer, enquanto
estavam no mundo e, portanto, em risco de se perderem. O Bem-aventurado Isaías,
posto que parasse os dias no deserto entre jejuns e penitências, exclamava
chorando: Desgraçado de mim, que ainda não escapei ao perigo da condenação! Nondum
a gehennae igne sum liber! Mas se os santos tremiam, nós, que somos
pecadores, teremos a presunção de nos julgar seguros?
Ah, meu Deus! Se me tivésseis lançado no inferno,
como tantas vezes mereci, e depois me tivésseis tirado d’ali pela vossa
misericórdia, quanto Vos seria obrigado! Que vida santa não teria desde então
principiado! Agora por uma misericórdia maior me preservastes de cair no
inferno: que farei? Tornarei a ofender-Vos e a provocar a vossa indignação,
afim de que me condeneis realmente a arder nessa prisão dos revoltosos contra
Vós, onde já ardem tantas almas que cometeram menos pecados que eu? Ah! Meu
Redentor, é o que eu fiz no passado; em lugar de aproveitar o tempo que me
daveis para chorar os meus pecados, abusei dele para excitar a vossa ira. Agradeço
a vossa infinita bondade o ter-me aturado tanto tempo. Se não fosse infinita,
como me houvera sofrido?
Graças Vos dou por me haverdes esperado até aqui
com tamanha paciência, e graças Vos dou sobretudo pela luz que me concedeis
agora, luz que me deixa ver a minha demência e o agravo que Vos fiz,
ultrajando-Vos com tantos pecados. Detesto-os, meu Jesus, e arrependo-me de
todo o coração perdoai-me, em consideração à vossa Paixão e ajudai-me com a
vossa graça, a não mais Vos ofender. Com razão devo temer que, depois de mais
um pecado mortal, me abandoneis. – Ah, Senhor! Rogo-Vos que me ponhais sempre
diante dos olhos este justo temor, em particular quando o demônio novamente me
provocar a vos ofender. Amo-Vos, meu Deus, e não Vos quero mais perder; ajudai-me
com a vossa graça. – Ajudai-me também vós, ó Virgem Santíssima, e fazei com que
em minhas tentações sempre recorra a vós, afim de que nunca mais perca o meu
Deus. Ó Maria, vós sois a minha esperança. (II 123.)
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1. Apoc. 20, 10.
2. Marc. 9, 48.
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos
os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima Segunda Semana depois de
Pentecostes até o fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p. 66-68.)
Fonte: São Pio V
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