Do confiar à memória aquilo que aprendemos.
A memória custodia, recolhendo-as, as coisas que o engenho investiga e encontra.
Importa que as coisas que dividimos ao aprender as recolhamos confiando-as à memória: recolher é reduzir a uma certa breve e suscinta suma as coisas das quais mais
extensamente se escreveu ou se disputou, o que foi chamado pelos antigos de epílogo, isto é, uma breve recapitulação do que foi dito.
A memória do homem se regozija na brevidade, e se se divide em muitas coisas, torna-se menor em cada uma delas.
Devemos, portanto, em todo estudo ou doutrina recolher algo certo e breve, que guardemos na arca da memória, de onde posteriormente, sendo necessário, as possamos retirar. Será também necessário revolvê-las frequentemente chamando-as, para que não envelheçam pela longa interrupção, do ventre da memória ao paladar.
As três visões da alma racional. Diferença entre meditação e contemplação.
Três são as visões da alma racional: o pensamento, a meditação e a contemplação.
O pensamento ocorre quando a mente é tocada transitoriamente pela noção das coisas, quando a própria coisa se apresenta subitamente à alma pela sua imagem, seja entrando pelo sentido, seja surgindo da memória.
A meditação é um assíduo e sagaz reconduzir do pensamento em que nos esforçamos por explicar algo obscuro ou procuramos penetrar no que é oculto.
A contemplação é uma visão livre e perspicaz da alma de coisas amplamente esparsas.
Entre a meditação e a contemplação o que parece ser relevante é que a meditação é sempre das coisas ocultas à nossa inteligência; a contemplação, porém é de coisas que segundo a sua natureza ou segundo a nossa capacidade são manifestas; e que a meditação sempre se ocupa em buscar alguma coisa única, enquanto que a contemplação se estende à compreensão de muitas ou também de todas as coisas.
A meditação é, portanto, um certo vagar curioso da mente, um investigar sagaz do obscuro, um desatar do que é intrincado. A contemplação é aquela vivacidade da
inteligência que, possuindo todas as coisas, as abarca em uma visão plenamente manifesta, e isto de tal maneira que aquilo que a meditação busca, a contemplação possui.
Dois gêneros de contemplação.
Há, porém, dois gêneros de contemplação. Um deles, que é o primeiro e que pertence aos principiantes, consiste na consideração das criaturas. O outro, que é o último e que pertence aos perfeitos, consiste na contemplação do Criador.
No livro dos Provérbios, Salomão principiou como que meditando; no Eclesiastes elevou-se ao primeiro grau da contemplação; finalmente, no Cântico dos Cânticos transportou-se ao supremo.
Para que, portanto, possamos distinguir estas três coisas pelos seus próprios nomes, diremos que a primeira é meditação; a segunda, especulação; a terceira,
contemplação.
Na meditação a perturbação das paixões carnais, surgindo importunamente, obscurece a mente inflamada por uma piedosa devoção; na especulação a novidade da insólita visão a levanta à admiração; na contemplação o gosto de uma extraordinária doçura a transforma toda em alegria e contentamento.
Portanto, na meditação temos solicitude;na especulação, admiração; na contemplação, doçura.
( continua )
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