J. Nyster
Fonte: A Grande Guerra
Há o celibato que se inspira no egoísmo e o celibato que se funda no amor da virgindade e no espírito de sacrifício e de abnegação.
O primeiro é desprezível e vergonhoso, tanto quanto o segundo é sublime e digno de todo o nosso respeito e admiração.
“Há um celibato vergonhoso, que entrego ao vosso desprezo mais justificado e à maldição dos economistas, que reclamam vidas fecundas para a sociedade. É o celibato dos covardes, que não querem casar, para se entregarem à devassidão com mais liberdade e sem os encargos e deveres da família. Tal sistema de vida constitui o opróbrio, a vergonha e é o pior cancro da sociedade.
“Já a Roma pagã havia estigmatizado os que a ele se entregavam, com a nota da infâmia e da desonra e suas leis vingadoras relegavam-nos para os últimos lugares, nos jogos públicos; diminuíam-lhes a autoridade do voto, nas assembléias do senado; privavam-nos do direito de herança, confiscavam-lhes qualquer legado com que houvessem sido contemplados transferindo-os aos parentes casados.
“De nada valeu, porém, toda essa severidade e, esses celibatários, auxiliados pelo divórcio, aceleraram a queda do grande império. É a sorte que aguarda as sociedades modernas.
“Mas, terei eu o direito de chamar celibato ao que, na realidade, não passa do mais desenfreado egoísmo, da mais detestável libertinagem? Não é a castidade fria ou indiferente que repele o matrimônio; é a imoralidade mais requintada e miserável, que pretende multiplicar e variar prazeres, sem responsabilidades, sem encargos.
“Se, por ventura, esses miseráveis se abstêm de desonrar lares e seduzir a virtude, não fazem mistério de suas torpes e escandalosas relações, até que enfim, fartos de aventuras, caem extenuados pela crápula, pela devassidão, pela libertinagem, sob o jugo vergonhoso de alguma mulher mercenária e infame como eles, que lhes cobrará as condescendências com roubar-lhes a herança que ambiciona. Já que as leis humanas não ousam descarregar suas justas vinganças contra esses eunucos do vício, que se vejam ao menos sepultados sob o vosso desprezo e asco; bem o merecem.”
Esse celibato desprezível e vergonhoso de uma mocidade sem brio, sem dignidade e sem vergonha, ainda encontra defensores, entre os partidários da famosa divisa: “Deixem que a mocidade se divirta!”
O verdadeiro celibato, o celibato digno de todos os encômios, é o daquele, que se inspiram no amor de Deus e que, para se consagrarem sem reserva ao serviço dEle e das almas, renunciam ao matrimônio; vivem na mais perfeita continência, o que lhes vale as execrações mais rancorosas e os ataques mais furiosos dos ímpios e libertinos.
O mundo e os mundanos acham muito natural que a mocidade se extravie e se desonre. Desculpam-na, e, quiçá, acham até que assim deve ser, porque assim o exige a saúde. Se, ao menos, aconselhassem a essa mocidade, tristemente celibatária e egoísta, a que se regenerasse e fundasse uma família numerosa e sã, em lugar de desperdiçar assim as energias! Mas, nem por sonho.
Quando, porém, se trata do sacerdote, o caso muda de figura.
Porque o sacerdote leva uma vida casta, porque não constitui família, é tratado como adversário dela, como inimigo da sociedade e malfeitor público. Ele, que tanto prega contra a diminuição da natalidade, contra a depopulação pelo vício, porque se não casa?
Querem a todo transe padres casados.
Vamos examinar brevemente o que se há de pensar dos pretextos que se inventam para justificar e autorizar a libertinagem dos pseudocelibatários e dos ataques que se dirigem contra o celibato sacerdotal.
"Deixem que a mocidade se divirta" diz-se por aí comumente; "a própria saúde assim o exige". O demônio não se poderia expressar melhor. Isso não é desculpar, é legitimar; é tornar necessária a devassidão, é proclamá-la indispensável para quem quiser gozar boa saúde.
O celibato, no entender desses libertinos, é uma instituição contra a natureza, que leva a monstruosas aberrações. Alguns médicos, obcecados pelo anticlericalismo, fizeram-se cúmplices dessa teoria difamatória, alegando que a própria higiene condena o celibato.
Afirmações dessas, principalmente quando se pretende falar em nome da ciência, são altamente perniciosas para a moral pública. Nunca se fará demais, para defender a mocidade honesta, contra a influência desses princípios deletérios e corruptores e prepará-la para resistir às sugestões do meio imoral em que vive. Em 1902, o Boletim da Sociedade de Moralidade Pública reproduzia, sobre o assunto, uma conferência de L. Comte, refutando estes sofismas da perversidade moderna, com o testemunho das mais altas autoridades científicas.
Aqui vão as palavras de James Paget, uma das glórias ela medicina:
"A castidade, tão pouco prejudica a alma como ao corpo, ela é altamente recomendável. Entre os numerosos neuropatas e hipocondríacos que me vieram consultar, a respeito das relações imorais, nunca lhes ouvi dizer que tivessem melhorado com essas relações ilícitas".
O Dr. Perier não é menos categórico:
"Há uma opinião, diz ele, singularmente falsa e que importa muito combater, porque ascendia a mocidade, e até os pais chegam a se tornar cúmplices da devassidão dos rapazes: é a opinião de perigos imaginários, provenientes da continência absoluta. A continência e a virgindade são a salvaguarda física, moral e intelectual da mocidade; é preciso, portanto, tratar de conservá-la, para reconduzi-la aos antigos e austeros costumes gauleses, de que fala Montaigne."
O fisiologista Kraft e os doutores Lionel Beale, Acton, Mantegazza, Good exprimem-se com singular energia, no mesmo sentido. Ouçamos o que diz o Dr. Surbled:
"O celibato, como necessário que é não pode ser impossível nem perigoso. Todos conhecem as misérias da incontinência; as que se pretendem atribuir à castidade perfeita, são supostas e imaginárias. A prova aí está: enquanto se escrevem obras monumentais e sem número, para descrever os desastrosos resultados da incontinência, os inconvenientes da castidade esperam ainda a história e descrição. A esse respeito, há apenas vagos argumentos, que se insinuam torpemente nas conversações, mas que não dariam matéria para um tratado qualquer e não suportam a luz da publicidade."
Vale a pena deixar consignada aqui a opinião da faculdade de medicina de Cristiania:
"A Faculdade de Medicina da Universidade de Cristiania tem a honra de declarar o seguinte: a afirmação de diversas pessoas, reproduzida nos jornais e assembléias públicas, de que uma vida pura e moral seria nociva à saúde, não tem fundamento algum, segundo as experiências unanimemente provadas. Nunca descobrimos qualquer prejuízo, proveniente de uma vida absolutamente pura e moral."
Assinada: J. Nicolayson, E. Winge, Jockmann, J. Heiberg, J. Ijort, T. Wann, Müller, E. Schönberg, professores de medicina da Universidade de Cristiania.
Good em seu tratado: Higiene e Moral, escreve:
"Ide consultar os professores mais eminentes de todas as Universidades da Europa e, se me trouxerdes uma única declaração, com a assinatura de algum nome respeitável, uma única citação, de um livro de autoridade, sob o ponto de vista médico, no qual se estude ou descreva uma enfermidade qualquer, proveniente da continência, ou uma afirmação demonstrada, a respeito de algum fato preciso e bem constatado de que a continência pode, quando menos, ser causa agravante de alguma moléstia, queimarei, no mesmo instante, estas páginas e me condenarei ao silêncio, para o resto dos meus dias. E, se tomo a precaução de falar em livro sério e em médicos dignos desse nome, é porque, infelizmente, existe uma completa literatura que se diz médica, cujos autores, abusando da curiosidade malsã de muita gente que assim é levada a esquadrinhar um ponto tão delicado da medicina, dão-se ares de desvendar mistérios que só existem na imaginação deles, ou valem-se de aforismos, em conformidade com os preconceitos populares a que nos referimos astúcias indignas, para lisonjear tendências secretas de seus leitores e aumentar a tiragem de seus livros. É o que se pudera chamar a pornografia médica; mas, seus autores são indignos do título que se arrogam, de servidores da ciência."
Na conferência a que nos referimos acima, L. Comte dá os seguintes conselhos à mocidade:
"Guardai puro o corpo e a alma; abstendo-vos de tudo quanto possa enfraquecer a resistência às tentações; fugi dos divertimentos preferidos da maior parte dos rapazes; fora com os jornais e romances que possam enervar os sentidos; submetei a inteligência a uma severa ginástica; não vos demoreis em conversações livres; formai um ideal mais elevado, pensando naquela que talvez: não conheçais ainda, porém, que será mais tarde vossa esposa; entrincheirai-vos nesse amor, como em uma fortaleza de marfim, que não deixa penetrar as manchas da imoralidade. Proponde-vos um ideal, mas não um ideal egoísta e sim desinteressado, que vos acompanha nas lidas quotidianas e consagrai-lhe todo o vosso afeto, todas as vossas energias, todos os tesouros de um coração puro."
Os jovens que puserem em prática estes conselhos, serão maridos exemplares; mas, é preciso que a donzela escolhida para esposa, mais tarde, tenha as qualidades que se requerem em uma mulher boa, ativa, piedosa, capaz de dirigir por si mesma um lar, em suas múltiplas e variadas exigências. Se, hoje em dia, jovens honestos e virtuosos, não se atrevem a arcar com os riscos do matrimônio, é porque não encontram ou temem não encontrar aquela que o coração lhes pede e o lar exige.
Um jornal norte-americano prometera um prêmio aquele de seus assinantes, que melhor respondesse a esta pergunta:
Que faremos de nossas filhas?
Aí vai a resposta premiada, que muitas mães poderão meditar com proveito:
"Primeiramente faremos delas boas cristãs e depois, dar-lhes-emos uma boa instrução elementar. Ensine-se-lhes a preparar convenientemente um jantar, a cerzir meias, a pregar botões, a fazer uma camisa e a confeccionar os próprios vestidos. Saibam elas fazer pão e lembrem-se de que, uma cozinha bem dirigida, poupa muitas despesas de farmácia. Ensine-se-lhes que um mil réis tem dez tostões e que, para poupar, é preciso gastar menos e que a miséria é fatal, quando os gastos são maiores do que as rendas; que um vestido de algodão pago, é melhor que um de seda que se fica devendo.
"É preciso que aprendam, desde cedo, a fazer compras e a dar contas do que gastaram. Repita-se-lhes que vale muito mais um operário à mesa de trabalho e em mangas de camisa, ainda que sem um vintém no bolso, do que meia dúzia de imbecis e vadios.
"Ensinai-lhes a cultivar as flores e a ver a Deus em todas as criaturas. Feito isto, proporcionai-lhes algumas lições de piano e pintura, se as vossas condições o permitirem, advertindo, porém, que estas artes ocupam lugar secundário e são de pouco proveito no lar. Ensinai-lhes a desprezar as vãs aparências e acostumai-as a guardarem a palavra empenhada e os bons propósitos; que o sim delas seja sim e o não seja não. Quando chegar o tempo de casá-las, inculcai-lhes bem que a felicidade no casamento não depende da fortuna que lhes há de trazer o marido, nem da posição que ele ocupar na sociedade, mas do caráter, dos dotes e virtudes da alma. Com esses princípios bem ensinados e aprendidos, ficai certos de que vossas filhas serão felizes, no caminho que escolherem; quanto ao mais, deixemo-lo a Deus.
"E, se depois de tudo isso, um rapaz achar que a vossa filha não corresponde às suas aspirações, não se vos dê com isso; é a melhor prova de que esse rapaz é destituído de bom senso e não merece a confiança de uma moça bem educada. Melhor é ficar solteira, do que fazer a desgraça própria e alheia.
"Mas, pelo amor de Deus, procurai que as vossas filhas possuam as virtudes e conhecimentos necessários à vida e que sejam capazes de inspirar a um rapaz honesto e virtuoso, atrativos pelo casamento. Há tantas que lhes metem medo!"
Quem não conhece as tradicionais recriminações contra o celibato eclesiástico?
O celibato eclesiástico, dizem, torna a vida de um homem incompleta; reprime e atrofia nele os mais belos e naturais sentimentos, impedindo-o de expandir-se, no matrimônio. A sociedade precisa de cidadãos vigorosos, fortes e inteligentes e o sacerdote, com seu voto de castidade, vai de encontro ao crescite et multiplicamini do Gênesis e nega o seu concurso à geração.
Nas estradas de ferro, nos “cafés”, nas tabernas e oficinas, nas horas de descanso, no teatro e os jornais anticlericais, proferem-se estas acusações, com acentos de indignação.
A Igreja, que sabe que seus ministros são e devem ser homens de Deus, que hão de pairar acima de qualquer sensualidade, inteiramente devotados ao ministério sagrado, quer o sacerdote livre dos encargos da família, encargos muito respeitáveis e legítimos, para os que são chamados ao casamento, mas incompatíveis com o ministério sublime e três vezes santo, que exercem no sacerdócio.
Contemplai o sacerdote no altar; ele representa a pessoa de Jesus Cristo que foi virgem e quis nascer Ele uma Virgem. No tribunal da penitência, recebe as revelações íntimas das consciências mais delicadas e de todos os que vão procurar a paz da alma e um coração discreto a quem possam confiar, com segurança, seus segredos.
Representai-vos, no altar ou no confessionário, um sacerdote com mulher e filhos...; adeus respeito, veneração e confiança dos fiéis.
O sacerdote com família, terá de viver como um pai e marido devem viver; terá de sustentar os seus e preocupar-se com o futuro deles, defender-lhes os interesses, economizar, etc. e tudo isso, em detrimento do ministério sacerdotal, da administração dos sacramentos, da pregação bem preparada, do cuidado dos pobres, dos enfermos e de todos os que têm necessidade de recorrer a seus conselhos e à sua direção.
(...) Ouvi o que diz um homem que não é dos nossos e, portanto, está fora de qualquer suspeita, em sua História de França:
“Há, no matrimônio, por mais santo que seja, há na mulher e na família mais bem organizada, algo que faz perder o vigor e a energia, um quê, capaz de romper o ferro e fazer vergar o aço. Os caracteres mais bem temperados, firmes e inflexíveis, perdem nele alguma coisa”. E conclui que sem o celibato, a Igreja não teria um Santo Tomás, um São Bernardo, nem a abobada do templo de Colônia ou a torre de Strassburgo.
E nós acrescentaremos; sem o sacerdócio, quem haveria capaz de fazer sobressair a dignidade da família e inculcar as obrigações que Deus e a natureza impõem aos casados, obrigações pelas quais terão de responder um dia, perante o tribunal supremo e sem apelação
O sacerdote prega com o exemplo de sua vida casta, mortificada e consagrada à salvação das almas e mostra como a vontade auxiliada pela graça, pode cumprir os deveres que o mundo proclama inexeqüíveis.
Uma luta sem quartel trava-se em nossa natureza decaída, entre a carne e o espírito, luta que importa que acabe pelo triunfo do espírito sobre os sentidos; está nisso empenhada a nossa honra e mais ainda a nossa salvação eterna.
Ora, senhores, esse triunfo nunca é tão completo como na virgindade perfeita. O matrimônio é uma concessão que se faz à parte inferior da natureza, mas a virgindade não quer saber de concessões. Empresa heróica, lhe chama S. Crisóstomo e prossegue:
"Conheço-lhe as dificuldades e a violência dos ataques, o peso deste fardo, desta guerra de extermínio sem tréguas nem compaixão; é preciso dispor de uma alma de rija tempera, de um coração grande, como de grande aversão ao vicio impuro, para vencê-las. Pó e cinza que somos, propusemo-nos rivalizar com os anjos do céu; é o mortal a porfiar com a própria imortalidade; luta sublime, em que, a virgindade leva a palma para tornar-se a luz do mundo: Virginitas est splendor. A todos aqueles que sofrem, no calor da refrega, da luta de que se queixava o grande Apóstolo, a virgindade brada-lhes, que a alma cristã tem forças suficientes para, com a graça de Deus, disciplinar e subjugar a vida dos sentidos."
Fazendo mais do que Deus exige, ela lhe defende a autoridade e proclama a sabedoria de seus mandamentos; o seu exemplo é, para os covardes e efeminados, uma contínua e viva censura e para as almas boas, um estímulo que os desprende da terra e lhes facilita o vôo em demanda do céu. Ânimo e coragem, lhes diz ela; quem se atreverá a dizer que não pode regular e santificar os prazeres que Deus permite, quando eu deles me soube livrar sempre?
Crede-me senhores, já não é pouco que o mundo atormentado por tantas paixões tenha sempre diante dos olhos a personificação do triunfo do espírito sobre a carne.
Aí vai mais um testemunho insuspeito de Foerster professor da Universidade de Zurich:
“É preciso desconhecer a verdadeira natureza do homem a sua fisiologia e as leis da história, para dissimular a importância das ordens monásticas e os motivos que temos para desejar que se conservação sempre... são elas uma força civilizadora de primeira ordem.”
(...) O mundo não simpatiza com a continência, que forma a base do celibato. Mas que importa? O mundo passará e as palavras de Jesus Cristo não passarão:
“Bem-aventurados os puros de coração, porque eles verão a Deus.”
(Excerto de Quando eu for moça..., de J. Nysten, Centro da Boa Imprensa, Porto Alegre 1925, com imprimatur
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