terça-feira, 19 de junho de 2012

Tentação e Sonho

Francesco Gessi (1588-1649), A tentação de Santo Tomás de Aquino


Há ainda outro caso que é como uma segunda luz, ou seqüência, em que as circunstâncias externas dão um vislumbre do seu sentido interno. Depois do caso do tição ardente e da mulher que o tentou na torre, diz-se que teve um sonho em que dois anjos o cingiram com um cordão de fogo, que lhe causou terrível dor e ao mesmo tempo lhe deu uma terrível força, e que acordou, soltando grande grito na escuridão.

Isso também tem algo de muito impressionante naquelas circunstâncias, e provavelmente encerra verdades que algum dia serão mais bem compreendidas, quando os padres e os médicos tiverem aprendido a falar uns com os outros sem a etiqueta, já gasta, das negações do século XIX.

Seria fácil analisar um sonho, como o médico do século XIX fez em Armadale, estudando-o nos detalhes dos dias passados: primeiro a imagem do cordão, naquela sua luta contra os que lhe queriam arrancar o hábito de frade; depois a linha de fogo correndo através da tapeçaria da noite, proveniente do tição que ele tirara do fogo. Mas, se em Armadale o sonho se cumpriu misticamente, também muito misticamente se cumpriu em Santo Tomás. Porque ele, com efeito, após o incidente ficou completamente sossegado com respeito a essas lutas da sua natureza humana, conquanto seja muito provável que o incidente tenha causado nele uma elevação da sua humanidade normal – o que lhe produziu um sonho mais forte do que um mero pesadelo. Não é aqui o lugar para analisar o fato psicológico que tanto embaraça os não-católicos: o de como os padres conseguem ser celibatários sem deixar de ser viris.

Como quer que seja, parece provável que ele, neste ponto, foi menos incomodado do que a maior parte. Isto nada tem que ver com a verdadeira virtude, que reside na vontade; santos tão santos como ele rolaram sobre silvas para abrandar os ímpetos da paixão; ele contudo nunca teve necessidade de anti-estimulante, pela simples razão de que neste aspecto, como em muitos outros, nunca sentiu grande estimulação. Muito tem de ficar por explicar, porque é obra dos mistérios da graça; mas há provavelmente certa verdade na idéia psicológica de “sublimação”, que é a elevação de uma energia inferior até fins mais elevados, de maneira que o apetite quase se lhe desvaneceu na fornalha da energia intelectual. Por causas naturais ou sobrenaturais, é provável que nunca soubesse ou sofresse muito neste ponto, no seu espírito.

G. K. Chesterton, Santo Tomás de Aquino, Ed. LTr

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