Fr.
Manuel Sancho,
Exercícios
Espirituais para Crianças
1955
PARTE
PRIMEIRA
A
conversão da vida do pecado à vida da graça
(Vida
Purgativa. — 1.ª semana)
I.
FIM DO HOMEM
1. Qual
é o fim ou destino da criança. — 2. Deus é a nossa recompensa. — 3. Motivos
para se resolver a servir a Deus: a) por ser Ele nosso Criador; b) porque nos
conserva. — 4. Finalidade das criaturas.
1.
— Coisa difícil, meus filhos, é apoderar-se alguém da vossa imaginação, como é
difícil alguém apoderar-se de um cachorrinho revoltoso ou de uma enguia
escorregadia. É tão sério o que vos quero dizer, e vós sois tão inquietos e
buliçosos! Mas, se considerardes que é importantíssimo o que vos quero dizer,
mais importante do que todos os brinquedos do mundo, mais importante do que...
Mas,
já que falo de brinquedos, suponde um brinquedo, grande, um castelo que vai ser
vosso. Tem pelo menos dois metros de altura por um de largura. Soberbo castelo!
É de papelão forte e tem porta que abre e fecha, e canhõezinhos que parecem
canhões de verdade, e até soldados de chumbo que, por molas engenhosas, sobem e
descem pelos muros do castelo. Não é verdade que é muito bonito esse brinquedo,
e não me estais muito atentos ouvindo como o descrevo?
Vós,
meninas, que não sois belicosas como estes homenzinhos principiantes, desejais
outro brinquedo: desejais, por exemplo, uma casa de papelão, grande como o
castelo, com capacidade para meterdes a mão dentro dela e arrumardes dentro a
cama das bonecas e as cadeirinhas de celuloide, e uma cadeira de balanço para
quando a boneca quiser balançar-se, e um espanadorzinho pendurado a um prego, e
pequenas peças de roupa. Que brinquedo precioso!
Se
alguém dissesse a qualquer um de vós: “Olha, menino, tu vais ganhar o castelo,
tu menina, vais ganhar a casinha, se por um mês seguido trabalhares e cumprires
bem as tuas obrigações e estudares com cuidado as tuas lições”; estou certo de
que responderíeis a essa pessoa: “Sim, senhor; com muito gosto. Estudarei,
serei um bom menino, uma boa menina, e me esmerarei em cumprir tudo bem,
contanto que ganhe o brinquedo”. E não duvido que, apesar da vossa
volubilidade, cumpriríeis a promessa.
Pois
bem, vou falar-vos de uma coisa mil vezes mais bela do que o brinquedo, de uma
coisa que vos interessa grandemente, a única coisa verdadeiramente interessante
da vida. Se estivestes atentos à descrição que vos fiz do brinquedo, quanto
mais atentos devereis estar ao que vos vou dizer!
Quero
falar-vos sobre o fim ou destino do homem, sobre o fim da criança, fim que
será, não a posse de um brinquedo, porém a posse e gozo do próprio Deus no céu,
mediante o cumprimento dos seus deveres neste mundo. E, assim como a criança
promete trinta dias de comportamento exemplar para alcançar a posse do
brinquedo, assim haveis de prometer ser bons toda a vossa vida, para
alcançardes a posse da glória.
Qual
é o fim do homem? Qual é o fim da criança? Eu já o disse, e di-lo também o
catecismo: “Para que fim o homem foi criado?” pergunta o catecismo. E responde:
“O homem foi criado para amar e servir a Deus nesta vida, e depois vê-lO e
gozá-lO na outra”. Eis aí o vosso fim: “amar e servir a Deus nesta vida e
depois vê-lO e gozá-lO no céu”. Não é o vosso fim brincar, nem tão pouco
divertir-se, nem pensar nas Batuecas enquanto eu vos explico os vossos deveres,
não; o vosso fim é servir a Deus, para gozá-lO depois no céu. O vosso fim é ir
pontualmente à escola, porque Deus o manda; é obedecer a vossos pais, não
brigar uns com os outros, não dizendo palavras más nem fazendo travessuras de
maior monta... Enfim, não pecando, porque Deus o proíbe; vós, as meninas,
cumprindo as vossas obrigações caseiras, e todos praticando os mandamentos de
Nosso Senhor.
Suponde
um menino que o pai manda a um mestre carpinteiro para aprender carpintaria.
Eis já está ele na oficina. Qual é o fim dele ao entrar na carpintaria? Para
que é que ali vai todos os dias? Para aprender o ofício de carpinteiro. Mas
vamos a ver o que o menino faz na sua oficina. Em vez de pegar a garlopa ou a
plaina e aplainar tábuas, pega de um lápis e, na tábua mais limpa e alisada,
pinta bonecos. Depois, quando se cansa de desenhar mostrengos, amontoa aparas,
puxa-as para a rua, faz com elas uma fogueira e convida outros meninos para
saltarem por cima dela. O mestre carpinteiro repreende-o, mas o aprendiz torna
a fazer das suas. E assim todos os dias. Ao cabo de um ano, o pai quer saber o
que seu filho aprendeu, mas, como o menino só fez bonecos, não entende coisa
alguma de carpintaria. — “Para que foi que eu te trouxe para aqui?” —
pergunta-lhe o pai, irritado. — Para aprender a ser carpinteiro. — E que tens
aprendido? — Não se aborreça, papai. “Aprendi a pintar bonecos”. Ao ouvir
esta néscia saída, o pai dá-lhe uma tunda soberana
e obriga-o a trabalhar até aprender o ofício.
Do
mesmo modo, Deus Nosso Senhor pôs o menino neste mundo não para brincar, nem
para brigar com seus iguais, nem para fazer outras malícias: Deus pôs o menino
neste mundo para que ele O sirva e Lhe obedeça, como aquele pai pôs o filho na
carpintaria para que ele servisse e obedecesse ao mestre carpinteiro; mas, se o
menino, em vez de cumprir a vontade de Deus servindo-O, dedica-se a seguir os
seus caprichos, e passa a vida fazendo travessuras, desobedecendo, brigando,
mentindo... no fim da vida Deus virá pedir-lhe contas e lhe dirá: “Menino
perverso, em que foi que ocupaste o tempo que eu te dei?” — “Senhor, em
brincar, em brigar com meus companheiros, em dizer palavrões, em me esconder
para não ir à missa, em desobedecer aos meus superiores e em cometer outros
pecados”. Então Deus lhe dará um castigo terrível, o castigo do inferno. Que
mal terrível, meus filhos! E tudo por quê? Por não haver sabido alcançar o
nosso fim último, que é servir a Deus neste mundo, para depois gozá-lO no
outro.
Quero
insistir neste ponto, porque é interessantíssimo, e receio que o esqueçais. Para
gravá-lo bem na vossa memória, ouvi uma parábola.
Havia
um menino cujo pai tinha uma horta e, na horta, algumas colmeias das quais
saíam muitíssimas abelhas, que se espalhavam pela horta em busca do néctar das
flores. O menino, que gostava muito de mel, estava um dia olhando uma abelha
que, afanosa, trabalhava numa flor, introduzindo-lhe no cálice a sua trombina
para sugar o néctar delicioso.
— Lindo
inseto! — murmurou o menino.
— Deus
te criou para fazeres mel e eu comê-lo.
— E
tu, para que foi que Deus te criou? perguntou-lhe por trás dele seu pai, que se
aproximara sem ser notado. O menino calou-se, pois não se lembrou disto que
agora vos estou explicando. Deus te criou para Ele. Ouve-me bem, meu filho:
Deus fez as abelhas para fazerem mel para ti, e fez a ti para que faças boas
obras para Ele.
Ouvi-me
bem, vós, meus filhos. Deus fez o mundo para vós e vós para Ele. Que fim nobre!
Sois para Deus. Afanai-vos, pois, e trabalhai no cumprimento dos vossos
deveres, que será fabricar na colmeia da Igreja mel de boas obras, dignas de
serem apresentadas à mesa de Deus na glória eterna.
Fonte: A Grande Guerra
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