O
Movimento Carismático
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Suas
origens
Tudo
começou com a participação de alguns católicos em assembleias de pentecostistas
protestantes e com a recepção do “batismo do Espírito” por obra dos
pentecostistas.
Em
13 de janeiro de 1967, “dia da oitava da Epifania, consagrado pela liturgia
católica à celebração do batismo de Jesus por meio do Espírito Santo no Jordão,
... eles [os fundadores do pentecostismo] encontravam-se na casa de Miss
Florence Dodge, uma presbiteriana que havia organizado um grupo de oração há
algum tempo. O grupo reunia-se em sua casa com regularidade e ela habitualmente
dirigia essas reuniões” (Le Retour de l’Esprit, p. 22, ed. du Cerf, Paris –
livro dos Ranaghan, que figuraram entre os primeiros “pentecostistas católicos”
e também entre os primeiros em escrever sobre o movimento carismático). Mais
tarde, três professores de Pittsburg e a esposa de um deles assistiram uma
primeira reunião carismática: “Deixou-nos uma impressão duradoura, diz um
deles, de que ali operava o Espírito [?]” (Ibidem, p. 23).
Dois
dos professores (Ralph Keifer e Patrick Bourgeois) assistem à reunião seguinte:
“terminou – diz Ralph Keifer – quando Pat [Patrick Bourgeois] e eu pedimos que
rezassem conosco a fim de recebermos o batismo do Espírito.
Eles
se dividiram em vários grupos, porque rezavam por várias pessoas. Só me pediram
que fizesse um ato de fé para que o poder do Espírito operasse em mim. Logo
rezei em línguas” (Ib., p. 23). “Na semana seguinte – acrescentam os Ranaghan
-, Ralph [Keifer] impôs as mãos aos outros dois [ou seja, ao outro professor de
Pittsburg e à esposa de um deles] e também eles receberam o batismo do
Espírito” (Ib., p. 24). O processo está a caminho: o iniciado torna-se
iniciador e transmite o “influxo espiritual”. Todo o chamado pentecostismo
‘católico’ se encontra em germe nesses textos do livro dos Ranaghan.
Prosseguindo sua leitura, vemos como a “corrente” passa de um dos promotores
aos recém-chegados: “Um casal de noivos ... tinha ouvido falar do “batismo do
Espírito Santo” e desejava recebê-lo. Aproximaram-se então de Ralph Keifer [um
dos fundadores do pentecostismo “católico”] e pediram-lhe que rezassem com eles
para que o Espírito Santo se fizesse plenamente em sua vida... Foram profundamente
tocados pelo Espírito de Cristo. O Espírito manifestou-se muito rápido com o
dom das línguas e aquele jovem e aquela senhorita louvaram a Deus” (Ib., p.
29). E tudo não acaba aqui: “Mas eles sabiam que, ao mesmo tempo, uma das
jovens [membro do grupo pentecostista] ... tinha sido atraída para a capela e
que ali tinha sentido a presença quase tangível do Espírito de Cristo. Saiu
tremendo da capela e chamou os outros para que regressassem até ali. Os membros
do grupo, sozinhos ou em dupla, dirigiram-se para lá e, enquanto estavam todos
unidos em oração, o Espírito Santo se fez derramar sobre eles” (pp. 29-30).
Salta à vista que essa espécie de “Espírito” sopra muito e “pneumatiza” todo
aquele que se entrega a sua ação transbordante de favores carismáticos! Em
poucas palavras: a corrente carismática passou do protestantismo herético e
iniciático aos supostos católicos, provocando “efeitos maravilhosos” de ardor
religioso que não podem ser explicados por uma causa sobrenatural, porque o
Senhor não pode de maneira alguma participar de uma experiência feita por
católicos desobedientes à Igreja, em um ambiente herético e com uma iniciação,
um rito, abertamente acatólico.
A
iluminação iniciática
O
pentecostismo carismático parte de um fenômeno que, segundo parece, quer se
fazer passar por uma obra do Espírito Santo; tal fenômeno consiste em uma
iluminação iniciática.
A
iluminação iniciática constitui o umbral das sociedades secretas, congregações
iniciáticas, etc. No movimento carismático, essa iluminação “precipita” a alma
num universo que já não é o da fé católica, e sim outro universo. Para se
chegar à iluminação iniciática, requer-se uma escolha, uma decisão. No
movimento carismático, tal escolha consiste em receber o famoso “batismo do
Espírito”. Nota-se que a iluminação iniciática não é algo que se aprenda, mas
uma “impressão” que se recebe e que não se pode explicar.
No
movimento carismático, nada, absolutamente nada, pode verificar-se sem um
membro “iniciador”, que já tenha recebido o “batismo do Espírito” (ou seja, a
“iniciação carismática”) e que, por si só, tenha-se tornado capaz de transmitir
o “influxo espiritual” responsável pela impressão iniciática. Isso constitui um
elemento capital no movimento carismático, elemento que também permite distinguir
o Sacramento da Confirmação conferido no seio da Igreja Católica do mencionado
“sacramento carismático”, pois somente um bispo pode conferir o Sacramento da
Confirmação (ou um sacerdote delegado por ele), e ele não pode transmitir seu
poder a seus sacerdotes e muito menos aos leigos. No movimento carismático, ao
contrário, o iniciado transmite, através da iniciação, seu próprio poder de
“iniciar”. Além disso – coisa estranha – um Cardeal pode receber a iniciação
carismática das mãos de um menino dotado de “poderes espirituais” dos quais
careceria o príncipe da Igreja. Basta que este menino tenha recebido o
“sacramento” iniciático do “batismo do Espírito”. Tendo em vista a natureza
hierárquica da Igreja, isso é simplesmente uma aberração!
Assim,
os grupos carismáticos podem multiplicar-se até o infinito: basta que tenham um
“iniciado”, seja padre, religioso ou leigo, homem ou mulher, velho, adulto ou
criança. Isso não importa.
A
iluminação iniciática exige um rito
Outro
ponto capital é o da necessidade de um rito para realizar a iluminação
iniciática.
O
movimento carismático é a história de um influxo “espiritual” (alheio à fé
católica) transmitido por um “iniciado” mediante um rito que serve de veículo:
o “batismo do Espírito” com a imposição das mãos. Rito que os católicos foram
buscar entre os pentecostistas protestantes! O movimento carismático não é
nada, absolutamente nada, sem esse rito, quer dizer, sem a transmissão de um
influxo “espiritual” destinado a produzir uma impressão ou uma iluminação
iniciática.
A
questão capital: de que natureza é esse influxo iniciático?
Nesse
ponto arma-se a pergunta importante: qual é a verdadeira natureza desse influxo
iniciático?
Basta
ler o testemunho das vítimas da renovação carismática para compreender que o
“Espírito” que dá sua força preternatural ao influxo iniciático produz efeitos
absolutamente extraordinários pelo seu número, gênero, rapidez, intensidade.
Será
um influxo de ordem preternatural, diabólico? É possível. Mas, uma vez que o
demônio se sobressai na arte de disfarçar-se em anjo de luz, o que importa é
distinguir os influxos. Que anjos intervêm na iniciação? Os bons concorrem
somente para preparar a iluminação da fé e têm sempre a maior discrição. Mas os
anjos maus podem alimentar qualquer tipo de ilusão e torná-la sedutora,
acompanhando-a até de prodígios nos homens que se entregam à sua ação.
A
iluminação carismática não pode ter uma origem divina no movimento carismático,
porque sua fonte não é a da fé católica.
A
doutrina católica dá o remédio
contra
a sedução diabólica
Visto
que o mal contido na iluminação iniciática não é manifesto, as almas não se
questionam se tudo está bem ou mal, e caem facilmente na rede infernal sem
sabê-lo. Para livrá-las de sua cegueira, seria mister fazer o discernimento dos
espíritos, o único meio que permite realmente ver uma inspiração diabólica ali
onde se crê ver uma inspiração divina.
Deus,
de fato, não se pode deixar roubar o Sacramento da Confirmação por uma
caricatura simiesca totalmente alheia à fé católica. Deus, na verdade, é dono
de seus dons e pode dar os que quiser, a quem quiser e quando quiser. Mas o
católico não deve “tentar” o Senhor (Mt 4,7), diferente do que o
pentecostismo-renovação convida a fazer.
Por
isso São Vicente Ferrer, assim como Santo Tomás e São João da Cruz, põe as
almas de sobreaviso contra a “sugestão e ilusão do demônio, que engana o homem
em suas relações com Deus e em tudo o que se refere a Deus” (A vida Espiritual).
Ele dá o remédio contra as tentações espirituais suscitadas pelo diabo: “Os que
queiram viver na vontade de Deus não devem desejar obter [...] sentimentos
sobrenaturais superiores ao estado ordinário daqueles que têm um temor e um
amor a Deus muito sinceros. Tal desejo, de fato, só pode vir de um fundo de
orgulho e de presunção de uma vã curiosidade em relação a Deus e de uma fé
demasiado frágil. A graça de Deus abandona o homem que está preso a este desejo
e o deixa à mercê de suas próprias ilusões e das tentações do diabo que o seduz
com revelações e visões enganosas” (Ibidem). E também: “Fugi da companhia e da
familiaridade daqueles que semeiam e difundem essas tentações e daqueles que a
defendem e louvam. Não escuteis seus relatos nem suas explicações. Não
procureis ver o que fazem porque o demônio não deixaria de vos fazer ver em
suas palavras e obras, sinais de perfeição aos quais vós poderíeis prestar fé e
assim cair e vos perder junto com eles” (Ib.). Acrescentamos as palavras de
Santo Inácio, expert no discernimento dos espíritos: “É próprio do anjo
mal, transfigurado em anjo de luz, começar com os sentimentos da alma devota e
terminar com os próprios”.
Desde
o momento em que a alma cruza o umbral do universo carismático (universo
oculto) pode acontecer de tudo. Tudo começa com dons inefáveis: entusiasmo e
ardor fervoroso, liberação dos complexos, dos vícios, dom de profecia, de cura,
de glossolalia (ou xenoglossia: falar em língua estrangeira desconhecida),
etc...
Impossível
não se lembrar dessas palavras do Evangelho: “Muitos me dirão naquele dia:
Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome, e em teu nome expulsamos os
demônios, e em teu nome fizemos muitos milagres? E então eu lhes direi bem
alto: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que operais iniquidades” (Mt 7
– 22, 23).
A
“Igreja do amor”
ou
o homem no lugar de Deus
No
livro de Huysmans intitulado Là bas, há uma passagem particularmente
importante que evoca a igreja carismática de João (contraposta à Igreja
hierárquica de Pedro), que florescerá com a vinda do Paráclito e que se chama a
“igreja do amor” (em sintonia com a “civilização do amor” de Paulo VI), a
“igreja da reconciliação”, a “igreja ecumênica” ou “universal” (em virtude de
seu carismatismo): “É um axioma teológico que o espírito de Pedro vive em seus
sucessores. Viverá neles, até a expansão auspiciada do Espírito Santo. Então
João, – diz o Evangelho – começará seu ministério de amor e viverá na alma dos
novos Papas”. Esse texto mostra claramente o laço esotérico que liga a
“expansão do Espírito Santo” (conduzido pela “renovação carismática”) e o
“ministério de amor” de João. O autor esotérico Salémi enunciava em 1960: “O
novo evangelho de João logo será pregado em toda a Terra” (Le message de l’
Apocalypse, p. 293).
Estamos
no tempo desse “novo evangelho”: “Invoca-se o Apóstolo S. João – escreve Pierre
Virion -, discípulo do amor, contra a autoridade de Pedro. É a velha teoria
Rosa-Cruz, que profetiza a igreja esotérica [iniciática] de João, superior à
igreja exotérica [não iniciática] de Pedro, e cujos tempos apocalípticos
parecem ter chegado. A Igreja Romana deve ceder-lhe o posto, deve desaparecer
tal como é: ‘Abriu-se ... o ciclo de João’” (Mystère d’iniquité, p. 146).
Surge
então a pergunta: que significa essa “igreja de João”, a igreja da terceira
hora, a igreja da hora do Espírito Santo? A igreja de João já não é Deus em
primeiro lugar, mas o homem; não a transcendência, mas a imanência; não a fé,
mas o gosto sensível, o prodigioso, os carismas (democraticamente assegurados a
todos, graças ao “batismo do Espírito”); não o dogma, mas a “revelação
interior”, o subjetivismo, o profetismo, o iluminismo; não o sacramento
instituído por Cristo, mas outra espécie de “sacramento” enxertado em uma
corrente oculta (assim é o “batismo do Espírito”: uma paródia de sacramento com
efusão da “graça diabólica” através de um rito herético); não a Eucaristia-Sacrifício
(daqui vem a fúria contra o rito chamado de S. Pio V), mas a eucaristia-festa;
não o sacerdócio ministerial, mas o caráter sacerdotal de todo fiel1; não a
igreja hierárquica e carismática ao mesmo tempo, mas uma igreja meramente
carismática; não o Papa, mas um sínodo paralisador; não os bispos, mas uma
colegialidade sufocante; não os párocos, mas as assembléias presbiteriais; não
a hierarquia oficial, mas as comissões, comitês, etc., etc., constitutivos de
um governo paralelo; não a Igreja Católica Romana, mas uma igreja universal que
inclui todos os cultos tributados a qualquer divindade. Em conclusão: o que
René Guénon chamaria de “igreja integral”. E esta “igreja integral”, cujo
objetivo é destruir por asfixia a igreja hierárquica tradicional, a igreja de
Pedro, deve ser o fruto da vinda do Espírito (os Ranaghan diziam: do “retorno”
do Espírito), porque é o “Pentecostes” deste “Espírito” que permitirá a João
exercer seu “ministério de amor”!
Compreendemos
agora porque em nossos dias fala-se tanto de amor: “Enganar-se-á o povo em nome
do amor, de um amor que não é a caridade teologal, mas cujo nome usurpa. Assim,
nunca tínhamos lido tanto nas publicações maçônicas a frase: ‘Amai-vos uns aos
outros’. Mas é sempre empregada, em nome de Cristo, contra sua Igreja” (Mystère
d’Iniquité, cit., p. 146).
Que
fazer?
Que
fazer diante desta cegueira causada pela invasão carismática, caricatura
diabólica do Sacramento da Confirmação, chamada de “batismo” com razão, porque
marca a passagem do mundo católico ao mundo oculto? São João da Cruz dizia:
“[Uma vez cegada a alma] poder-se-á enganar quanto à quantidade ou qualidade,
pensando que o que é pouco é muito, e o que é muito, pouco; e quanto à
qualidade, considerando o que está em sua imaginação como uma coisa, quando não
é senão outra coisa, trocando, como diz Isaías, as trevas pela luz e a luz por
trevas, e o amargo por doce e o doce por amargo (5, 20)” (Subida do Monte
Carmelo, L. 3, cap. 8).
Hoje,
mais do que nunca, é necessário insistir no que constitui a verdadeira vida de
fé. Continuemos ouvindo S. João da Cruz: “ (...) e assim, estando a alma
vestida de fé, o demônio não a perturba, porque com a fé ela está muito
amparada – mais do que com todas as demais virtudes – contra o demônio, que é o
mais forte e astuto inimigo.
Por
isso S. Pedro não encontrou maior amparo do que a fé para livrar-se do demônio
quando disse: Cui resistite fortes in fide2 (I Petr 5, 9). E para conseguir a
graça e a união com o amado, a alma não pode ter melhor túnica e vestimenta interior,
como fundamento e princípio das demais virtudes, que esta brancura da fé,
porque sem ela, como diz o Apóstolo, é impossível agradar a Deus (Hebr 11, 6),
e com ela é impossível também deixar de agradar, pois Ele mesmo diz pelo
profeta Oséias: Desponsabo te mihi in fide (Os 2, 20), que quer dizer: “Se
queres, alma, unir-se a mim e me desposar, deverás vir interiormente vestida de
fé” (Noite passiva do espírito, cap. 21).
Recorramos
à Santíssima Virgem para que esmague a cabeça daquele que se faz passar pelo
Espírito Santo e quer fazer-se adorado em seu lugar. Recitemos por isso o Santo
Rosário com todo o ardor de nossa fé, inimiga da “sensibilidade carismática”.
PS:
Em nossa edição portuguesa, fizemos um resumo do texto original, modificando
também um pouco a ordem do mesmo e alguns títulos e fazendo alguns pequenos
acréscimos.
_______________________________
1.
Assim testemunha um pentecostista: “Os católicos sabem agora que pode-se
receber o batismo do Espírito Santo sem a imposição das mãos por parte dos
bispos ou sacerdotes, porque podem ir diretamente a Jesus [como os
protestantes]. De minha parte, descobri com muita surpresa que os católicos se
alegram por já não dependerem completamente dos sacerdotes” (citado por
Lumière, julho de 1975). Também um padre católico carismático testemunha:
“Começamos a realizar o sacerdócio de todos os fiéis” (Ibidem).
2.
Ao qual resisti fortes na fé.
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