Parece que a gula não é pecado mortal, pois:
1. Todo pecado mortal contraria algum preceito do
decálogo, o que não acontece no caso da gula.
2. Todo pecado mortal contraria a caridade. Ora,
a gula não se opõe à caridade, nem quanto ao amor de Deus, nem quanto ao
próximo.
3. Diz Santo Agostinho: “Todas as vezes que
alguém toma, no comer e no beber, mais do que o necessário, saiba ele que isso
ficará entre os pequenos pecados.” Ora, trata-se aí da gula. Logo, ela
está classificada entre os pequenos pecados, ou seja, entre os pecados veniais.
No entanto, diz São Gregório: “Quando impera
o vício da gula, perdem os homens tudo o que fizeram
de grande e quando o ventre não é dominado, todas as virtudes são
simultaneamente liquidadas.” Ora, só pecado mortal destrói a virtude.
Logo, a gula deve ser pecado mortal.
SOLUÇÃO: O vício da gula
consiste, propriamente, num desejo desordenado. Ora, a ordem
da razão, que rege a concupiscência, pode ser subvertido de dois modos:
1. Primeiramente, quanto aos meios,
quando estes não são medidos de modo que sejam proporcionados ao fim;
2. Depois, quanto ao próprio fim,
quando a concupiscência afasta o homem do fim devido.
Por isso, se considerarmos a desordem do desejo
na gula como algo que afasta do fim último, então a gula será
pecado mortal. Acontece isso quando o homem assume os prazeres da gula como fim
que o faz desprezar a Deus, dispondo-se a agir contra os mandamentos
divinos para se entregar a tais prazeres.
Mas se, pelo vício da gula, entendermos a
desordem da concupiscência apenas quanto aos meios, fazendo-nos desejar
demasiado os prazeres da mesa, sem agir, porém, contra os mandamentos
de Deus, então a gula será pecado venial.
Quanto às objeções acima, portanto, deve-se dizer
que:
1. O vício da gula constitui pecado mortal quando
nos desvia do fim último. Sob esse aspecto opõe-se, de certa
forma, ao preceito da guarda do sábado, que nos prescreve o repouso no fim
último. Na verdade nem todos os pecados mortais contrariam diretamente
os preceitos do decálogo.
2. Na medida em que nos desvia do fim último, a
gula se opõe ao amor de Deus que, sendo nosso fim último, deve
ser amado acima de todas as coisas. Aí a gula só pode ser pecado mortal.
3. As palavras de Agostinho referem-se à gula
enquanto implica uma desordem da concupiscência somente em
relação aos meios.
(Suma Teológica, II-II, q. 148, a. 2)
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