terça-feira, 12 de junho de 2012

O Otimismo.


O Otimismo


Por um cartuxo anônimo
Intimidade com Deus


Era preciso que fôssemos absolutamente ingratos e injustos para que estas dádivas divinas não espalhassem no nosso coração e no nosso rosto a luz da alegria.

Esta delicadeza eterna e esta condescendência infinita de Deus, que apenas nos impõem o fardo leve da lei do amor, devem traduzir-se numa pura alegria: como se fôssemos os herdeiros duma fortuna celeste, passamos alegres no meio dos filhos dos homens que não conhecem a sua verdadeira felicidade! Há um otimismo sagrado que fica bem à alma iluminada pela fé. O ideal é para ela uma possibilidade imediata, apesar dos esforços heróicos que ele exige: e ela caminha para as alturas luminosas onde Deus a conduz e a espera.

Foi para nos elevar que o Salvador Se pôs humildemente no último lugar. «Porque é conhecida de vós a liberalidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, se fez pobre por vós, a fim de que vós fósseis ricos pela sua pobreza» (II Cor., VIII, 9). Conscientes do favor sem preço que nos é feito, podemos dizer com o Apóstolo: «A vida com que eu vivo agora na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus, que me amou e se entregou a si mesmo por mim» (Gál., II, 20).

 Não podemos conceber nada mais belo nem tão útil para o coração do que esta segurança divina: Deus garante que a Sua verdade e a Sua justiça hão-de vencer.

 Fosse qual fosse a dificuldade que devêssemos enfrentar no futuro, o espírito de Deus já não nos deixará perder a coragem: combateremos com paciência e a nossa perseverança alcançará a glória de Deus: «Aquele que tem ouvidos ouça o que o Espírito diz às Igrejas: eu darei ao vencedor o maná escondido, e um nome novo que ninguém conhece, senão quem o recebe» (Apoc. XI, 17).

A medida que se vai interiorizando, a alma fica a conhecer com mais clareza a ação que Deus exerce nela. «Porque as coisas invisíveis dele, depois da criação do mundo, compreendendo-se pelas coisas feitas, tornaram-se visíveis; e assim o seu poder eterno e a sua divindade» (Rom., I, 20). A fé torna-se transparente e faz mais do que deixar adivinhar sob o véu das causas secundárias a ação do amor eterno. O sol da essência espalha através de todas as coisas a sua luz e o seu calor: a ação benfazeja dos seus raios faz-se imediatamente sentir. Por mais afastados que ainda estejamos da visão celeste, gozamos já da presença divina e sentimos que a nossa vida está nas mãos de Deus. «Pois Ele não está longe de cada um de nós» (At., XVIII, 27).

Apesar dos múltiplos laços que nos prendem à terra, e apesar do peso da queda cujos efeitos se fazem continuamente sentir, devemos ser otimistas por causa da graça de Cristo que nos comunicou a abundância dos Seus méritos e quis ser nosso amigo e nosso irmão, a vida da nossa vida. O Primogênito da criação é a luz dos homens: foi Ele que o Pai nos enviou, para nos mudar com a plenitude da Sua graça, como Ele próprio declara: «Eu vim para que as minhas ovelhas tenham vida e a tenham em abundância» (João, X, 10). «Eu sou a Vida» (João, 6).

 A fé torna presente esta verdade inebriante, faz de nós uns idealistas e uns otimistas num sentido novo e profundo, que a banalidade dos termos não pode exprimir. É condição necessária e suficiente para isso que a fé seja vivida em toda a sua lógica sobrenatural, como princípio duma realidade quotidiana e divina: «Se Deus é por nós, quem será contra nós? O que não poupou nem o seu próprio Filho, mas por nós todos o entregou à morte, como não nos dará também com Ele todas as coisas?» (Rom. VIII, 31-32).

 Há muitas almas que sonham com esta vida e a desejam, mas não chegam a ter coragem para se darem totalmente e abrirem assim as fontes interiores. Pois precisamente por causa dos Seus direitos de criador, Deus não pode deixar de pedir uma dádiva sem reservas: não podemos oferecer-Lhe só metade do nosso coração. Mas se a alma não tem a coragem necessária, é porque ela conta com as suas próprias forças, que serão sempre insuficientes no domínio sobrenatural.

 Só a graça pode fazê-la desabrochar e fecundá-la pelo toque do Espírito Santo. Cada um de nós sofre na prisão do seu egoísmo e da sua fraqueza e por isso as horas sombrias não podem deixar de ser uma realidade para todos; mas quando o coração sufoca sob o peso evidente da sua impotência, quando o horizonte fechado da natureza parece forçar-nos ao desespero, é que a nossa miséria se deve transformar no nosso remédio e no penhor precioso da misericórdia divina. Alegremo-nos com o nosso nada, que obriga o Pai a não nos deixar entregues a nós próprios. A consciência destes dois absolutos, do nada do homem e do tudo de Deus, dá à alma uma nova orientação, um novo impulso que é o único que a pode salvar. A partir do momento em que compreendemos o sentido destas palavras de Cristo, em toda a sua plenitude, temos o caminho aberto na nossa frente: «Sois servos inúteis» (Lucas, XVII, 10). «Basta-vos a minha graça» (II Cor., XII, 9).

Se Deus me recusasse o Seu apoio por um momento só que fosse, sei que a minha queda seria imediata: é por isso que toda a minha sabedoria consiste em contar só com Ele. Esta desproporção infinita entre a criatura e o Criador é a ordem que me tranqüiliza: é entre estes dois pólos extremos que salta o relâmpago da certeza pura. «Sei viver nas privações, sei também viver na abundância (em tudo e por tudo fui habituado): tudo posso naquele que me conforta» (Filip., IV, 12-14).

 É nas horas de trevas, quando a miséria da alma é completa, que uma força superior vem em nosso auxílio e completa a renúncia libertadora: o próprio Espírito se encarrega de a purificar e de a preparar para os divinos esponsais. Os heróis do espírito precederam-nos já neste caminho: «Ser apagado do criado - ser transformado em Cristo -, ser absorvido na Divindade». Assim se exprime o bem-aventurado Euso, e São Nicolau de Flüe ensina-nos a orar desta maneira: «Meu Senhor e meu Deus, tirai-me tudo o que me impede de vos alcançar. - Meu Senhor e meu Deus dai-me tudo o que me aproximar de vós. - Meu Senhor e meu Deus, dai-me totalmente a vós!»

 Só Deus pode acalmar a nossa sede, porque Ele próprio a pôs dentro de nós desde a origem, como um instinto sobrenatural de que só Ele é o objeto. Nem os deleites nem os sucessos deste mundo a podem satisfazer: o coração do homem não se prende muito tempo com as criaturas; parece gostar só de coisas novas: é que ele é feito para a eternidade: «Vós criastes-nos para vós, meu Deus, e o nosso coração anda inquieto enquanto não repousa em vós» (Santo Agostinho).

 A necessidade do divino arde no fundo mais secreto da nossa alma, onde só Deus pode penetrar, onde Ele próprio mora, pronto a satisfazer o desejo que desperta. Que a paz de Deus, que está acima de todo o entendimento, guarde os vossos corações e os vossos espíritos em Jesus Cristo» (Filip., IV, 7). Na verdade, não é a paz que se separa de nós, nós é que nos separamos dela e lhe somos infiéis. Mas o homem só alcança a felicidade na medida em que renuncia sinceramente a procurá-la por si próprio e se apaga diante da glória divina. Enquanto desejamos a nossa satisfação, ela foge-nos; mas se sacrificamos o nosso amor próprio, estamos em harmonia com a vontade do Pai, e a nossa alma unida a Deus encontra a alegria que não pode existir fora dEle.

Meu Senhor e meu tudo! Prestar-Lhe fielmente homenagem cá na terra custe o que custar é já glorificá-lO na eternidade, e a nossa felicidade pura e durável esta toda inteira nessa glorificação. «Nem o olho viu nem o ouvido ouviu, nem jamais passou pelo pensamento do homem o que Deus preparou para aqueles que o amam» (1 Cor., II, 9).

 O verdadeiro otimismo é o que não duvida da bondade nem do valor da vida, porque a união Com o ser divino lhe inspira respeito e amor por tudo o que foi criado. Levantemos os nossos corações! Esta confiança é perfeitamente lúcida - «realista», «racional» no sentido profundo destes termos- ela põe de parte, com muito mais segurança do que toda a prudência natural, os sonhos e as quimeras: a presença em que se funda é mais real do que nós.

 O melhor caminho é o que vai do eu miserável ao esplendor infinito: não sou mais do que um pouco de partida e a fé manda-me renunciar a mim mesmo para chegar até Deus. O próprio Verbo ilumina o nosso caminho, fortifica-nos e encoraja-nos em todos os nossos passos. Lucerna pedibus meis verbum tuum. «Lâmpada para os meus pés é a tua palavra» (Salmo CXVIII, 105). Tomemos por mestres nesta busca sublime os grandes místicos, São João e São Paulo, que falaram inspirados pelo Espírito Santo. Encontraremos neles um conhecimento de Deus e dos Seus caminhos que mais nenhum texto nos oferece com tal pureza e profundidade. «O que era impossível à lei, porque se achava sem força por causa da carne, enviando Deus seu Filho em carne semelhante à do pecado, por causa do pecado condenou o pecado na carne, para que a justiça da lei se cumprisse em nós, que não andamos segundo a carne, mas segundo o espírito» (Rom., VIII, 3-4).

 Este Verbo que vive em nós e que o Seu Espírito nos revela, é a resposta a todas as perguntas; a união de amor é a fornalha de paz onde acabam todos os conflitos, onde se resolvem os enigmas propostos à inteligência do homem. «Porque era Deus que reconciliava consigo o mundo em Cristo, não lhe imputando os seus pecados, e encarregou-nos a nós da palavra de reconciliação. Aquele que não tinha conhecido pecado, fez-Se pecado para nos fazer justiça» (II Cor., V, 19-21).

 Se entrarmos de todo o coração na ordem salutar que o Filho criou por meio do Seu sacrifício redentor, cooperamos com Ele em todos os nossos atos e todos os instantes são para nós de uma fecundidade eterna.

 Que pena não sentimos então, quando ouvimos o século formular a sua filosofia com negações desesperadas e dar ao homem apenas este conselho, em que se resume toda a sua filosofia: desafiar o acaso que o conduz à morte! Foi esta morte vazia de sentido que o Verbo incarnado venceu, e o Seu triunfo, a vitória do amor, está-nos assegurado. «Porque é necessário que Ele reine; o seu último inimigo a ser destruído será a morte; e quando tudo lhe estiver sujeito, então ainda o mesmo Filho estará sujeito àquele que sujeitou a ele todas as coisas, a fim de que Deus seja tudo em todos» (I Cor., XV, 25-28). 

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