Capítulo I
As tentações não são uma prova
de abandono da parte de Deus. Se as vezes são uma prova da sua cólera é de uma
cólera dirigida pela sua misericórdia.
As tentações perturbam a.s almas
piedosas: arrastam ao precipício .as,. almas
dissipadas. Para Prevenir o mal
que delas pode resultar, é a propósito fazer-vos saber as razões que tendes de
não as temer demasiado, os princípios sobre os quais podeis decidir-vos em
muitas ocasiões, a maneira de vos comportardes no tempo em que elas vos atacam,
e de vos premunirdes contra os efeitos delas; e mostrar-vos as vantagens que
delas podeis tirar.
As tentações são idéias,
sentimentos, inclinações, pendores que nos induzem a
violar a Lei de Deus, para nos
satisfazermos. Essas tentações não devem nem perturbar nem desanimar uma alma
cristã. O demônio declara guerra principalmente às almas que detestam o império
dele; que combatem as suas próprias paixões, que são discípulas de Jesus Cristo tanto pela pureza
dos seus costumes como pelo cunho inefável da sua regeneração; ou àquelas que
pensam seriamente em sacudir o jugo sob o qual o demônio as mantém. Pelas molas
que faz funcionar contra elas, o demônio só procura concitá-las a renunciar ao
amor de Jesus Cristo, desprendê-las de Deus, tomando-as cúmplices da desobediência
dele. Esta reflexão deve consolar as almas que são tentadas. E' a oposição
delas ao inimigo da salvação, é o seu apego à piedade, à vontade de Deus, que
lhes atrai essa perseguição doméstica. Um pouco de constância torná-las-á
vitoriosas, firmá-las-á na virtude.
Almas naturalmente tímidas, ou
aquelas que o senhor por longo tempo conduziu na calma das paixões e nas doçuras
da paz, imaginam que as tentações que elas às vezes experimentam são sinais da
cólera de Deus sobre elas; e com isso chegam até a pensar que Deus as abandonou,
quando as tentações são fortes e frequentes. Não podem persuadir-se de que Deus
possa deitar olhares favoráveis sobre um coração violentamente agitado por
sentimentos contrários à virtude. Esta cilada é o último recurso do inimigo da salvação
para derrubar uma alma que ele não pode vencer pelas vãs satisfações do vicio.
Rouba-lhe essa preciosa confiança que pode sustentá-la contra todos os esforços
do inferno.
Grosseiramente se enganam essas almas.
As que são instruídas, as que conhecem melhor
os caminhos de Deus, não se surpreendem com essa guerra que têm de sustentar.
Pelos oráculos do Espírito Santo aprenderam que a vida do homem é um combate
continuo; que temos de nos defender incessantemente, por dentro contra os
nossos gostos, as nossas inclinações, o nosso amor-próprio, esses inimigos domésticos
tão capazes de nos seduzir pelas suas artimanhas e pretextos; por fora, contra
a sedução dos maus exemplos, contra o respeito humano, contra as potências do
inferno, invejosas da felicidade do homem e conjuradas contra ele desde o começo
do mundo; e aprenderam que só pelas vitórias que alcançamos com o socorro da
graça é que abrimos caminho para chegarmos ao Céu; que, enfim, consoante o Apóstolo
(2 Tim 2, 5), só haverá coroa para aqueles que houverem fielmente combatido até
o fim.
S. Paulo não considerou como
efeito da cólera e do abandono de Deus as tentações que continuou a experimentar,
embora tivesse pedido ser livrado delas. Os Santos, por tanto tempo e tão vivamente
atacados pelo demônio até nos desertos e nos exercícios da mais austera penitência
não tiveram das tentações a mesma ideia que vós. Pelo contrário,
consideraram-nas sempre como o objeto dos seus combates e a matéria dos seus méritos.
Não ignoravam o que é dito nos Livros Sagrados: Por isso que éreis agradável a
Deus, mister se fazia fosseis provado pela tentação (Tob .2, 13). E' esta a ideia
que deveis fazer da tentação; é a única que seja justa nos princípios da Religião;
e, dessarte, não ficareis nem perturbada nem desanimada com ela.
Contudo, embora as tentações não
sejam um sinal do abandono de Deus, porque Deus nunca abandona inteiramente o
homem enquanto este estiver na terra; e embora essas tentações sejam, ordinariamente,
provações para as almas justas, às vezes são também efeitos da Justiça dlvina; que
pune certas negligências no seu serviço, certas fraquezas a que se deixam levar
almas desaplicadas e presunçosas, certas aplicações naturais que dividem o coração.
Mas, seja punição ou provação, a submissão em recebê-las, a fidelidade em
lhes resistir devem ser as
mesmas. Da parte do mais terno dos pais, a justiça é
sempre acompanhada de misericórdia;
A sua graça está sempre ligada à oração e à confiança. Ele não quer perder-nos,
não quer punir-nos senão para nos reconduzir a Ele. Esta circunstância, bem
longe de desanimar e de perturbar uma alma, deve, pelo contrário, animá-la ao
combate pela vista do perdão que lhe é oferecido, se com coração contrito e
humilhado, e com fidelidade inviolável, cumprir a penitência que Deus lhe impõe.
(Tratado das Tentações - Padre Michel da Companhia de Jesus)
Nenhum comentário:
Postar um comentário